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ArtigosDesconsideração da personalidade jurídica nos casos de encerramento irregular das atividades da empresa (Tema Repetitivo nº 1.210 do Superior Tribunal de Justiça – STJ)

01/04/2024by admin0

Por Matheus Melo e João Novaes

 

A desconsideração da personalidade jurídica decorre de incidente processual que busca levantar o “véu” ou escudo da pessoa jurídica a fim de alcançar a pessoa natural (sócios) protegida pela limitação da responsabilidade empresarial.

Os limites da responsabilidade da personalidade jurídica podem ser superados em uma discussão judicial, precisamente pelo chamado “incidente da desconsideração da personalidade jurídica”, que é tratado nos arts. 133 a 137 do Código de Processo Civil (Lei Federal nº 13.105/2015) e observa os pressupostos previstos em lei, nos termos do §3° de seu art. 133. O chamado “abuso de personalidade” está previsto no art. 50 do Código Civil (Lei Federal nº 10.406/2002). Para sua aplicação, há duas teorias: a Teoria Maior (referente ao texto do Código Civil); e a Teoria Menor, bastante difundida no âmbito da Lei de Crimes Ambientais (art. 4º, da Lei Federal n° 9.605/1998) e do Código de Defesa do Consumidor (art. 28, da Lei Federal nº 8.078/1990). Confira:

 

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

 

Das linhas acima transcritas se depreende a explícita distinção entre a Teoria Maior e a Teoria Menor, qual seja: a primeira exige a presença do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial, cujas especificações são apresentadas adiante; enquanto a segunda, em face da expressiva amplitude dos requisitos, o mero prejuízo causado pela pessoa jurídica ao meio ambiente ou especificamente ao seu consumidor (TARTUCE, 2023, p. 190).

Ante a breve introdução do tema, convém expor que, em 29 de agosto de 2023, a Segunda Seção Superior Tribunal de Justiça – STJ deu início à análise do Tema Repetitivo nº 1.210, cuja questão submetida a julgamento é “o cabimento ou não de desconsideração da personalidade jurídica no caso de mera inexistência de bens penhoráveis e/ou eventual encerramento irregular das atividades da empresa”.

Ao analisar a Proposta de Afetação no Recurso Especial nº 1.873.187/SP, leading case do aludido Tema, o Ministro Raul Araújo entendeu que a questão discutida é recorrente na Corte Cidadã e ainda não recebeu solução uniformizadora, concentrada e vinculante, sob o rito especial dos recursos repetitivos, cuja pacificação contribuirá para oferecer maior segurança e transparência na solução a ser adotada pelas instâncias originárias e, até mesmo, pelos órgãos fracionários do STJ.

Contudo, ao exemplificar os mais recentes julgados da Segunda Seção que tratam da tese afetada para julgamento, salta aos olhos o entendimento dominante de que “A mera inexistência de bens penhoráveis ou eventual encerramento irregular das atividades da empresa não enseja a desconsideração da personalidade jurídica (AgInt no AREsp n. 940.420/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 26/6/2023, DJe de 30/6/2023)”.

Sobre o cabimento de desconsideração da personalidade jurídica no caso de encerramento irregular das atividades da empresa, isto é, dissolução irregular, o Conselho de Justiça Federal – CJF aprovou, há muito tempo, o Enunciado nº 292, da IV Jornada de Direito Civil, no sentido de que: “O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica“.

Sendo assim, apesar do Tema nº 1.210 ainda estar meramente afetado, sem data provável de julgamento, pode-se dizer que a tese a ser firmada aparentemente já está estabelecida.

Afinal de contas, considerados o entendimento dominante do STJ e o posicionamento pretérito do CJF, o levantamento do véu da pessoa jurídica deve ser restrito, seguindo categoricamente as previsões legais a fim de se preservar o relevante instituto jurídico que representa. Isso porque “a pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores”, nos moldes do art. 49-A do Código Civil.

Os pressupostos previstos em lei visam a impedir a ofensa ao “instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos”, nos termos do parágrafo único do art. 49-A do Código Civil. O escudo da pessoa jurídica deve ser mantido para trazer segurança àqueles que a utilizam, atendendo ao fundamento e objetivo da República Federativa do Brasil, quais sejam: “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” e “garantir o desenvolvimento nacional”, respectivamente prescritos no inc. IV, do artigo 1°, e no inc. II, do art. 3°, da Constituição Federal.

Conforme se depreende das ementas dominantes e do enunciado da IV Jornada de Direito Civil, a mera alegação de inexistência de bens penhoráveis ou dissolução irregular das atividades da empresa não deve autorizar o incidente que já acolhe outros elementos como o “cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa” ou “transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante”, respectivamente, incs. I e II, do §2°, do art. 50 do Código Civil.

Ora, já está estabelecido que a autonomia patrimonial da empresa não deveria ser violada em virtude de mero encerramento irregular das suas atividades. Até mesmo porque ela possui função social de extrema relevância, a partir da sua fonte produtora, atividade econômica e manutenção de empregos, conforme preceitua o princípio da preservação da empresa prescrito no art. 47 da Lei Federal n° 11.101/2005 (Lei de Falências e Recuperações Judiciais – LFRJ), justificando a menção feita aos dispositivos constitucionais.

Em que pese o entendimento majoritário da Corte Cidadã e o Enunciado nº 292 do CJF, a tese a ser firmada no Tema nº 1.210 exige uma discussão aprofundada, especialmente a partir da inteligência firmada pelo próprio STJ em se tratando de execuções fiscais combinada com a compreensão da profunda ilegalidade por detrás da dissolução irregular.

O encerramento irregular, ou melhor, a dissolução irregular, como pressuposto de ilegalidade justificadora de redirecionamento em execuções fiscais foi firmado, primeiramente para débitos de natureza tributária, a partir do enunciado da Súmula nº 435 do STJ, na qual: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”. As execuções fiscais de débitos de natureza não tributária, por sua vez, possuem respaldado no Tema Repetitivo nº 630, no ramo de direito tributário, do STJ, no qual a inteligência expressa no escopo do leading case, Recurso Especial nº 1.371.128/RS, de relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, ressoa àquela alicerçada na construção do referido enunciado sumular.

