EnglishPortugueseSpanish

ArtigosImportância do núcleo de audiência de custódia na manutenção da prisão preventiva e como isso afeta os reincidentes

O presente artigo aborda o instituto da prisão preventiva, será discutido sobre a fundamentação desta prisão de acordo com os requisitos legais estabelecidos no Código de Processo Penal. Além disso, o artigo trata da questão da reincidência como justificativa para a fundamentação da manutenção da prisão cautelar. Também será explorado o papel e a importância do Núcleo de Audiência de Custódia (NAC), assim como a relação entre a análise do mérito nas audiências e a manutenção da prisão.

Por conseguinte, serão examinados os requisitos para a decretação da prisão preventiva no Brasil, bem como a relação entre reincidência e a possibilidade de sua aplicação. Será destacada a importância da individualização da análise e a necessidade de uma fundamentação sólida para a adoção dessa medida cautelar, a fim de evitar violações dos direitos constitucionais dos acusados.

Segundo o site do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), o Núcleo de Audiência de Custódia (NAC) foi instituído em 2015. O NAC é um mecanismo judicial que tem como objetivo garantir a rápida apresentação de uma pessoa detida em flagrante delito a um juiz. Esse tipo de audiência foi implementado no Brasil como uma medida de proteção aos direitos humanos, principalmente no que diz respeito ao direito à liberdade individual em consonância com o descumprimento de preceito fundamental (ADPF) nº 347. Ademais, ‘’o DF foi a primeira unidade da federação a ter todo o seu território coberto pelas audiências de custódia e a funcionar, ininterruptamente, 7 dias por semana, 365 dias por ano.’’ (TJDFT, 2020).

Com a entrada em vigor da Lei nº 13.964/19, nos termos do artigo 310 do Código de Processo Penal (CPP), a audiência de custódia deve ocorrer logo após a prisão em flagrante, dentro do prazo máximo de 24 horas, porém o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dispõe que ‘’a audiência de custódia deve ser realizada em até 24 horas, a partir da comunicação do flagrante, o que, por óbvio, diferencia-se do prazo do artigo’’ (CONJUR, 2021). Durante a audiência, o juiz avalia a legalidade da prisão, a necessidade e a adequação desta, além de analisar a ocorrência de eventuais violações de direitos fundamentais. A presença do acusado perante o juiz permite que ele se manifeste, apresente sua versão dos fatos e exponha eventuais abusos sofridos durante a prisão. Um dos principais objetivos do núcleo de audiência de custódia é combater a prática de prisões arbitrárias e evitar a superlotação dos presídios, priorizando medidas alternativas à prisão, como a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão ou o monitoramento eletrônico. Além disso, a audiência de custódia também busca identificar casos de tortura, maus-tratos e outras formas de violência policial, contribuindo para a prevenção e punição dessas violações. É importante ressaltar que o núcleo de audiência de custódia é um mecanismo que busca equilibrar a necessidade de repressão ao crime com a proteção dos direitos fundamentais dos acusados e suas garantias Constitucionais. Ao garantir uma análise imediata da prisão e promover um diálogo entre o acusado e o juiz, o sistema busca assegurar um processo mais justo e transparente, promovendo a dignidade e a cidadania das pessoas envolvidas no sistema de justiça criminal.

Um estudo realizado pela Revista de Direito Público que trata do mérito sob custódia diz respeito a Resolução do CNJ nº 213/2015 ‘’que regula o funcionamento das audiências de custódia nos Tribunais de Justiça, estabelece que sua função não permite que se entre no mérito dos casos…’’ (RDP nº 99, 2021, p. 123). Porém, pesquisas de campo realizadas pela Revista de Direito Público mostra que ‘’juízes/as compreendem de forma heterogênea a entrada do mérito em algumas situações’’ (RDP nº 99, 2021, p. 123). Ademais, partindo do pressuposto de que algumas vezes ocorrerá e entrada no mérito, a depender do entendimento dos juízes, dá-se a entender que tal fato pode interferir na decisão do juiz a respeito da manutenção da prisão.

Por mais que a Resolução do CNJ nº 213/2015 não permita o juiz adentrar na questão do mérito, é difícil separar uma análise meramente processual sem adentrar na análise de mérito, um estudo realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e CNJ (2018) mostra que ‘’59,6% das pessoas detidas o(a) juiz(a) não perguntou e não explorou o mérito dos fatos que levaram à prisão, o que representa 569 pessoas’’ (RDP, 2021, p. 130), ou seja, partiu de uma análise meramente processual. Ademais, no mesmo estudo ‘’246 presos (25,8%), o mérito dos fatos foi, ao menos, questionado pelo magistrado em audiência’’ (RDP, 2021, p. 130), portanto, por mais que este não seja o objetivo da audiência de custódia, a menção ao mérito, mesmo que de forma involuntária, ocorrerá. Resta saber se essa menção influência nas decisões dos juízes quanto a manutenção da prisão.

