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ArtigosSeguro de grupo: considerações gerais

Dentre as linhas mestras que atravessam todo o sistema do Direito Privado e, por consequência, do Direito dos Seguros, destaca-se a liberdade, que se faz presente na liberdade que as partes possuem para contratar (e ser contratado), para fazer manifestar sua vontade de forma livre e independente, para regular suas obrigações, seus deveres e seus direitos, para determinar as consequências desejáveis daquilo que pretende. Trata-se da autonomia privada das partes[1].

Em paralelo corre a igualdade, como vetor do Direito Privado (e do Direito dos Seguros, por decorrência lógica), cujos traços são lapidares à própria liberdade, no sentido de conformação (o que traz ínsito a própria ideia ou valor de justiça), para tanto revelando-se com intenso brilho sobre o sistema jurídico o princípio da boa-fé.

Tanto a dinâmica da autonomia privada das partes como a intensidade normativa do princípio da boa-fé são cotejados no sistema jurídico dos seguros, seja na produção dos textos legislativos, seja na concretização jurisprudencial.

Sejam seguros de acidentes pessoais, seguros de vida, seguros de assistência médica ou mesmo seguros de crédito habitação, que congregam o seguro de pessoas (ou em diversa terminologia, seguros do ramo vida); sejam seguros de responsabilidade civil de diretores (Directors & Officers, ou D&O, na terminologia inglesa que se alastrou mundo afora), seguros condominiais de residências coletivas ou seguros de transporte de bagagens ou coisas, que pertencem ao conjunto dos seguros de danos (ou seguros do ramo não-vida); os seguros de grupo podem estabelecer-se em quaisquer dos tipos contratuais acima elencados, razão pela qual sua transversalidade/maleabilidade/abertura normativa favorece à aplicação técnica não somente aos tipos já existentes, mas também à criação de novos arranjos contratuais no mercado segurador.

Os seguros de grupo apresentam vantagens técnicas pela razão de oferecerem coberturas a um preço mais vantajoso para um determinado grupo do que se tais riscos fossem contratados em termos individuais, devido não apenas à redução de gastos na consecução e gestão de tais seguros, mas também pelo fato da formação de uma mutualidade nesse grupo – mais ou menos ampla, conforme sua amplitude – desde o momento em que se formaliza o contrato.

Nesse passo, os seguros de grupo tornaram-se um importante ramo do mercado segurador, posto que para muitas pessoas cujo acesso a uma cobertura securitária é inviável por via individual, o seguro de grupo torna-se o único meio de contratar um seguro; para outros, representa o seguro de grupo um excelente complemento para seus seguros individuais.

Vários conceitos são formulados pela doutrina para o seguro de grupo. Margarida Lima Rego conceitua como “(i) um contrato; (ii) um contrato de seguro; (iii) cujo tomador é o subscritor; (iv) celebrado por conta dos participantes: estes são terceiros-segurados; (v) ligados ao subscritor por um vínculo distinto do de segurar; (vi) cobrindo cumulativamente (vii) riscos homogêneos de todos os terceiros-segurados; (viii) com perfeita separabilidade e (ix) sem uma correlação positiva forte entre os riscos dos terceiros segurados”[2]. Paula Alves[3] define como “o contrato celebrado entre seguradora e tomador de seguro a que aderem, como pessoas seguras, os membros dum determinado grupo ligado ao tomador”.

O Código Civil estabelece o seguinte conceito legal, no artigo 801, caput, vejamos:

“O seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica em proveito de grupo que a ela, de qualquer modo, se vincule.”

O contrato de seguro de grupo implica a existência de um grupo, não se satisfazendo com a existência de uma única pessoa no grupo, mas sim – ligando-se ao termo conjunto de pessoas – demanda que haja uma pluralidade de pessoas. Daí não passa a lei a estabelecer quanto ao número de pessoas que representariam esse plural ou esse conjunto, o que prima facie poderia induzir-nos a interpretar o conjunto como qualquer numeral acima de um. Essa não é a melhor compreensão, porém, do termo conjunto de pessoas, posto que o contrato de seguro de grupo possui uma lógica econômica subjacente – que será melhor desenvolvida no tópico acerca da assimetria informacional – que equaliza a seleção adversa por razão dos contratantes medianos, para permitir a cobertura a todos as pessoas do grupo sem individualizar a análise dos riscos de cada pessoa do grupo. Devido à técnica que subjaz ao contrato de seguro de grupo, seria reducionista afirmar que o termo grupo satisfaz-se como qualquer número acima de um; mais apropriado é considerar o grupo como o quantitativo de pessoas suficiente para equalizar a seleção adversa no contrato de seguro de grupo, variando em cada caso conforme a lógica econômica subjacente referente a determinado grupo.