Acolhe-se como representante da Súmula nº 435/STJ os Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 716.412/PR, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, julgado em 12/09/2007. Nesse sentido, primeiramente, insta analisar o dispositivo do Código Tributário Nacional – CTN (Lei Federal nº 5.172/1966) que fundamenta o enunciado:

 

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de podêres ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I – as pessoas referidas no artigo anterior;

II – os mandatários, prepostos e empregados;

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

 

Agora, confira como o referido julgado se encontra ementado:

 

TRIBUTÁRIO. NÃO-LOCALIZAÇÃO DA EMPRESA. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. RESPONSABILIDADE DO GESTOR. ART. 135, III, DO CTN. 1. Hipótese em que o Tribunal a quo decidiu pela responsabilidade dos sócios-gerentes, reconhecendo existirem indícios concretos de dissolução irregular da sociedade por “impossibilidade de se localizar a sede da empresa, estabelecimento encontrado fechado e desativado, etc.”. 2. Dissídio entre o acórdão embargado (segundo o qual a não-localização do estabelecimento nos endereços constantes dos registros empresarial e fiscal não permite a responsabilidade tributária do gestor por dissolução irregular da sociedade) e precedentes da Segunda Turma (que decidiu pela responsabilidade em idêntica situação). 3. O sócio-gerente que deixa de manter atualizados os registros empresariais e comerciais, em especial quanto à localização da empresa e à sua dissolução, viola a lei (arts. 1.150 e 1.151, do CC, e arts. 1º, 2º, e 32, da Lei 8.934/1994, entre outros). A não-localização da empresa, em tais hipóteses, gera legítima presunção iuris tantum de dissolução irregular e, portanto, responsabilidade do gestor, nos termos do art. 135, III, do CTN, ressalvado o direito de contradita em Embargos à Execução. 4. Embargos de Divergência providos. (EREsp n. 716.412/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 12/9/2007, DJe de 22/9/2008.)

 

Percebe-se que a “infração de lei” indicada no art. 135, acima, se encontra nas disposições normativas do Código Civil e da Lei dos Registros Mercantis (Lei Federal nº 8.934/94) e serve como caminho à responsabilização dos sócios, viabilizando o redirecionamento da execução fiscal. Isso porque segundo o raciocínio jurídico empregado no voto do Ministro: “Parece indiscutível que a dissolução irregular da empresa se dá exatamente nas hipóteses em que o gerente deixa de cumprir as formalidades legais exigidas para o caso de extinção do empreendimento, em especial aquelas atinentes ao registro empresarial”.

Sobre o Tema Repetitivo nº 630, específico para execuções fiscais baseadas em dívidas ativas de débitos não tributários, mais uma vez, antes de se debruçar no julgado, cumpre examinar os dispositivos do Decreto nº 3.708/1919 e da Lei das Sociedades Anônimas (Lei Federal nº 6.404/78), os quais foram acolhidos como suporte, respectivamente:

 

Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:

I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;

II – com violação da lei ou do estatuto.

Art. 10.  Os socios gerentes ou que derem o nome á firma não respondem pessoalmente pelas obrigações contrahidas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidaria e illimitadamente pelo excesso de mandato e pelos actos praticados com violação do contracto ou da lei.

 

Agora, veja os seguintes trechos da ementa do leading case, Recurso Especial nº 1.371.128/RS, de relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques:

 

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. REDIRECIONAMENTO DE EXECUÇÃO FISCAL DE DÍVIDA ATIVA NÃO-TRIBUTÁRIA EM VIRTUDE DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR DE PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE. ART. 10, DO DECRETO N. 3.078/19 E ART. 158, DA LEI N. 6.404/78 – LSA C/C ART. 4º, V, DA LEI N. 6.830/80 – LEF. […] 2. Consoante a Súmula n. 435/STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”. 3. É obrigação dos gestores das empresas manter atualizados os respectivos cadastros, incluindo os atos relativos à mudança de endereço dos estabelecimentos e, especialmente, referentes à dissolução da sociedade. A regularidade desses registros é exigida para que se demonstre que a sociedade dissolveu-se de forma regular, em obediência aos ritos e formalidades previstas nos arts. 1.033 à 1.038 e arts. 1.102 a 1.112, todos do Código Civil de 2002 – onde é prevista a liquidação da sociedade com o pagamento dos credores em sua ordem de preferência – ou na forma da Lei n. 11.101/2005, no caso de falência. A desobediência a tais ritos caracteriza infração à lei. 4. Não há como compreender que o mesmo fato jurídico “dissolução irregular” seja considerado ilícito suficiente ao redirecionamento da execução fiscal de débito tributário e não o seja para a execução fiscal de débito não-tributário. “Ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio”. O suporte dado pelo art. 135, III, do CTN, no âmbito tributário é dado pelo art. 10, do Decreto n. 3.078/19 e art. 158, da Lei n. 6.404/78 – LSA no âmbito não-tributário, não havendo, em nenhum dos casos, a exigência de dolo. […] 6. Caso em que, conforme o certificado pelo oficial de justiça, a pessoa jurídica executada está desativada desde 2004, não restando bens a serem penhorados. Ou seja, além do encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, não houve a reserva de bens suficientes para o pagamento dos credores. […] (REsp n. 1.371.128/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 10/9/2014, DJe de 17/9/2014.)

 

Os artigos lesados pela dissolução irregular novamente se encontram na Lei dos Registros Mercantis (Lei Federal nº 8.934/94), pois os sócios praticam atos ilícitos ao deixarem de dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos da sociedade empresária, manter atualizadas as informações pertinentes nos cadastros da empresa e, muitas das vezes conforme será apresentado, ignoram o arquivamento de documentos relativos à sua dissolução, nos moldes dos incs. I e II, do seu art. 1º, e do inc. II, alínea “a”, do seu art. 32.

Antes de se debruçar nos julgados acima, seria possível dizer que a “violação da lei” indica lesão a alguma disposição específica para legitimar o redirecionamento da execução fiscal. Contudo, reforça-se: a lesão à lei resulta da inobservância do rito prescrito pelo Código Civil para dissolver uma sociedade, isto é, a partir do ultimato aos negócios da empresa, levantamento e apuração do ativo e o posterior pagamento do passivo, abrangendo tanto o Poder Público e suas entidades como os credores em geral, a exemplo daqueles oriundos da atividade desenvolvida, para, enfim, promover a partilha do saldo remanescente, inc. IV, do art. 1.103, do Código Civil.

Além dos dispositivos contidos nas Leis Federais já mencionadas, remetendo ao dever do liquidante previsto no inc. VII, do art. 1.103, do Código Civil, o Ministro Mauro Campbell Marques ressalta o processo de falência previsto na LFRJ, na qual o legislador apresenta mais de 200 artigos para assegurar o encerramento regular das atividades empresariais, tamanha é a importância de preservar não apenas a fonte produtora e a atividade econômica, mas o interesse dos credores.

De acordo com o art. 48 da Lei de Falência e Recuperação Judicial, a sociedades empresária “que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos” requisitos, cumulativamente, previstos em seus incisos, a exemplo de não ser falido e não ter, há menos de cinco anos, obtido concessão de recuperação judicial, respectivamente incs. I e II, dentre outros, poderá requerer recuperação judicial. O supramencionado art. 47 da Lei Federal nº 11.101/2005 esclarece o objetivo do feito recuperacional:

 

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

 

Por outro lado, caso a empresa sequer consiga buscar se recuperar da crise econômico-financeira, veja-se o art. 105 da LFRJ: “O devedor em crise econômico-financeira que julgue não atender aos requisitos para pleitear sua recuperação judicial deverá requerer ao juízo sua falência, expondo as razões da impossibilidade de prosseguimento da atividade empresarial”.

