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ArtigosAnálise jurisprudencial do atual cenário da alienação parental no ordenamento jurídico brasileiro

04/01/2023by admin0

Por 
Marcus Vinicius Alencar Barros

Nadejda Silva Ferres

De acordo com o caput do art. 227 da Constituição Federal de 1988, passou a ser dever da família, da sociedade e, por último, do Estado assegurar que a criança, o adolescente e jovem direitos para seu pleno crescimento, tais como o direito à vida, à saúde, à alimentação, ao lazer, à cultura, à dignidade, à profissionalização, o respeito, a liberdade e à convivência familiar e, também, em comunidade. Ainda de acordo com o art. 227 é importante que as crianças sejam protegidas da negligência, da exploração, violência, crueldade, opressão e da discriminação.

Outro ponto interessante da Constituição, diz respeito ao art. 229, que coloca como dever dos pais de cuidar dos filhos que são menores de idade. Todavia, inaugura o dever para os filhos maiores de idade que é a assistência aos pais com dificuldades físicas, mentais, psicológicas e, também, financeiras. Isso significa que é dever dos filhos maiores a garantia de um bem estar para seus ascendentes, com garantia aos alimentos.

Esse dever parte do princípio da solidariedade familiar que se encontra descrito no art. 3º, I da CF/1988, que nos revela que devemos construir uma sociedade livre, justa e também, solidária. Com isso, considera-se que a solidariedade é um dos princípios norteadores do atual direito de família.

A solidariedade é refletida no direito de família, para Flávio Tartuce (2013 p. 1057) “Ser solidário significa responder pelo outro […]. Quer dizer, ainda, preocupar- se com a outra pessoa. Desse modo, a solidariedade familiar deve ser tida em sentido amplo, tendo caráter afetivo, social, moral, patrimonial, espiritual e sexual”.

Esse cuidado com a família está relacionado aos princípios que a constituição traz para a família. Na Constituição Federal de 1988 encontramos assegurada a igualdade entre o homem e a mulher. A partir disso, houve a garantia de proteger e de estabelecer como família a união estável, a família monoparental e outras formas distintas de família que não eram consideradas até então. Outro fator relevante foi o estabelecimento da igualdade jurídica dos filhos.

A sociedade vem se transformando dia após dia, a rotina e o comportamento também vêm sofrendo muitas mudanças, e como consequência disso a estruturação da família também se alterou. Essas alterações são taxadas como modernas, pois décadas atrás, a filiação era representada por um pai e uma mãe que muitas vezes descendiam da mesma linhagem.

Muitos fatores ajudaram para o fim dos casamentos entre consanguíneos, o mais relevante ocorreu pela falta de mulheres para se casar, e em decorrência disso fizeram que muitos homens procurassem mulheres fora do seu vínculo sanguíneo e territorial. Outro fator muito importante foi quando muitos perceberam que filhos vindos de casamentos com pessoas sem nenhum parentesco consanguíneo, eram pessoas geneticamente mais saudáveis, possibilitando assim um melhor desenvolvimento da espécie.

Existia ainda uma grande necessidade a ser suprida, essa necessidade era de mudança para que novos modelos de famílias não fossem mais prejudicados. Pois, naquela época o que imperava sobre a sociedade era poder econômico sobre todos, onde o crescimento familiar era visto como o único modelo aquisitivo seguro para não perder o poder.

Com efeito, acerca das mudanças ocorridas ao longo do tempo foi sobre os comportamentos dos pais após a separação, que muitas vezes ocasionavam situações conflitantes em relação ao convívio com os filhos, surgiu a necessidade de estudos clínicos sobre o tema. Desssa forma, Richard Gardner no ano de 1985 foi o primeiro psicanalista a descrever a Síndrome da Alienação Parental como um distúrbio que acontece quando se existe uma disputa pela guarda da criança:

Na obra A Síndrome de Alienação parental, o psicanalista e psiquiatra infantil Richard Gardner, nos idos de 1985, definiu a SAP como: um distúrbio que surge principalmente no contexto das disputas pela guarda e custódia das crianças. A sua primeira manifestação é uma campanha de difamação contra um dos genitores por parte da criança, campanha essa que não tem justificação. O fenômeno resulta da combinação da doutrinação sistemática (lavagem cerebral) de um dos genitores e das próprias contribuições da criança dirigidas à difamação do progenitor objetivo dessa campanha.

