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ArtigosDesafios e obstáculos na implementação da guarda compartilhada

A parentalidade emerge como uma das mais complexas responsabilidades na jornada da vida, requerendo dos pais adaptações em múltiplos níveis, incluindo cognitivo, biológico, social e afetivo, com o intuito de fomentar o desenvolvimento físico e emocional da criança. Diante das profundas transformações socioculturais contemporâneas e do crescente número de separações conjugais, é fundamental compreender as experiências ligadas à parentalidade, especialmente no contexto da guarda compartilhada. Esta modalidade, não apenas estabelecida como a norma a ser seguida, apresenta também uma série de desafios adicionais à prática parental e à sua partilha.

No que concerne às responsabilidades parentais, tanto a Convenção sobre os Direitos da Criança, quanto o Decreto nº 99.710, que ratificou essa convenção, destacam que é parte essencial da parentalidade garantir, dentro de suas competências e recursos financeiros, as condições de vida indispensáveis para o desenvolvimento adequado da criança ou adolescente. Desse modo, espera-se que os pais promovam o desenvolvimento integral de seus filhos em aspectos físicos, psicológicos e sociais, uma premissa que orienta as investigações científicas sobre a parentalidade, seus processos e práticas parentais.

Como é sabido, a parentalidade tem sido objeto de estudo por diversos autores, os quais exploram uma variedade de aspectos e definições sobre o tema. Por exemplo, Didier Houzel (2004) propõe uma abordagem tripartida da parentalidade, baseada em três eixos fundamentais que delineiam as funções assumidas pelos pais na construção do seu papel parental. Estes eixos são: o exercício da parentalidade, a experiência da parentalidade e a prática da parentalidade. O exercício é considerado como uma função primordial e organizadora, responsável por situar cada indivíduo em sua rede de parentesco, facilitando assim a transmissão de regras e valores. O segundo eixo, a experiência da parentalidade, envolve o desempenho dos papéis parentais e os aspectos conscientes e inconscientes que permeiam esse processo. Já o terceiro eixo, a prática, abrange desde os cuidados físicos e psicológicos até as atividades cotidianas e as interações afetivas entre pais e filhos, conforme delineado pelo autor.

Portanto, é evidente que a parentalidade abrange uma série de aspectos que estão intimamente ligados à realidade e às mudanças psicológicas que cada um dos pais vivencia. Isso inclui o processo de transição para a parentalidade, que envolve os cuidados e as trocas estabelecidas entre pais e filhos. Assim, a chegada do filho marca o início de uma tríade, na qual ele não só transforma e parentaliza os pais, mas também se desenvolve pessoalmente. Em outras palavras, o cuidado e a interação com o filho proporcionam uma oportunidade de crescimento e transformação para os pais. Assim, ao compreendermos que a parentalidade se fundamenta na criação de uma ligação entre pais e filhos, é crucial refletir sobre como o processo parental pode ser afetado pelo término do relacionamento conjugal dos pais. Isso se deve ao fato de que, ao contrário da conjugalidade, a parentalidade é caracterizada por sua natureza indissolúvel.

Durante muito tempo, a conjugalidade também foi vista como indissolúvel, até que a Lei nº 6.515 de 1977, conhecida como Lei do Divórcio, representou um ponto de virada nas dinâmicas sociais familiares. Essa legislação introduziu uma nova alternativa para lidar com a insatisfação conjugal, permitindo a dissolução do casamento. No entanto, foi com a Emenda Constitucional nº 66 de 2010 que essa prática foi aprimorada e simplificada, concedendo às pessoas uma maior liberdade para estabelecerem seus laços afetivos. Além disso, do ponto de vista legal, a ideia de culpa no término do relacionamento, especialmente no que diz respeito à guarda dos filhos, deixou de ser considerada.

Independentemente da maneira como ocorre a separação, esse é um processo complexo que traz consigo conflitos, rupturas e consequências que afetam todos os membros da família. Os desdobramentos dessa situação podem reverberar na relação entre pais e filhos, pois os conflitos decorrentes do término do relacionamento conjugal podem prejudicar o bem-estar das crianças e adolescentes. Infelizmente, em alguns casos, eles podem até ser utilizados como meio de atingir o ex-parceiro, sem considerar as repercussões negativas que isso pode ter para os jovens envolvidos.

Nesse contexto, mesmo que seja reconhecido como um grande desafio, é fundamental buscar alternativas que facilitem a manutenção dos laços e das relações parentais após o divórcio. A guarda compartilhada surge como uma opção para promover a continuidade dos vínculos entre pais, mães e filhos. Além de preservar os laços familiares e evitar o distanciamento de ambos os genitores, essa modalidade busca estabelecer uma responsabilidade conjunta na criação dos filhos, garantindo uma divisão equilibrada de tempo e de obrigações parentais.