A falência constitui um “mecanismo de preservação de benefícios econômicos e sociais decorrentes da atividade empresarial, por meio da liquidação imediata do devedor e da rápida realocação útil de ativos na economia”, vide art. 75, §2º, da LFRJ. Sobre os seus objetivos, o processo falimentar visa “preservar e a otimizar a utilização produtiva dos bens, dos ativos e dos recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa”, “permitir a liquidação célere das empresas inviáveis, com vistas à realocação eficiente de recursos na economia” e “fomentar o empreendedorismo, inclusive por meio da viabilização do retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica”, vide incisos I, II e III, do referido art. 75.

O entendimento jurisprudencial que ampara o redirecionamento de execuções fiscais de débitos de natureza tributária e não tributária impede que o Poder Público e suas entidades sejam lesados pelo encerramento irregular da empresa. Nesses casos, apenas pelo fato de a empresa deixar de funcionar em seu domicílio fiscal já autoriza o redirecionamento, presumindo a sua dissolução irregular. Mas como ficam os particulares igualmente lesados pela desobediência aos ritos e formalidades previstas no Código Civil para dissolver a sociedade empresária?

A dissolução irregular costumeiramente pode ser constatada por meio da situação cadastral da pessoa jurídica perante a Receita Federal. Nesse sentido, o art. 81 da Lei Federal nº 9.430/1996 discorre sobre as diversas hipóteses nas quais será declarada inapta a inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ. Confira apenas algumas:

 

Art. 81. Omissis.

I – deixar de apresentar obrigações acessórias, por, no mínimo, 90 (noventa) dias a contar da omissão;

III – for inexistente de fato, assim considerada a entidade que:

a) não dispuser de patrimônio ou de capacidade operacional necessários à realização de seu objeto, inclusive a que não comprovar o capital social integralizado;

b) não for localizada no endereço informado no CNPJ;

 

Retornando ao Tema Repetitivo n° 1.210, do STJ, basta consultar no sítio eletrônico da Receita Federal[1] o número de inscrição no CNPJ da empresa desconsiderada no processo de origem do leading case para concluir que o recurso paradigma indica exatamente uma empresa que se encontra com sua inscrição inapta por omissão de declarações desde 23/10/2018. Aliás, a matéria submetida a julgamento no STJ está ancorada em um dado estimativo indicado recentemente pelo Fisco Federal. Conforme notícia publicada[2]: “Estima-se que até 1,8 milhão inscrições no CNPJ sejam declaradas inaptas até o final de 2023”.

Os efeitos da inaptidão são categoricamente disciplinados no art. 49 na Instrução Normativa  2.119/2022 da Receita Federal, no qual é advertido que a pessoa jurídica cuja inscrição tenha sido declarada inapta é incluída no Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal – CADIN e também fica impedida de transacionar com estabelecimentos bancários, inclusive quanto à movimentação de contas correntes, à realização de aplicações financeiras e à obtenção de empréstimos, respectivamente, incs. I e II, “e”, do referido dispositivo.

Não é plausível, portanto, que uma empresa impedida de se relacionar com instituições financeiras, de modo que não consiga transacionar, movimentar suas contas correntes, obter empréstimos e realizar aplicações financeiras, continue em pleno funcionamento. Por isso, presume-se que a inexistência de bens penhoráveis decorre, muitas das vezes, da prévia dissolução irregular da sociedade empresária somada ao rápido e ilícito esvaziamento patrimonial.

O STJ está atento para essa conexão natural entre a inexistência de bens (im)penhoráveis e a dissolução irregular da pessoa jurídica, já autorizada em execuções fiscais?

O que ocorre em uma parcela dos recursos semelhantes representados pelo caso paradigma é o encerramento irregular, seguido de célere esvaziamento patrimonial e, por consequência, incorrendo em ao menos uma das hipóteses prescritas no art. 81 da Lei Federal nº 9.430/1996, dentre elas: a omissão de declarações. Por meio da prática desses referidos atos, ignora-se por completo o cuidado da legislação pátria e sequer o liquidante é investido, lesando fatalmente o art. 1.036 do Código Civil e todos aqueles resultantes de sua inobservância. Confira alguns:

 

Art. 1.102. Dissolvida a sociedade e nomeado o liquidante na forma do disposto neste Livro, procede-se à sua liquidação, de conformidade com os preceitos deste Capítulo, ressalvado o disposto no ato constitutivo ou no instrumento da dissolução.

Parágrafo único. O liquidante, que não seja administrador da sociedade, investir-se-á nas funções, averbada a sua nomeação no registro próprio.

Art. 1.103. Constituem deveres do liquidante: […]

II – arrecadar os bens, livros e documentos da sociedade, onde quer que estejam;

III – proceder, nos quinze dias seguintes ao da sua investidura e com a assistência, sempre que possível, dos administradores, à elaboração do inventário e do balanço geral do ativo e do passivo;

IV – ultimar os negócios da sociedade, realizar o ativo, pagar o passivo e partilhar o remanescente entre os sócios ou acionistas;

V – exigir dos quotistas, quando insuficiente o ativo à solução do passivo, a integralização de suas quotas e, se for o caso, as quantias necessárias, nos limites da responsabilidade de cada um e proporcionalmente à respectiva participação nas perdas, repartindo-se, entre os sócios solventes e na mesma proporção, o devido pelo insolvente; […]

VII – confessar a falência da sociedade e pedir concordata, de acordo com as formalidades prescritas para o tipo de sociedade liquidanda; […]

IX – averbar a ata da reunião ou da assembléia, ou o instrumento firmado pelos sócios, que considerar encerrada a liquidação.

Parágrafo único. Em todos os atos, documentos ou publicações, o liquidante empregará a firma ou denominação social sempre seguida da cláusula “em liquidação” e de sua assinatura individual, com a declaração de sua qualidade.

Art. 1.105. Compete ao liquidante representar a sociedade e praticar todos os atos necessários à sua liquidação, inclusive alienar bens móveis ou imóveis, transigir, receber e dar quitação.

Art. 1.106. Respeitados os direitos dos credores preferenciais, pagará o liquidante as dívidas sociais proporcionalmente, sem distinção entre vencidas e vincendas, mas, em relação a estas, com desconto.

Parágrafo único. Se o ativo for superior ao passivo, pode o liquidante, sob sua responsabilidade pessoal, pagar integralmente as dívidas vencidas.