Muitas vezes distorcem o real contexto para que o alienado tenha um repulsa pelo outro.

Embora a denominação Síndrome de Alienação Parental seja recente (data de 1985), o fenômeno é frequente nas separações, no tocante às visitas, pensão alimentícia e guarda dos filhos. Está presente em ações judiciais em que um dos pais se utiliza de argumentos em processos para suspender e até impedir as visitas, destituir o poder familiar, alegar inadimplemento de pensão alimentícia, chegando a acusações de abuso sexual ou agressão física, porém nem sempre de cunho autêntico, e sim como mero recurso para a destruição do vínculo parental.

Temos também que buscar enxergar a causa do problema. Não apenas ajudar a vítima, o menor, mas também ajudar nos tratamentos para o sujeito alienador.

Esse tipo de olhar não tira a culpabilidade do mesmo, mas ajuda ele a entender os malefícios dos seus atos, não apenas para o filho, mas para si próprio. Segundo Jorge Trindade, “a Alienação Parental exige uma abordagem terapêutica específica para cada uma das pessoas envolvidas, havendo a necessidade de atendimento da criança, do alienador e do alienado”.

Nós seres humanos não somos preparados psicologicamente para a separação. Idealizamos o amor eterno e não uma ruptura de uma vida conjugal e até mesmo a destruição de um laço afetivo. Assim, assevera a autora Viviane M. Ciambelli:

Ferido em seu narcisismo, um genitor sente-se no direito de anular o outro e, a partir daí, ou ocupa onipotentemente o lugar do pai deposto junto à criança ou o substitui por uma pessoa idealizada, tornando-a mais valiosa. Dessa forma, entre relações falseadas, sobrecarregada de imagens parentais distorcidas e memórias inventadas, a alienação parental vai se desenhando: pais riscam, rabiscam e apagam a imagem do outro genitor na mente da criança.

Existem muitas críticas em relação à lei de Alienação Parental, ouve até uma possibilidade de revogação da lei, com a justificativa que muitas mães utilizam falsas denúncias para que tirem o poder do pai em cumprir o seu papel diante ao filho. Apesar disso, o poder judiciário possui ferramentas para minimizar essas possíveis distorções que possam existir. Entretanto, o autor Alan Minas Ribeiro da Silva relata que:

O caso fica mais sério diante das acusações de abuso sexual, estratégia perversa que tem sido utilizada por muitas mulheres para afastar a criança do pai. Seria necessário, mais do que a presença de um perito para analisar a situação, a criação de mecanismos de acompanhamento terapêutico de todos os envolvidos, buscando- se construir formas inovadoras, sensíveis e humanas de lidar com uma situação de tanta gravidade. E a criação de sanções severas para os acusadores caso se comprove a má-fé, tendo como preliminar a perda da guarda. Todavia, o grau de arrogância do poder judiciário é de tal ordem que ele nem sequer investe de forma consequente na construção de formas outras de resolução daquele impasse que não seja via a decisão do juiz. Dessa forma, o mundo do afeto, o mundo social, fica subordinado aos instrumentos de um Estado comprometido, acima de tudo, mais com ritos formais do que coma justiça, a solidariedade e a generosidade humanas.

Não existem índices exatos sobre Alienação Parental porque a síndrome não é reconhecida nos catálogos e códigos internacionais de doenças, fora que processos das Varas de família e Varas da infância tramitam em segredo de justiça, uma forma de resguardar o menor e os envolvidos. Todavia, isso não é percebido com bons olhos pelos juristas ou profissionais da área da saúde mental.