Lado outro, o número máximo de pessoas que formam um grupo ou conjunto de pessoas não é fixado na proposição normativa, o que poderia induzir ao entendimento de que esse número máximo de pessoas é ilimitado, ou tenderia ao infinito[4]. Tal compreensão, entretanto, não poderá vir à tona por preceitos lógicos: se se trata de um conjunto, pressupõe que há um todo do qual o conjunto é parte, e esse todo são as pessoas; logo, ainda que se considere para efeitos de lógica o total de pessoas como tendencialmente infinito, o conjunto sempre representará um recorte de pessoas desse total, o que determinará sua finitude.

A lei não restringe o seguro de grupo a pessoas singulares, o que permite estipular pessoas coletivas como segurados.

O grupo – conjunto de pessoas – deve ligar-se ao tomador do seguro seja por razões de ordem contratual, como no caso dos empregados ligados ao empregador ou na situação em que o segurado contrata crédito habitacional perante uma instituição financeira, seja por um arranjo institucional, tal qual no seguro de responsabilidade civil do advogado. Poderá o vínculo ocorrer ainda por qualquer ordem fenomenológica, desde que tal vínculo correlacione o tomador de seguro e o segurado.

Embora aparente certa obviedade, parece que a proposição normativa não permite vínculos que de per si são ilícitos, como um hipotético seguro de grupo de vida para membros de uma organização criminosa. Embora o risco possa ser assegurado, o vínculo entre os segurados configura ilícito penal, e o ordenamento não poderia legitimar tal vinculação como legítima para fins de requisito de seguro de grupo, o que implicaria sua nulidade por violação do pressuposto normativo do vínculo entre os segurados e o tomador do seguro.

Para além dos elementos dispostos na definição legal, cujos traços distintivos relevantes na formação de um conceito de seguro de grupo foram acima expostos, dois aspectos são extraídos pela doutrina, quais sejam, os riscos homogêneos e os vínculos autônomos.

Por homogeneidade dos riscos, deve-se compreender como tipo de riscos em que o conjunto de pessoas possuam o mesmo tipo de interesse ou de, sendo seguro de pessoas, ocuparem todos eles a posição de pessoas seguras[5]. Os vínculos entre as pessoas do grupo e o tomador do seguro deverão ser autônomos entre si, isto é, com perfeita separabilidade.

Conforme os elementos distintivos para a formação do conceito de seguro de grupo delineados, propõe-se a formulação do seguinte conceito: seguro de grupo é o contrato cujo objeto é a cobertura de riscos homogêneos, pelo segurador, de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por vínculos autônomos distintos do de segurar.

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[1] GOMES, Manuel Januário da Costa, Contratos comerciais: contratos comerciais em geral, contratos bancários, Coimbra: Almedina, 2012, p. 20.: “A principal fonte dos contratos comerciais é a autonomia privada e o princípio da liberdade contratual”.

[2] LIMA REGO, Margarida, Contrato de seguro e terceiros: estudo de direito civil, 1a. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 809.

[3] ALVES, Paula Ribeiro, Estudos de Direito dos Seguros: Intermediação de Seguros e Seguro de Grupo, Coimbra: Almedina, 2007, p. 345.

[4] Nesse sentido, ALVES, Paula Ribeiro, Estudos de Direito dos Seguros: Intermediação de Seguros e Seguro de Grupo, Coimbra: Almedina, 2007, p. 286, considera que o grupo seria “não propriamente infinito, mas que potencialmente poderia conter todo o gênero humano, todas as pessoas dum determinado país,  dum determinado continente ou de todo o mundo. Pode-se pensar, por exemplo, num seguro de grupo aberto a que pudessem aderir os clientes de determinada empresa. Admitindo uma multinacional que preste serviços por todo o mundo, no limite todo o mundo era a dimensão possível do grupo”.

[5] POÇAS, Luís, O dever de declaração inicial do risco no contrato de seguro, Coimbra: Almedina, 2013, p. 635.

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