Art. 1.107. Os sócios podem resolver, por maioria de votos, antes de ultimada a liquidação, mas depois de pagos os credores, que o liquidante faça rateios por antecipação da partilha, à medida em que se apurem os haveres sociais.

Art. 1.108. Pago o passivo e partilhado o remanescente, convocará o liquidante assembléia dos sócios para a prestação final de contas.

Art. 1.109. Aprovadas as contas, encerra-se a liquidação, e a sociedade se extingue, ao ser averbada no registro próprio a ata da assembléia.

Parágrafo único. O dissidente tem o prazo de trinta dias, a contar da publicação da ata, devidamente averbada, para promover a ação que couber.

Art. 1.110. Encerrada a liquidação, o credor não satisfeito só terá direito a exigir dos sócios, individualmente, o pagamento do seu crédito, até o limite da soma por eles recebida em partilha, e a propor contra o liquidante ação de perdas e danos.

 

O último dispositivo normativo remete prontamente ao entendimento consolidado do STJ acerca da equiparação da morte da pessoa natural à extinção da pessoa jurídica, viabilizando, desse modo, a sucessão processual dos sócios, nos termos do art. 110 do Código de Processo Civil. Nesse sentido: REsp n. 2.082.254/GO, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 15/9/2023, dentre outros precedentes.

Importa apontar a diferença entre a sucessão processual e o incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, pois a primeira atinge o sócio até o limite da soma por ele recebida em partilha, isto é, por meio da dissolução regular apresentada acima; enquanto a segunda possibilita levantar o véu da sociedade empresária a fim de satisfazer os débitos frutos da atividade da ficção jurídica através do patrimônio do sócio abusador, ilimitadamente.

Nesse parecer, cumpre mencionar que a Corte Cidadã possui precedentes no sentido de que, embora protocolado o distrato social da empresa na Junta Comercial, a sociedade empresária não será considerada regularmente encerrada até que sejam cumpridas as demais etapas do rito previsto no Código Civil. Caso não cumpridas todas as suas obrigações para a extinção (notadamente o distrato E a liquidação), presume-se a sua dissolução irregular. Veja:

 

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC/1973 NÃO CONFIGURADA. EXECUÇÃO FISCAL. DISTRATO SOCIAL. ARTS. 1.102 E SEGUINTES DO CÓDIGO CIVIL. PRESUNÇÃO DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA. ARTS. 134 E 135 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. 1. O Tribunal de origem indeferiu o redirecionamento da Execução Fiscal, sob o argumento de que a existência de distrato social arquivado na Junta Comercial implica extinção regular da empresa. 2. A sociedade empresária surge, opera e termina nos exatos termos estipulados pelo Código Civil e outras normas de regência. Se a pessoa jurídica pode funcionar em sua plenitude somente quando observadas, obrigatoriamente, todas as prescrições legais para seu nascimento, caracterizaria contrassenso entender como facultativas prescrições simetricamente estatuídas para a extinção (art. 1.109), que inclui, em fases e ritos separados, a dissolução e a liquidação. 3. Consoante os arts. 1.102 e seguintes do Código Civil, a dissolução, por meio de distrato social, é apenas uma das fases (= a primeira) do procedimento de extinção da sociedade empresarial. Em seguida, passa-se à liquidação, ou seja, à realização do ativo e pagamento do passivo (e eventual partilha de bens remanescentes), para, então, decretar-se o fim da personalidade jurídica. Assim, o mero protocolo do distrato perante a Junta Comercial não basta para afastar, no âmbito tributário ou não, a presunção de dissolução irregular e as consequências daí derivadas. Precedentes da Primeira e da Segunda Turma do STJ. 4. Recurso Especial parcialmente provido. (REsp n. 1.750.420/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 10/12/2019, DJe de 14/12/2020.)

 

Em que pese as pessoas jurídicas que se dissolvem irregularmente não realizarem o procedimento da liquidação e, até mesmo, o mero protocolo de distrato social na Junta Comercial, retornando ao texto da Lei Federal nº 9.430/1996, o seu art. 81-A adverte: “As inscrições no CNPJ serão declaradas baixadas após 180 (cento e oitenta) dias contados da declaração de inaptidão”. Logo, as pessoas jurídicas inaptas, nos moldes já apresentados, serão consideradas baixadas, ou melhor, dissolvidas de forma irregular, após o transcurso do prazo legal, sem mesmo ter seguido o procedimento previsto para efetivamente encerrar suas atividades e viabilizar a sucessão por equiparação à morte da pessoa natural, nos moldes do art. 110 do CPC.

Assim como o enunciado da Súmula nº 435 do STJ presume irregularmente dissolvida a empresa que subitamente desaparece sem comunicação aos órgãos competentes, pode-se presumir a “morte”, isto é, a extinção da pessoa jurídica, conforme os arts. 6º, 7º e 9º, inc. IV, dentre outros, do Código Civil preveem ser possível presumir a morte para as pessoas naturais, a partir da inteligência dos arts. 22 a 39 ou do próprio art. 7º, todos do Código Civil.

Sendo assim, existe a possibilidade de se aprofundar na construção jurisprudencial que guarnece a equiparação da extinção da pessoa jurídica à morte da pessoa natural, a fim de abraçar a complexa análise que seria a presunção da “morte” da personalidade jurídica.

Retornando ao foco do estudo, conforme pormenorizado anteriormente, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica enfrenta princípios, fundamentos e objetivos elementares do ordenamento jurídico brasileiro. A conclusão a ser adotada pela Segunda Seção STJ no âmbito do Tema Repetitivo nº 1.210 deve considerar não apenas a ficção jurídica passível de ser desconsiderada, mas também a complexidade dos atos ilícitos praticados em situações de encerramento irregular, o qual, nos moldes acima, resulta na inexistência de bens penhoráveis.

A dissolução regular da sociedade empresária, brevemente mencionada a partir dos dispositivos do Código Civil sobre o papel do liquidante, pode ser entendida de melhor maneira ao se debruçar na doutrina brasileira. Segundo lição do professor Fábio Ulhoa Coelho:

 

[…] Durante a liquidação, a sociedade empresária sofre restrição em sua personalidade jurídica, estando autorizada apenas à prática dos atos tendentes à solução de suas pendências obrigacionais. Nesse período, o órgão responsável pela manifestação da vontade da pessoa jurídica não será mais o administrador, e sim o liquidante. Outrossim, deverá aditar ao seu nome empresarial a expressão “em liquidação” (CC, art. 1.103 e parágrafo único).

Realizado o ativo e pago o passivo, o patrimônio líquido remanescente será partilhado entre os sócios, proporcionalmente à participação de cada um no capital social, se outra razão não houver sido acordada, seja no contrato-social, seja em ato posterior. Concluída a partilha, encerra-se o processo de extinção da sociedade empresária, com a perda de sua personalidade jurídica.