Podemos analisar alguns casos de alienação parental pra que tenhamos um entendimento como:

APELAÇÕES CÍVEIS. FAMÍLIA. AÇÃO DE GUARDA COMPARTILHADA. PEDIDO ALTERNATIVO DE AMPLIAÇÃO DO DIREITO DE VISITAS DO PAI À FILHA. ALEGAÇÃO DE PRÁTICA DE ALIENAÇÃO PARENTAL PERPETRADA PELA MÃEGUARDIÃ. PROVA TESTEMUNHAL. OITIVA DAS PERITAS PSICÓLOGAS E ASSISTENTES SOCIAIS. NECESSIDADE. AGRAVO RETIDO. PROVIMENTO. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. RETORNO À FASE INSTRUTÓRIA. MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERESSE DE INCAPAZ. INTERVENÇÃO OBRIGATÓRIA. INOBSERVÂNCIA. PRIMEIRO RECURSO PROVIDO. DEMAIS
RECURSOS PREJUDICADOS. I. Considerando que se está diante dos interesses de uma criança hoje com oito anos de idade, vítima de disputa acirrada, conflitos e discórdias travadas por seus pais desde o seu nascimento, as questões levantadas pelo Agravante, em especial, a alegada alienação parental, devem ser dirimidas, por meio de provas contundentes, dentre elas, a testemunhal e oitiva de psicólogas e assistentes sociais que acompanham o caso concreto. II. A prova testemunhal e diligências requeridas conduziriam a uma decisão, seja em relação ao pedido de guarda compartilhada, seja quanto ao pedido de ampliação do direito de visita, mais adequada à realidade das partes e, principalmente, visando ao melhor interesse da criança. III. Compete ao Ministério Público intervir nas causas em que há interesse de incapaz. IV. Tendo sido mitigada a oportunidade do Ministério Público de se manifestar acerca do mérito dos pedidos iniciais de guarda compartilhada ou ampliação de visitas do pai à filha, a declaração de nulidade do processo é medida que se impõe, à luz do art. 84 do CPC (Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Processo: Apelação Cível: 1.0024.07.800689-7/003. Rel. Des. Washington Ferreira. Data de julgamento: 26-3-2013. Data da publicação: 5-4-2013).

O resguardo da saúde psicológica do menor é uma das medidas mais importantes, em todos os casos. Às vezes há necessidades de acompanhamento psicológico, quando é observada uma fragilidade ou até mesmo insistência a não reaproximação pai/filho. Exemplo disso ocorreu na decisão abaixo:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO DE GUARDA. CERCEAMENTO DE DEFESA. PEDIDO DE NOVA PERÍCIA. GUARDA MATERNA. REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS EM FÉRIAS E FERIADOS. ALIENAÇÃO PARENTAL. DETERMINAÇÃO DE ACOMPANHAMENTO
PSICOLÓGICO PELA GENITORA NO CREAS. I – Inexiste cerceamento de defesa. A avaliação psicológica alcançou o objetivo proposto, ainda que não satisfatório à genitora, não existindo razão para ensejar outra perícia, mormente quando já constatado que a menor se encontra emocionalmente fragilizada com a situação que está vivenciando. II – As alterações de guarda devem ser evitadas tanto quanto possível, pois em regra, são prejudiciais à criança, que tem modificada a sua rotina de vida e os seus referenciais, gerando-lhe transtornos de ordem emocional. Mantida a guarda materna, por ora. II – A regulamentação de visitas materializa o direito dos filhos de conviver com o genitor não guardião, assegurando o desenvolvimento de um vínculo afetivo saudável entre ambos, mas sem afetar as rotinas de vida dos infantes. No caso, possível a ampliação das visitas. Regulamentação em férias e feriados. III – Manutenção de acompanhamento psicológico da demandada no CREAS. IV – Reconhecida a prática de alienação parental, e continuada a conduta alienante da genitora, cabe a aplicação do art. 6º, inciso III, da Lei 12.318/10. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS
(Apelação Cível n. 70062154182. Sétima Câmara Cível. Tribunal de Justiça do RS. Rel. Liselena Schifino Robles Ribeiro. Julgado em: 26-11-2014).