Então, partindo do pressuposto de que em algumas audiências de custódias haverá ou não a análise do mérito e de que com o advento do Pacote Anticrime os juízes não podem mais converter, de ofício, a prisão em flagrante em prisão preventiva. De acordo com os dados obtidos no site do TJDFT, um estudo quantitativo mostra que em janeiro/2018 e abril/2018 o número de audiências de custódia realizadas pelo NAC foi de 863 e 915 audiências, respectivamente. Das 863 audiências houve 437 conversões em prisão em preventiva (51%) e das 915 audiências houve 457 conversões em prisão em preventiva (50%). Já o estudo quantitativo de janeiro/2023 e abril/2023 o número de audiências de custódia realizadas pelo NAC foi de 1.311 e 1.476, respectivamente. Das 1.311 audiências houve 293 conversões em prisão em preventiva (27%) e das 1.476 audiências houve 322 conversões em prisão em preventiva (30%), ou seja, ao analisar os dados obtidos pelo NAC no site do TJDFT é fácil presumir que antes da implementação do Pacote Anticrime, havia um acréscimo de aproximadamente (20%) de decisões decretando a prisão preventiva, o que pode implicar nas teses acima de involuntariamente o juiz analisar o mérito do caso, além de, na época poder decretar de ofício a conversão da prisão em preventiva. Então, nota-se que, após a implementação do Pacote Anticrime, em que o juiz não pode mais decidir de ofício sobre a conversão, apenas mediante requerimento, houve a diminuição das prisões cautelares.

Por conseguinte, além da implementação do Pacote Anticrime e do NAC, em decisão do STJ, a reincidência por si só não fundamenta motivos para justificar a decretação de prisão cautelar, porém, há discussões entre juristas à cerca do assunto, pois de acordo com o artigo 312 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, sendo assim, por exemplo: uma pessoa presa por tráfico de drogas e sendo ela reincidente no crime, se enquadraria nesse quesito? Visto que esta apresenta risco para a sociedade e um “risco indiscutível à ordem pública”, por ser reincidente e ter passagem na polícia por ato infracional. Guilherme Silva Araújo, afirma que ‘’a ordem pública como sendo um termo aberto, formado por palavras abstratas e que não conseguem esclarecer o real significado a que se propõem’’ (Canal Ciências Criminais, 2022), ou seja, o próprio termo impõe a suposição da utilização de opinião pessoal de quem o utiliza, então um juiz, à cerca do assunto acima tratado, pode decretar a prisão preventiva com o fundamento de garantia a ordem pública a ‘’requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público’’ (CNJ, 2021), por pressupor a reiteração delitiva do autor. Já outro juízo pode deixar de decretá-la ou as instâncias superiores podem revogar a prisão preventiva, justamente por falta de fundamentos, ou seja, há incoerência nas decisões que decretam a prisão preventiva bem como na utilização do termo.

O entendimento do STJ é de que, pelo autor ser reincidente de um crime e a mera suposição de que este, permanecendo solto, traz riscos à ordem pública, mas não há indícios de violência ou grave ameaça, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do CPP, não é fundamento suficientemente válido para justificar a decretação da prisão preventiva, vejamos:

 

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. REINCIDÊNCIA DO PACIENTE QUE NÃO BASTA PARA AUTORIZAR A SUA SEGREGAÇÃO CAUTELAR. GRAVIDADE ABSTRATA. POUCA QUANTIDADE DE DROGA. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA E SUBSTITUIÇÃO POR CAUTELARES PESSOAIS ALTERNATIVAS. ORDEM CONCEDIDA, EM PARTE, PARA REVOGAR A PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE, RESSALVADA A APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS À PRISÃO, A CRITÉRIO DO JUÍZO LOCAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

  1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
  2. A privação antecipada da liberdade do cidadão acusado de crime reveste-se de caráter excepcional em nosso ordenamento jurídico, e a medida deve estar embasada em decisão judicial fundamentada (art. 93, inciso IX, da CF) que demonstre a existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312, do Código de Processo Penal.
  3. Embora o decreto mencione que o paciente é reincidente, dado indicativo de aparente reiteração, somente isso não é suficiente para justificar a prisão. A propósito, cumpre lembrar que “[…] a reincidência, por si só, não é fundamento válido para justificar a segregação cautelar.” (PExt no HC 270.158/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 3/2/2015, DJe 23/2/2015). 4.