Fran Martins defende que ainda há uma derradeira fase no processo extintivo, consistente no decurso do prazo prescricional das obrigações da sociedade dissolvida. Entende a maioria da doutrina, contudo, que essa lição não seria de todo acertada. Se a liquidação não foi completa e regular a ponto de restar pendente uma ou mais obrigações, isto não é ato imputável à sociedade, mas aos sócios e ao liquidante, que responderão, pessoalmente, pelos atos da liquidação irregularmente feita. […] (COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: direito de empresa. 23ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011. págs. 208 e 209).

 

No cenário delineado pelo REsp nº 1.873.187/SP, representante dos recursos recorrentes submetidos ao julgamento do caso com viés uniformizador, concentrado e vinculante, a priori, as pessoas jurídicas, por se dissolverem irregularmente, desrespeitam todos os ritos e procedimentos posteriores à dissolução da sociedade. Não há que se falar em apuração e levantamento do ativo para fins de satisfação do passivo. Pelo contrário, os terceiros que confiaram na correta utilização da personalidade jurídica, de modo lícito, assistem ao encerramento irregular e, consequentemente, à inexistência de bens penhoráveis, sem ao menos entender o que aconteceu em face da violação da publicidade e da segurança oriunda da ausência de arquivamento dos documentos relativos à dissolução e extinção, nos moldes da Lei dos Registros Mercantis combinados aos do Código Civil.

Por isso, logo após apresentar o procedimento de liquidação, o jurista Fábio Ulhoa Coelho enfrenta o caso da dissolução de fato, ou melhor, nos moldes propostos por este estudo, da dissolução irregular da sociedade empresária, nas seguintes palavras:

 

[…] É, lamentavelmente, mais comum do que seria de se desejar a dissolução de fato da sociedade empresária. Os sócios, em vez de observarem o procedimento extintivo previsto em lei, limitam-se a vender precipitadamente o acervo, a encerrar as atividades e se dispersarem. Comportamento de todo irregular, que o meio empresarial conhece, amargamente, por “golpe na praça”. Tal comportamento é causa de decretação da falência da sociedade (LF, art. 94, III, f). Mas, além disso, os sócios respondem pelos prejuízos decorrentes deste comportamento irregular. Com efeito, o procedimento extintivo da sociedade empresária é prescrito pelo direito no resguardo dos interesses não apenas dos sócios, como também dos credores da sociedade. Se aqueles deixam de observar as normas disciplinadoras do procedimento extintivo, responderão pela liquidação irregular, de forma pessoal e, consequentemente, ilimitada. Não há dispositivo específico que preveja esta hipótese, mas basta a invocação da teoria clássica da responsabilidade civil por danos decorrentes de atos ilícitos, para se concluir pela possibilidade de responsabilização dos sócios da sociedade dissolvida de fato pelas obrigações pendentes, sem que tenha aplicação qualquer regra de limitação desta responsabilidade, visto que se trata de ilícito perpetrado pessoalmente por eles, sócios. […] (COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: direito de empresa. 23ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011. pág. 210).

 

A dissolução irregular, portanto, constitui explícita infração ou violação de lei, tendo sido caracterizada pelo renomado jurista como prática de atos ilícitos, passível de ser responsabilizada de forma pessoal e ilimitada. O chamado “golpe na praça” subverte a ficção jurídica da sociedade com responsabilidade limitada, juntamente com a sua autonomia patrimonial. Até mesmo porque não há como compreender um “instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos”, nos termos do Parágrafo Único, do art. 49-A, do Código Civil, sendo utilizado para se esquivar de obrigações com o intuito de, ao lesar os credores qualificados para terem seus créditos satisfeitos após o levantamento do ativo, partilhar o patrimônio da sociedade empresária a torto e a direito, lesando terceiros.

No início da análise foram apresentados os pressupostos previstos em lei justificadores à instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, especialmente o art. 50 do Código Civil, cujo abuso de direito é caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. De acordo com os §§ 1º e 2º, do referido dispositivo normativo, “desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza“, enquanto “entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por“, conforme inc. II e III do §2º, respectivamente, “transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações” ou “outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial“. Ora, não seria a inobservância das disposições normativas referentes ao encerramento das atividades da sociedade uma prática de atos ilícitos?

De acordo com o Código Civil (Lei Federal nº 10.406/2002):

 

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

 

Segundo lição da professora Maria Helena Diniz:

 

[…] São elementos indispensáveis à configuração do ato ilícito:

1º) Fato lesivo voluntário, ou imputável, causado pelo agente por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência (CC, art. 186, 1ª parte).

Para a caracterização do ato ilícito, é necessário que haja uma ação ou omissão voluntária, que viole um direito subjetivo individual, causando dano a outrem, ainda que exclusivamente moral (CC, art. 186, 2ª parte). É preciso, portanto, que o infrator tenha conhecimento da ilicitude de seu ato, agindo com dolo, se intencionalmente procura lesar outrem, ou culpa, se, consciente dos prejuízos que advêm de seu ato, assume o risco de provocar o evento danoso. […]

2º) Ocorrência de um dano. Para que haja pagamento da indenização pleiteada, além da prova da culpa ou do dolo do agente, é necessário comprovar a ocorrência de um dano patrimonial ou moral (RT, 436:97, 433:88, 368:181, 458:20, 434:101)759, fundado não na índole dos direitos subjetivos afetados, mas nos efeitos da lesão jurídica. […]

3º) Nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente. A responsabilidade civil não pode existir sem a relação de causalidade entre o dano e a conduta ilícita do agente (RT, 224:155; 466:68; 477:247 e 463:244). […] (DINIZ, Maria H. Curso De Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. v.1. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. Págs.: 211, 212 e 213).

 

Todos esses elementos estão presentes no leading case do Tema Repetitivo n° 1.210, do STJ. Afinal, considerada a ciência dos atos necessários à constituição da sociedade, os sócios da empresa irregularmente dissolvida também conhecem aqueles previstos para dissolver a pessoa jurídica constituída. O dano decorre justamente da manutenção do passivo que seria satisfeito por meio da liquidação da sociedade empresária, cuja perspectiva de adimplemento se encontra em maus lençóis. Por fim, o nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente resulta da inobservância das disposições normativas referentes ao encerramento das atividades da sociedade.

Por outro lado, em face da ausência de liquidação, isto é, do levantamento do ativo, pagamento do passivo e, enfim, partilha do saldo remanescente, ao aplicar o chamado “golpe da praça”, os sócios da empresa irregularmente dissolvida estão absorvendo para si mesmos o montante que pertence à pessoa jurídica. A inteligência do STJ no sentido de que apenas será decretado o fim da personalidade jurídica após, cumulativamente, o distrato social e a liquidação da sociedade, presume a explícita confusão patrimonial. Até mesmo porque ao esvaziar o patrimônio da empresa, sem efetivas contraprestações e absorvendo o ativo, deixa de existir separação de fato entre os patrimônios da pessoa jurídica e da pessoa natural.

