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ArtigosImplicações sobre o Marco Legal dos Jogos Eletrônicos – PL 2.796/2021

Os Jogos eletrônicos, uma forma de entretenimento que cresceu exponencialmente desde sua concepção, são uma manifestação contemporânea dos jogos, uma atividade com raízes profundas na história cultural da humanidade.

O historiador Johan Huizinga, em sua obra seminal “Homo Ludens”, define o jogo como uma atividade que ocorre dentro de um espaço e tempo delimitados, com regras claras e estruturas definidas, onde os participantes se engajam voluntariamente em busca de um objetivo comum: a diversão. Nas palavras do autor:

“Resumindo as características formais do jogo, poderíamos considerá-lo uma atividade livre, conscientemente tomada como “não-séria” e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras. Promove a formação de grupos sociais com tendência a rodearem-se de segredos e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros meios semelhantes” (HUINZINGA, p. 16, 2019 apud TONI, p. 21, 2023)

Essa definição, embora formulada antes da era dos jogos eletrônicos, ainda é amplamente relevante para compreendermos essa forma moderna de jogo. Ao entendermos sua essência como uma manifestação moderna do jogo nas suas formas físicas, podemos apreciar melhor o impacto e a importância dos jogos eletrônicos na sociedade atual.

Os jogos eletrônicos, portanto, são uma extensão desta noção fundamental de jogo, adaptando-se às tecnologias contemporâneas para oferecer experiências interativas que transcendem os limites da realidade física. Ao combinar elementos visuais, auditivos e até táteis, os jogos eletrônicos proporcionam aos jogadores a oportunidade de explorar mundos imaginários, refletir sobre desafios complexos e interagir com outras pessoas em um ambiente virtual.

Assim, os jogos eletrônicos são um fenômeno cultural que reflete e molda as tendências sociais, os avanços tecnológicos e as narrativas contemporâneas. Não obstante, os jogos eletrônicos fogem dos parâmetros apontados por Huinzinga quando considera-se que muito além de entretenimento e diversão, atualmente esses programas também podem abarcar outras funções e objetivos.

Além da mera diversão ou brincadeira, muitos jogos eletrônicos contemporâneos objetificam outras experiências, abordando aspectos emocionais profundos, explorando questões sociais e políticas, aprimorando a educação e até mesmo a terapia. Inclusive, muitos jogos são desenvolvidos para fins econômicos. Por exemplo, o jogo “That Dragon, Cancer”, que aborda temas sensíveis como a luta contra o câncer infantil, e títulos como “This War of Mine”, que explora as dificuldades e dilemas morais enfrentados durante conflitos armados.

Também, muitos outros jogos foram feitos para proporcionar experiências sensoriais e contemplativas. Até mesmo jogos de combate, luta, construção e corrida incentivam o aprimoramento da coordenação motora, atenção e desenvolvimento de reflexão estratégica e coesa.

Por outro lado, os jogos virtuais também são meios de ocorrência de crimes cibernéticos. O cyberbullying, por exemplo, ocorre com frequência em jogos online, principalmente entre jogadores que tem a possibilidade de esconder a verdadeira identidade utilizando nomes diversos e personagens fictícios. Além desse, há diversas ocorrências de ilegalidades através de jogos eletrônicos, como exemplo do “Jogo do Tigrinho”.

Nesse sentido, apesar dos benefícios apontados, os jogos virtuais são palco de diversas ocorrências que geram efeitos no mundo real também, como o vício, caracterizado pela perda de controle sobre o tempo gasto jogando, negligência de outras responsabilidades e persistência no jogo mesmo diante de consequências negativas; e a incidências de fraudes e crimes cibernéticos.

Outra vertente do tema são os denominados e-sports (esportes eletrônicos), uma modalidade competitiva de jogos digitais, que, inclusive, vêm trazendo muitas novidades para o meio empresarial e cultural brasileiro, com apresentação de times competidores, realização de campeonatos, que contam com grandes patrocinadores e torcedores.

Por fim, os jogos eletrônicos contemporâneos transcendem sua função inicial de entretenimento, explorando novas formas de expressão artística, comunicação e interação humana, e demonstrando o potencial transformador dessa mídia digital em diversos aspectos da vida moderna. Atualmente, são utilizados para diversas atividades, como capacitação, comunicação, propaganda, fins terapêuticos e até fins acadêmicos.

Considerando a modernidade do cenário apresentado, mesmo que estes operem nos meios virtuais, surgiu a necessidade de discutir se as legislações vigentes, referentes ao uso da Internet e similares, se aplicariam para regulamentar os jogos eletrônicos. Afinal, são escassos os enquadramentos legais desse modelo de programa.

Com isso, a Comissão de Educação do Senado Federal aprovou, no dia 27 de fevereiro deste ano, o projeto de lei n° 2.796/2021, que estabelece o Marco Legal dos Jogos Eletrônicos. O PL, que agora segue para o Plenário para ser apreciado, regula a fabricação, importação, comercialização e desenvolvimento dos jogos, assim como seu uso comercial.