(AgRg no HC 668.943/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe 10/08/2021).

 

Seguindo este mesmo raciocínio o fato de uma pessoa já estar cumprindo pena privativa de liberdade não é, por si só, motivo suficiente para a decretação da prisão preventiva. É necessário que existam elementos concretos que justifiquem a medida cautelar, com base nos requisitos legais dispostos no art. 315 do CPP, além de que a medida deve estar embasada em decisão judicial fundamentada, seguindo os pressupostos do art. 93, inc. IX, da CF.

Em conclusão, de acordo com a legislação vigente e atuais decisões, a manutenção da prisão preventiva para reincidentes, não sendo devidamente fundamentada, não são idôneos para decretar a medida, pois de acordo com o que foi pontuado pelo Ministro Reynaldo Soares da Fonseca “a prisão antes do trânsito em julgado, cabível excepcionalmente e apenas quando concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, deve vir sempre baseada em fundamentação concreta, não em meras conjecturas” (HC n. 695.954/MG, Relator Ministro Reynaldo Soares, Quinta Turma, julgado em 05/10/2021, DJe 13/10/2021). Ademais, em complementação, o mestre Aury Lopes diz que ”o pensamento liberal clássico buscou sempre justificar a prisão cautelar (e a violação de diversas garantias) a partir da “cruel necessidade” …” (Lopes. 2019). Assim, a implementação do Pacote Anticrime e do NAC foi de suma importância para o sistema prisional brasileiro, visto que antigamente a quantidade de presos preventivos apenas em teor da reincidência, aumentava muito o número de prisões, agravando a situação da superlotação nos presídios. No entanto, insta observar que, a consequência jurídica da manutenção da prisão cautelar é que, em alguns casos o preso em flagrante ou o apenado, sai sem a devida punição do Estado, visto que este estará em liberdade provisória, pois não há fundamentos legais para a decretação da prisão preventiva, o que pode gerar um risco a sociedade.

 

 

Referências

 

TJDFT. Núcleo de Audiência de Custódia do TJDFT completa cinco anos com mais de 57 mil audiências realizadas. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2020/outubro/nucleo-de-audiencia-de-custodia-do-tjdft-completa-cinco-anos-com-mais-de-57-mil-audiencias-realizadas>. Acesso em: 24 fev. 2024.

‌TJDFT. Núcleo de Audiências de Custódia. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/estatisticas/produtividade/produtividade-nucleo-de-audiencias-de-custodia>. Acesso em: 24 fev. 2024.

LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

GORETE, M.; FABIO LOPES TOLEDO; LUIZA, A. Mérito Sob Custódia: Os Limites da Menção aos Fatos da Prisão Durante as Audiências de Custódia. Revista de Direito Público, v. 18, n. 99, 2021.

BRASIL. Código de Processo Penal: Decreto lei nº 3689 de 1941. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 24 fev. 2024.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 24 fev. 2024.

BRASIL. Lei de Execução Penal, lei nº, 7.210 de 1984. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm>. Acesso em: 24 fev. 2024.

BRASIL. Pacote Anticrime: Lei nº 13.964 de 2019. Disponível em:

<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13964.htm>. Acesso em: 24 fev. 2024.

GEYSA.BIGONHA. CNJ. STJ decide que juiz não pode converter prisão em flagrante em preventiva sem pedido do Ministério Público. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/stj-decide-que-juiz-nao-pode-converter-prisao-em-flagrante-em-preventiva-sem-pedido-do-ministerio-publico/>. Acesso em: 24 fev. 2024.

CRIMINAL, R. S. Fato de réu ser reincidente no tráfico, por si só, não justifica decretação da prisão preventiva. Disponível em: <https://sintesecriminal.com/fato-de-reu-ser-reincidente-no-trafico-por-si-so-nao-justifica-decretacao-da-prisao-preventiva/>. Acesso em: 24 fev. 2024.

O conceito de ordem pública e sua utilização como instrumento… Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br/o-conceito-de-ordem-publica-e-sua-utilizacao-como-instrumento/>. Acesso em: 24 fev. 2024.

Faleiros: O prazo para a audiência de custódia no dia a dia. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-mar-31/faleiros-prazo-audiencia-custodia-dia-dia>. Acesso em: 24 fev. 2024.

 

 

Deixe um comentário

Your email address will not be published. Required fields are marked *

https://barretodolabella.com.br/wp-content/uploads/2021/01/logotipo.png

Filiais nas principais cidades do Brasil // Estamos onde nosso cliente está

Todos os direitos reservados

Leia nossa política de privacidade

Desenvolvido por Design C22