Caso entenda não ser cabível a desconsideração da personalidade jurídica em face aos acontecimentos narrados até o momento, qual seria a solução?

A parte credora deve renunciar ao crédito ou aguardar a sua prescrição intercorrente, conforme incs. IV e V, do art. 924, do Código de Processo Civil, ou desistir do processo originalmente direcionado à pessoa jurídica para iniciar um novo processo visando à responsabilização civil dos sócios da empresa encerrada de forma irregular? A mera inexistência de bens penhoráveis ou eventual encerramento irregular não enseja a desconsideração da personalidade jurídica, mas, pelo menos, fundamentaria uma ação de indenização?

Somando as disposições normativas aos aludidos entendimentos doutrinários, à luz do raciocínio empregado na elaboração do enunciado da Súmula nº 435 e da tese do Tema Repetitivo nº 630, ambos do STJ, a dissolução irregular configura ato ilícito praticado pelos sócios da pessoa jurídica, a fim de obter vantagem indevida ao desrespeitar os procedimentos legais que visam impedir, justamente, o encerramento das atividades da sociedade empresária sem que suas obrigações sejam adimplidas previamente. Como o Poder Judiciário enfrentará essa realidade?

Apesar do cuidado com a ficção jurídica que é a empresa, a manutenção do entendimento dominante do STJ, além de ser contraditório ao raciocínio empregado nas execuções fiscais, protege aqueles que desrespeitam a finalidade da pessoa jurídica dentro da sociedade brasileira. Assim, impedir a responsabilização dos sócios que ignoram a legislação brasileira, especialmente os procedimentos diversos que buscam impedir a dissolução irregular, apenas fomenta uma atividade empresarial precária, mal administrada e aventureira. O chamado “golpe da praça” não atinge apenas os credores lesados pelo encerramento irregular, mas também os seus dependentes, sejam funcionários, consumidores e, até mesmo, outros credores que se encontram no meio da confusão decorrente prática de atos ilícitos por parte dos sócios.

A “técnica” da dissolução irregular, portanto, é simplesmente encerrar as atividades da empresa, deixar de funcionar no seu domicílio fiscal sem comunicar aos órgãos competentes e aos seus credores, esvaziar o patrimônio da pessoa jurídica e, por fim, confiar que o entendimento dominante do STJ impedirá a responsabilização dos sócios por “mera” inexistência de bens penhoráveis e/ou eventual encerramento irregular das atividades da empresa.

A empresa que deve ser preservada em face da “manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”, nos termos do art. 47 da Lei Federal nº 11.101/2005, está sendo utilizada, pelo menos no momento do seu encerramento irregular, com o simples objetivo de reaver a importância investida, em detrimento dos credores.

Nesse sentido, confira a inteligência do voto do Ministro Mauro Campbell Marques no Recurso Especial nº 1.371.128/RS, leading case do Tema Repetitivo nº 630, no ramo de direito tributário, do STJ, ao vasculhar os julgados que resultaram na Súmula nº 435 da Corte Cidadã:

 

[…] Esta jurisprudência a entendo perfeitamente extensível às execuções fiscais de dívida-ativa de natureza não tributária. Principalmente porque não se pode conceber que a dissolução irregular da sociedade seja considerada “infração à lei” para efeito do art. 135, do CTN e assim não seja para efeito do art. 10, do Decreto n. 3.078/19, dispositivos idênticos. Aliás, cabe aqui o registro de que o art. 135, III, do CTN traz igual comando ao do art. 10, do Decreto n. 3.078/19, sendo que a única diferença é que, enquanto o CTN enfatiza a exceção (a responsabilização dos sócios em situações excepcionais), o Decreto n. 3.078/19 enfatiza a regra (a ausência de responsabilização dos sócios em situações regulares). No entanto, ambos trazem a previsão de que os atos praticados (obrigações contraídas em nome da sociedade, inclusive as tributárias) com excesso de poder (mandato), violação à lei, contrato ou estatutos sociais ensejam a responsabilização dos sócios para com terceiros (redirecionamento) e para com a própria sociedade da qual fazem parte. […] (REsp n. 1.371.128/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 10/9/2014, DJe de 17/9/2014).

 

Após apresentar e ressaltar a transcrição dos dispositivos acima, o Ministro conclui:

 

[…] Sendo assim, “ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio”. Não há como compreender que o mesmo fato jurídico “dissolução irregular” seja considerado ilícito suficiente ao redirecionamento da execução fiscal de débito tributário e não o seja para a execução fiscal de débito não-tributário. […] (REsp n. 1.371.128/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 10/9/2014, DJe de 17/9/2014).

 

Com o intuito de apresentar os motivos pelos quais é cabível o redirecionamento de execuções fiscais de débitos não tributários em face da violação da lei, os mesmos textos normativos e institutos pormenorizados ao longo desta análise são replicados, quais sejam: Código Civil, Lei dos Registros Mercantis, LFRJ, dentre outros.

Seguindo a lógica do leading case do Tema nº 630, no ramo de direito tributário, do STJ: não há como compreender que o mesmo fato jurídico “dissolução irregular” seja considerado ilícito suficiente ao redirecionamento da execução fiscal de débito tributário ou não-tributário, mas não o seja para, pelo menos, instaurar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Afinal, não se pode conceber que a dissolução irregular seja considerada “infração à lei”, “violação à lei” ou “ato ilícito” para efeito do art. 135, do CTN e do art. 10, do Decreto nº 3.078/19, e assim não seja para efeito do §1º, do art. 50, do Código Civil, dispositivos idênticos.

Pelo que se expõe, o julgamento exigirá o aprofundamento da discussão, a fim de esclarecer os pontos acima. Apesar da discussão no âmbito das execuções fiscais ter sido pacificada, possibilitando que o Estado e suas entidades rapidamente redirecionem suas execuções aos sócios, o entendimento dominante do STJ no tocante ao direito civil se configura contraditório e perigoso, tendo em vista o número crescente de empresas dissolvidas irregularmente.

Concluindo, ressalta-se que o STJ possui precedentes contrários ao entendimento atualmente dominante. Dentre eles, cita-se, por exemplo, o Recurso Especial nº 1.259.066/SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, cuja inteligência e profundidade se encaixam perfeitamente ao cenário delineado acima. Confira como o referido julgado se encontra ementado:

 

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. VIABILIDADE. ART. 50 DO CC/02. 1. A desconsideração da personalidade jurídica é admitida em situações excepcionais, devendo as instâncias ordinárias, fundamentadamente, concluir pela ocorrência do desvio de sua finalidade ou confusão patrimonial desta com a de seus sócios, requisitos objetivos sem os quais a medida torna-se incabível. 2. Do encerramento irregular da empresa presume-se o abuso da personalidade jurídica, seja pelo desvio de finalidade, seja pela confusão patrimonial, apto a embasar o deferimento da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, para se buscar o patrimônio individual de seu sócio. 3. Recurso especial não provido. (REsp n. 1.259.066/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/6/2012, DJe de 28/6/2012.)