Para a formulação do texto inicial, foram usados diversos dispositivos legais como parâmetros, a exemplo da Lei n° 9.609, que dispõe sobre a proteção e comercialização de obras providas da propriedade intelectual e de programas de computador; Lei n° 8.248, a “Lei da Informática”; e Lei n° 11.196, que institui a regulamentação tributária em plataformas de serviços de tecnologia da informação.

Primeiramente, o marco define jogos eletrônicos como:

§1º Considera-se jogo eletrônico:

I – o programa de computador que contenha elementos gráficos e audiovisuais, conforme definido na Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998, com fins lúdicos, em que o usuário controle a ação e interaja com a interface;

II – o dispositivo central e acessórios, para uso privado ou comercial, especialmente dedicados a executar jogos eletrônicos; e

III – o software para aplicativo de celular e/ou página de internet desenvolvido com o objetivo de entretenimento com jogos de fantasia.

 

Também, limita o alcance das possíveis normas, desconsiderando as máquinas de caça-níqueis e jogos de sorte assemelhados, assim como jogos de fantasia também não serão apreciados pela Lei.

A relatora, senadora Leila Barros (PDT-DF), afirmou que o marco objetifica, principalmente, impulsionar o crescimento e desenvolvimento da indústria referente, ao mesmo passo que visa a criação de empregos, combate à ilícitos e diminuição de incisões tributárias na produção. Nas palavras da senadora, “a instituição deste instrumento legal resultará em vantagens para todos os cidadãos, e para os governos em suas três esferas, aumentando a arrecadação e dando visibilidade e segurança jurídica para o setor de jogos eletrônicos”, de forma que possibilita também “corrigir desequilíbrios e promover o setor de games no Brasil”.

O projeto prevê regulações e estabelece diretrizes a serem seguidas nas diversas áreas afetadas pelos jogos virtuais. Objetificando aumentar a oferta de capital para investimentos no setor dos games, incentivar a inovação e as pesquisas científicas e tecnológicas, o texto prevê um incentivo especial para o desenvolvimento de jogos realizado por empresários individuais, cooperativas, sociedades simples e empresariais e MEIs, em especial àqueles que usam modelos negócio inovadores para geração de serviços e produtos.

O PL também apresenta os criadores de jogos no rol de beneficiários das seguintes leis de incentivo:

  1. Lei do Audiovisual (Lei 8.685, de 1993), incluindo um artigo que oferta 70% de abatimento do imposto de renda àqueles que investem no desenvolvimento de jogos brasileiros independentes, nos valores referentes à remessas ao exterior voltadas para exploração de conteúdos relevantes.
  2. Lei do Bem (Lei 11.196, de 2005), abarcando a criação de jogos como uma atividade de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação, incluindo os criadores no rol de beneficiários do Regime Especial de Tributação para a Plataforma de Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação.
  3. Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador (Lei Complementar 182, de 2021), para que os criadores tenham suporte de recursos, viabilizando o investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
  4. Lei Rouanet (Lei 8.313, de 1991), reconhecendo os jogos eletrônicos como segmento cultural, a fim de estimular a produção de jogos brasileiros independentes.

Além disso, diversos outros fatores envolvem o Projeto de Lei apresentado. Por apresentar certas competências estatais na atividade regulatória dos jogos, como classificação indicativa, a efetiva aplicação da lei pode ser dificultada, em razão da desarmonia entre as exigências legais e a efetiva fiscalização do seguimento das mesmas, fator que é um problema em todos os ramos do direito no Brasil. Além disso, outras preocupações como o desenvolvimento de distúrbios mentais decorrentes do vício em jogos online e a disseminação da violência nos ambientes virtuais são pautas de discussão nas considerações de aprovação do texto.

De todo modo, a opinião popular apoia a aprovação do projeto. Por conter uma de aspectos econômicos, políticos e sociais envolvidos nas entrelinhas dos artigos e na própria finalidade do Marco Civil dos Jogos Eletrônicos, conhecer e discutir sobre as nuances que envolvem o direito digital e a propriedade intelectual, nesta área específica, se torna essencial.

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n° 2.796 de 2021. Cria o marco legal para a indústria de jogos eletrônicos e para os jogos de fantasia. Brasília: Senado Federal, 2024. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/154931. Acesso em: 06 mar. 2024.

RIGHTS, CULTURAL. Video games e direitos culturais. Anais do X Encontro Internacional De Direitos Culturais–EIDC. Disponível em:https://direitosculturais.com.br/wp-content/uploads/2022/02/Anais-X-EIDC.pdf#page=153. Acesso em: 05 mar. 2024.

AGÊNCIA SENADO. Comissão de Educação aprova marco legal para os jogos eletrônicos. SenadoNoticias, 27 fev. 2024. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/02/27/comissao-de-educacao-aprova-marco-legal-para-os-jogos-eletronicos#:~:text=O%20PL%202.796%2F2021%20considera,o%20desenvolvimento%20e%20a%20explora%C3%A7%C3%A3o.4. Acesso em: 06 mar. 2024.

TONI, Rafael Gonçalves De. Política e diversão: a relação entre comunicação política, mídias sociais e videogames no Brasil. 2023. 57 f., il. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Ciência Política) — Universidade de Brasília, Brasília, 2023. Disponível em: https://bdm.unb.br/handle/10483/36885. Acesso em: 05 mar. 2024.

 

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