O descumprimento de uma decisão judicial também pode gerar multa para uma das partes:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA E VISITAÇÃO, EM FASE DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA. DECISÃO AGRAVADA QUE INVERTEU A GUARDA DA MENOR, FIXOU MULTA DIÁRIA PELO DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIÁRIA E DETERMINOU A BUSCA E APREENSÃO DA MENOR. ALEGAÇÃO DE ABUSO SEXUAL PERPETRADO PELO GENITOR, ORA AGRAVADO. DENÚNCIAS QUE SE REPETIRAM AO LONGO DO PROCESSO PRINCIPAL E QUE FORAM AFASTADAS PELO CONJUNTO PROBATÓRIO. INDÍCIOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL. INEXISTÊNCIA DE JUSTO MOTIVO PARA O DESCUMPRIMENTO DA SENTENÇA. AGRAVANTE QUE DESAPARECEU COM A MENOR. DECISÕES QUE SE REVELAM ADEQUADAS. MULTA FIXADA PROPORCIONALMENTE.
RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. 0032508-09.2014.8.19.0000 – Agravo de Instrumento. Des. André Andrade. Julgamento: 22-10-2014. Sétima Câmara Cível).

Em alguns casos, pode ser necessária a mudança de guarda, em razão da proteção do menor com indícios de violência, física ou psicológica:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALTERAÇÃO DE GUARDA. LIMINAR.
CABIMENTO. Caso no qual restaram bem provados, através dos relatos das Conselheiras Tutelares e Assistentes sociais da Comarca de origem, dando conta da postura agressiva do genitor até então guardião. Ainda, há indicativos de atos de alienação parental praticados pelo pai, com a colocação de todo o tipo de óbice à visitação materna, e inclusive ameaças à integridade física dos envolvidos. Restou bem demonstrado, por igual, que a genitora tem condições de exercer a guarda dos filhos. Na hipótese, a reversão da guarda em prol da genitora é a solução mais adequada ao contexto do caso. DERAM PROVIMENTO (Agravo de Instrumento n. 70061812608. Oitava Câmara Cível. Tribunal de Justiça do RS. Rel. José Pedro de Oliveira Eckert. Julgado em: 11-12-2014

Ademais, ao longo dos anos, as famílias passaram por constantes e inúmeras transformações no seu pensar e, também, quanto ao modo de vida que elas levavam.
Por isso, o comportamento da vida da família é sempre um reflexo do recorte histórico vivenciados por elas, não só dos acontecimentos do presente, mas sobretudo, do passado, não podendo este comportamento violar sob nenhuma hipótese o princípio constitucional de proteção aos filhos, afastando sob qualquer hipótese qualquer tentativa, por mais velada que seja, de alienação parental.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 08 agosto 2022.

CIAMBELLI, Viviane M. Impacto da Alienação Parental nas avaliações psicológicas e decisões judiciais. São Paulo: Iglu, 2012.p.208

SILVA, Alan Minas Ribeiro. Da morte inventada: alienação parental em ensaios e vozes. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 208-209.

SILVA, Denise Maria Perissini da. Guarda compartilhada e síndrome de alienação parental: o que é isso?.2 ed. revista e atualizada . Campinas, SP: Armazém do Ipê, 2011, p.45.

TRINDADE, Jorge. Sindrome da Alienação Parental (SAP). In: DIAS, Maria Berenice. Incesto e Alienação Parental: realidades que a justiça insiste em não ver. São Paulo: Revista das Tribunais, 2008, p.105.

______, Agravo de Instrumento n. 70061812608. Oitava Câmara Cível. Tribunal de Justiça do RS. Rel. José Pedro de Oliveira Eckert. Julgado em: 11-12-2014.

______, Apelação Cível n. 70062154182. Sétima Câmara Cível. Tribunal de Justiça do RS. Rel. Liselena Schifino Robles Ribeiro. Julgado em: 26-11-2014 Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. 0032508-09.2014.8.19.0000 – Agravo de Instrumento. Des. André Andrade. Julgamento: 22-10-2014. Sétima Câmara Cível.

______, Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Processo: Apelação Cível: 1.0024.07.800689-7/003. Rel. Des. Washington Ferreira. Data de julgamento: 26-3-2013. Data da publicação: 5-4-2013).

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