 

Os fundamentos presentes no escopo do voto da Ministra chamam a atenção pelo reconhecimento da ilegalidade da dissolução irregular e dos efeitos que tal prática pode resultar, incorrendo em explícita subversão do preceito fundamental da pessoa jurídica oriunda da má-fé dos sócios. Vejam-se os seguintes trechos:

 

[…] Sobreleva-se, oportunamente, anotar que a recorrente defende, nas razões de seu recurso especial, que encerrou regularmente suas atividades, indicando, para tanto, certidão da Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP), colacionada aos autos às fls. 296 (e-STJ), que comprovaria citada regularidade. […]

E, ainda que assim não fosse, sabe-se que a dissolução de uma empresa é apenas elemento inaugural de fatos que possibilitará o término da personalidade jurídica, não significando a extinção desta de imediato, já que continuará existindo para os fins de liquidação, conforme preceituado no art. 51 do CC/02.

Salienta-se que no estágio de liquidação é que se tem a realização do ativo e pagamento do passivo, com a transformação do patrimônio em dinheiro para a satisfação dos compromissos assumidos, o que antecede à partilha do remanescente.

Assim, em consonância com o explanado pelo Tribunal de origem, revela-se indiscutível que todas as obrigações da sociedade devem ser cumpridas antes da sua extinção, sendo que a não observância desta norma enquadra o ato como sendo um encerramento irregular da sociedade. […]

Ora, a pessoa jurídica foi irregularmente encerrada, pois, embora existentes débitos pendentes, inclusive após ser proferida sentença condenatória, a sociedade empresária foi encerrada sem previsão quanto ao pagamento do passivo e, consequentemente, quanto à satisfação do credor, ora recorrido.

Nesse ínterim, não se verifica qualquer indício de boa-fé ou regularidade no encerramento da empresa, hábil a dar sufrágio às alegações da recorrente de que não há prova da utilização fraudulenta da personalidade jurídica, até mesmo porque o credor se vê na impossibilidade de ver satisfeito o seu crédito.

Apura-se, então, que o sócio utilizou-se da autonomia patrimonial de que goza a pessoa jurídica para maquinar uma forma de não cumprir com obrigações assumidas, ciente, provavelmente, de que as dívidas contraídas por sua empresa, a princípio, não poderiam ser cobradas diretamente de sua pessoa física.

Ora, é perceptível que o sócio da empresa agiu com abuso de personalidade jurídica, imbuído do espírito de má-fé negocial, desvirtuando a finalidade pela qual o instituto da pessoa jurídica foi criado, enquadrando-se em um dos pressupostos previstos no art. 50 do CC/02, ensejador da desconsideração da personalidade jurídica.

Outrossim, visualizando os lineamentos que permeiam a hipótese dos autos, pode-se, até mesmo, indagar acerca do destino dado ao patrimônio que compunha a pessoa jurídica, como, por exemplo, maquinário, produtos em estoque, etc, supostamente hábeis a responder pelas obrigações da pessoa jurídica, ainda que parcialmente.

Se não houve a procura de eventuais credores, em busca da satisfação de seu crédito, anteriormente ao encerramento da pessoa jurídica junto à Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP), não se pode aceitar que houve boa-fé por parte de seu sócio, que pode, inclusive, ter-se valido deste patrimônio para satisfação própria, o que, com efeito, configuraria a confusão patrimonial, também prevista no art. 50 do CC/02.

O que se pode ter como certo é que é inaceitável, sob qualquer ângulo, que a autonomia patrimonial da pessoa jurídica seja utilizada como pano de fundo para que sejam maquinadas fraudes. Nessas hipóteses, deve a regra da separação patrimonial ceder episodicamente para coibir a fraude e a lesão ao interesse de credores.

Desse modo, deve-se presumir o abuso da personalidade jurídica, seja pelo desvio de finalidade, seja pela confusão patrimonial, apto a embasar o deferimento da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, para se buscar o patrimônio individual de seu sócio.

 

A inteligência empregada acima é convincente e apresenta solução coerente e razoável. Isso porque, além de apontar a relação entre o encerramento irregular das atividades e o esvaziamento patrimonial, a inteligência acerca da extinção da personalidade jurídica demonstra a possibilidade de se promover a desconsideração da personalidade jurídica, em casos nos quais os sócios da pessoa jurídica, apesar de terem protocolado seus distratos sociais nas Juntas Comerciais, não deram prosseguimento ao rito da liquidação, lesando os credores representados pelo passivo.

Desse modo, o fundamento mais importante neste julgado é a imperiosidade dos sócios da pessoa jurídica observarem os dispositivos contidos no Código Civil e na Lei dos Registros Mercantis, tal como ocorreu na construção da Súmula nº 435 e do Tema nº 630, ambos do STJ.

Destaca-se que o que se pretende nas linhas acima não é aplicar o incidente da desconsideração da personalidade jurídica com base na Teoria Menor, referenciada no início do estudo, mas, sim, nos moldes apresentados, na Teoria Maior própria do art. 50 do Código Civil, tendo em vista a explícita prática de atos ilícitos e a consequente confusão patrimonial.

Segundo lição do processualista Fredie Didier Jr:

 

[…] A teoria da desconsideração da personalidade jurídica não pretende eliminar o histórico princípio da separação dos patrimônios da sociedade e de seus sócios, mas, contrariamente, servir como propulsor da funcional da pessoa jurídica, garantindo a suas atividades e coibindo a prática de fraudes e abusos através dela. Ela atua episódica e casuisticamente.

É importante frisar, curiosamente, que a aplicação da teoria da desconsideração pressupõe a prática de atos aparentemente ilícitos (ao menos aparentemente). […]

Mas hipóteses que autorizam a desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil, p. ex.) são ilícitos caducificantes. Praticada qualquer uma das condutas apontadas no sistema jurídico como contrárias ao direito, estará caracterizado o ato ilícito cujo efeito sobre o sócio ofensor é a perda do direito de ter sua responsabilidade limitada. […] (DIDIER JR, Fredie, Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento, 24ª ed., v. 1, São Paulo: Editora Juspodivm, 2022. p. 669 e 770).