Determinar a guarda dos filhos após o divórcio pode representar um desafio significativo para os pais, especialmente no caso da guarda compartilhada. Esta modalidade requer não apenas uma divisão equitativa de responsabilidades e tempo de convívio, mas também uma estabilidade reforçada nas relações parentais. Além disso, nota-se que, no contexto da convivência familiar após o divórcio, há uma tendência ao distanciamento do genitor que não detém a guarda, especialmente nos casos de guarda unilateral, nos quais esse afastamento frequentemente envolve a figura paterna. Isso revela que a separação não só pode resultar em uma distância física entre os pais e os filhos, mas também em um distanciamento emocional.

Nesse contexto, a guarda compartilhada emerge como uma ferramenta crucial para apoiar o exercício da parentalidade, visto que facilita o reequilíbrio dos papéis parentais e promove as necessidades afetivas e emocionais dos filhos após o término do relacionamento conjugal. Vale destacar que a guarda compartilhada teve sua origem na década de 1960, no Reino Unido, e posteriormente foi adotada por diversos outros países. Sua adoção foi motivada pelo reconhecimento da desigualdade na relação entre pais e filhos que resultava da guarda unilateral. Diante disso, a implementação da guarda compartilhada visava atribuir a ambos os pais a responsabilidade de cuidar e educar os filhos.

No Brasil, a adoção da guarda compartilhada é relativamente recente em comparação com outros países. Dentre as razões para sua implementação estão as reivindicações de pais que não detinham a guarda dos filhos e se sentiam prejudicados ou excluídos do exercício parental. Além disso, aspectos como a busca pela igualdade entre homens e mulheres, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, bem como as transformações vivenciadas pela instituição familiar ao longo do tempo, também contribuíram para sua introdução.

Nesse cenário, a guarda compartilhada foi instituída no Brasil em 2008 pela Lei nº 11.698, visando promover uma responsabilização conjunta e a equitativa participação dos pais nos direitos e deveres relacionados aos filhos após o divórcio. Isso resultou na redefinição da experiência da parentalidade no período pós-divórcio. Contudo, a Lei, tal como foi inicialmente estabelecida, gerou diversas dúvidas e, possivelmente devido ao fato de ter sido apresentada como uma opção em vez de uma norma, teve uma adesão limitada, resultando na predominância das guarda unilaterais no Brasil. Diante disso, em 2014, foi promulgada a nova Lei da guarda compartilhada, de número 13.058, que torna obrigatória a adoção dessa modalidade. Esta nova legislação busca garantir uma divisão equitativa no convívio e igualdade nas responsabilidades parentais, permitindo assim que ambos os pais vivenciem plenamente a parentalidade.

Nessa perspectiva, pesquisas realizadas por Gadoni-Costa, Frizzo e Lopes (2015) com pais que vivenciam a guarda compartilhada indicam que essa modalidade é percebida de forma positiva tanto pelos pais quanto pelas mães, especialmente no que se refere à manutenção do envolvimento e da participação na vida dos filhos. No entanto, também foram identificados alguns desafios no exercício da parentalidade nesse contexto. Portanto, é importante ressaltar que o momento em que os pais negociam a guarda dos filhos, decorrente do término da relação conjugal, pode gerar expectativas significativas em relação às combinações estabelecidas. Essa situação pode criar muitas expectativas em relação às configurações estabelecidas. É correto afirmar que a guarda compartilhada, para além de ser vista como uma solução, pode ser percebida pelos pais como uma ilusão de resolução dos conflitos. Entende-se que a formalização do acordo não assegura necessariamente uma convivência pacífica ou a redução das interferências entre os pais, o que poderia facilitar o exercício da parentalidade na guarda compartilhada.

No entanto, a guarda compartilhada está cada vez mais sendo recomendada como um modelo que traz benefícios para as crianças. Esse tipo de guarda permite que os filhos mantenham um relacionamento significativo com ambos os pais, o que é crucial para o desenvolvimento emocional e psicológico da criança. A maior cooperação entre os pais geralmente resulta em uma diminuição significativa dos conflitos, o que, por sua vez, beneficia os filhos. É inegável, conforme evidenciado pela dinâmica social cotidiana, que os filhos de pais separados enfrentam mais desafios do que aqueles de famílias intactas.

Ainda, a guarda compartilhada serve como um modelo saudável de relacionamento. Ao testemunhar seus pais cooperando e trabalhando juntos na criação dos filhos, as crianças aprendem habilidades importantes de comunicação, resolução de conflitos e cooperação. Isso pode ter um impacto positivo em seus próprios relacionamentos futuros.

No entanto, é essencial ressaltar que cada caso é avaliado individualmente, levando-se em consideração o melhor interesse da criança. Nem todas as situações são adequadas para esse tipo de guarda, especialmente quando há questões de violência doméstica, abuso ou negligência envolvidas. Além disso, se houver evidências claras de negligência parental, envolvimento com drogas, crimes ou comportamentos irresponsáveis por parte de um dos pais, a guarda compartilhada pode não ser a melhor opção. A prioridade deve ser garantir a segurança e o cuidado adequado da criança. Por fim, se a criança estiver enfrentando dificuldades emocionais ou apresentando sinais de trauma devido a eventos passados, a guarda compartilhada pode agravar esses problemas, especialmente se houver exposição contínua a conflitos e tensões entre os pais.

Uma maneira pela qual a Guarda Compartilhada contribui para manter a continuidade e a estabilidade dos relacionamentos parentais é assegurando que os filhos passem tempo equilibrado com ambos os pais. Isso permite que eles mantenham laços fortes e contínuos, evitando que um dos pais se torne ausente na vida das crianças. A presença e o envolvimento de ambos os pais têm um impacto positivo no desenvolvimento emocional e social dos filhos, ajudando a minimizar o estresse associado à necessidade de “escolher” entre os pais, já que ambos continuam ativos na vida da criança. Isso contribui para um ambiente emocionalmente mais saudável. Crianças que experimentam relacionamentos equilibrados com ambos os pais tendem a desenvolver maior resiliência e habilidades de adaptação, pois aprendem a lidar com diferentes dinâmicas e cenários.

Além disso, a Guarda Compartilhada proporciona um ambiente no qual os pais podem exemplificar relacionamentos saudáveis. Ao compartilhar a responsabilidade pela guarda dos filhos, eles têm a oportunidade de demonstrar habilidades de comunicação eficazes, cooperação e respeito mútuo. As crianças podem aprender a lidar com conflitos de forma construtiva e a desenvolver relacionamentos saudáveis ao observarem essas interações positivas. A estabilidade também é uma vantagem da guarda compartilhada. Ambos os pais compartilham responsabilidades e obrigações na criação dos filhos, resultando em uma estrutura e rotina consistentes. Isso auxilia as crianças a se sentirem seguras, previsíveis e confiantes. A estabilidade oferecida por essa modalidade de guarda é essencial para o bem-estar emocional e o desenvolvimento saudável dos filhos. A capacidade de tomar decisões em conjunto é outro aspecto crucial proporcionado por ela. Ambos os pais têm a oportunidade de participar ativamente das decisões importantes relacionadas à vida dos filhos, como educação, saúde e atividades extracurriculares.

A Guarda Compartilhada no Brasil passou por um processo de reconhecimento e valorização ao longo do tempo. Anteriormente, a Guarda Unilateral, frequentemente concedida à mãe, era a forma mais comum de atribuição da responsabilidade parental. No entanto, houve uma mudança em direção à participação ativa de ambos os pais na vida dos filhos após a separação. Esse movimento culminou no reconhecimento da Guarda Compartilhada como uma opção preferencial.

Com ela, é possível que o filho mantenha uma relação significativa com ambos os genitores, o que é crucial para seu desenvolvimento emocional e psicológico. A cooperação entre os pais contribui para diminuir conflitos e criar um ambiente mais saudável para a criança. Além disso, esse modelo ajuda a reduzir o estresse das crianças em caso de divórcio, mitigando a possibilidade de alienação parental e conflitos entre os pais, e melhora o desempenho acadêmico. A Guarda Compartilhada promove o desenvolvimento equilibrado das crianças, envolvendo ambos os genitores nas decisões e reduzindo conflitos entre eles.

No entanto, a implementação da Guarda Compartilhada pode encontrar desafios e obstáculos. O conflito entre os pais é um dos principais desafios, pois pode afetar a capacidade dos pais de cooperarem e tomarem decisões conjuntas em relação aos filhos. Além disso, ainda há resistência e falta de compreensão sobre a importância da guarda compartilhada em alguns casos, especialmente quando há questões de violência doméstica, abuso ou negligência envolvidas.

Em suma, a Guarda Compartilhada tem se destacado como uma alternativa benéfica para a criação dos filhos após a separação ou divórcio. Ela promove a participação equitativa dos pais na vida das crianças, reduz conflitos e proporciona um ambiente mais estável e saudável para o desenvolvimento dos pequenos. No entanto, é crucial avaliar cada caso individualmente, considerando o melhor interesse da criança e garantindo sua proteção integral.

 

 

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