 

Caso o STJ firme, com força de recurso repetitivo, o entendimento dominante de não cabimento de desconsideração da personalidade jurídica no caso de mera inexistência de bens penhoráveis e/ou eventual encerramento irregular das atividades da empresa, se questiona: tais elementos ainda seriam hábeis para, ao menos, instaurar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica? Até porque, nos moldes do art. 135, do Código de Processo Civil, o sócio (ou a pessoa jurídica, em caso de desconsideração inversa) será citado para se manifestar, ou seja, apresentar defesa, impugnar os argumentos deduzidos. Então, caso não haja esclarecimentos por parte do sócio, a dissolução irregular e/ou a inexistência de bens penhoráveis constituiriam elementos sólidos para promover a desconsiderar a personalidade jurídica?

O maior problema da tese a ser firmada é justamente impedir, como já ocorre em alguns tribunais por meio da invocação dos julgados fundados no entendimento dominante, a mera instauração do incidente processual, embora não haja sentido em se impedir o processamento do incidente de desconsideração. Afinal, seu processamento é a regra. Isso porque somente caso acolhido o pedido, após o contraditório, é que se adentra ao patrimônio do sócio.

O art. 50, do Código Civil não fala de seu processamento/instauração, mas sim da própria desconsideração – o que deve ocorrer somente após o processamento de seu incidente (à exceção dos casos que possibilitem o redirecionamento direto ao sócio, muito próximos, inclusive). O incidente previsto no art. 133 do Código de Processo Civil, por sua vez, serve para avaliar se os elementos deduzidos pela parte suscitante em face do contraditório e da defesa da parte suscitada constituem os ilícitos caducificantes que autorizam a desconsideração da personalidade jurídica.

Como a tese a ser firmada pelo Tema nº 1.210 será posta diante do pedido de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica com base na dissolução irregular e/ou inexistência de bens penhoráveis? O credor terá o direito de compelir o sócio a esclarecer o que aconteceu com a pessoa jurídica ou deverá desistir do direito de obter o crédito que lhe é devido?

A solução não é apenas jurídica, mas também atinge o campo social, econômico e, ainda, cultural. O STJ deve reconhecer o peso que a tese a ser firmada terá nas relações comerciais e empresariais do país. Até mesmo porque a depender do entendimento consolidado com força de recurso repetitivo, a tese poderá fomentar o desenvolvimento nacional e proteger a livre iniciativa ou, na pior das hipóteses, tutelar os empresários aventureiros e mal-intencionados que subvertem a ficção jurídica elementar e essencial da autonomia patrimonial.

Por isso, a Corte Cidadã deve repensar o entendimento acerca da matéria posta a julgamento, a fim de impedir que a solução uniformizadora, concentrada e vinculante, forneça maior segurança aos sócios que subvertem o instituto da pessoa jurídica, fomentando, ainda mais, o desrespeito aos dispositivos referentes ao procedimento de dissolução e liquidação das sociedades empresárias, enquanto os credores de boa-fé são lesados pelo “golpe da praça” legitimado pela Casa de Justiça responsável por dar a última palavra no tocante aos dispositivos infraconstitucionais federais.

O Tema Repetitivo nº 1.210, no ramo de direito civil, do STJ, segue afetado, aguardando julgamento. Enquanto isso, essa problemática segue aguardando uma discussão aprofundada que possa levar em contar os interesses dos credores de boa-fé, que muitas vezes também são sociedades empresárias (e também lutam para cumprirem com suas obrigações legais).

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REFERÊNCIAS

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_____. Decreto nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919.

_____. Lei Federal nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.

_____. Lei Federal nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

_____. Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.

_____. Lei Federal nº 8.934, de 18 de novembro de 1994.

_____. Lei Federal nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996.

_____. Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.

_____. Lei Federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

_____. Lei Federal nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.

_____. Lei Federal nº 13.105, de 16 março de 2015.

_____. Instrução Normativa (IN) 2.119/2022 da Receita Federal do Brasil – RFB.

_____. Jornada de Direito Civil / Organização Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr. – Brasília: Volume 1. Conselho da Justiça Federal – CJF, 2007.

_____. ProAfR no REsp n. 1.873.187/SP, relator Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 15/8/2023, DJe de 29/8/2023.

_____. AgInt no AREsp n. 940.420/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 26/6/2023, DJe de 30/6/2023.

_____. AgInt no AREsp n. 1.735.099/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 24/4/2023, DJe de 2/5/2023.

_____. AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.709.040/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 5/6/2023, DJe de 7/6/2023.

_____. AgInt no AREsp n. 2.254.704/GO, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 17/4/2023, DJe de 20/4/2023.

_____. AgInt no AREsp n. 2.205.498/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 30/11/2022.

_____. REsp n. 1.371.128/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 10/9/2014, DJe de 17/9/2014.

_____. EREsp n. 716.412/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 12/9/2007, DJe de 22/9/2008.

_____. EDcl no AgInt no AREsp n. 1.855.162/MG, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 31/8/2022.

_____. REsp n. 2.082.254/GO, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 15/9/2023;

_____. REsp n. 1.784.032/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 2/4/2019, DJe de 4/4/2019.

_____. REsp n. 1.750.420/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 10/12/2019, DJe de 14/12/2020.

_____. REsp n. 1.371.128/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 10/9/2014, DJe de 17/9/2014.

_____. REsp n. 1.259.066/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/6/2012, DJe de 28/6/2012.

_____. TJSP; Agravo de Instrumento 2140190-18.2019.8.26.0000; Relator (a): Nestor Duarte; Órgão Julgador: 34ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III – Jabaquara – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/09/2019; Data de Registro: 30/09/2019.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: direito de empresa. 23ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011.

DIDIER JR, Fredie, Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento, 24ª ed., v. 1, São Paulo: Editora Juspodivm, 2022.

DINIZ, Maria H. Curso De Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. v.1. São Paulo: Editora Saraiva, 2023.

RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Notícias. Receita Federal irá processar novo lote de inaptidão de inscrições no CNPJ em razão de omissão de obrigações acessórias. Publicado em 01 de novembro de 2023. (Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2023/novembro/receita-federal-ira-processar-novo-lote-de-inaptidao-de-inscricoes-no-cnpj-em-razao-de-omissao-de-obrigacoes-acessorias).

RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Emissão de Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral pela Internet em consonância com a Instrução Normativa nº 2.119/2022. (Disponível em: https://solucoes.receita.fazenda.gov.br/Servicos/cnpjreva/cnpjreva_Solicitacao.asp).

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume Único. 13ª edição revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2023.

[1] disponível em: https://solucoes.receita.fazenda.gov.br/Servicos/cnpjreva/cnpjreva_Solicitacao.asp, acesso em: 25/02/2024

[2] (Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2023/novembro/receita-federal-ira-processar-novo-lote-de-inaptidao-de-inscricoes-no-cnpj-em-razao-de-omissao-de-obrigacoes-acessorias, acesso em 25/02/2024).

 

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