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ArtigosA responsabilidade civil das instituições financeiras: fraudes bancárias e golpe do motoboy

É inegável o constante aumento no número de eventos em que existe o vazamento de dados pessoais, ao passo que comumente verificamos a grande vulnerabilidade dos consumidores, como é o caso nas fraudes decorrentes do chamado golpe do motoboy.

Não existe nenhuma novidade para as instituições financeiras quanto ao supracitado tipo de fraude, pois essa prática já é bastante conhecida pelos bancos, já que os criminosos utilizam de algumas informações pessoais dos consumidores e acabam por induzi-los a agirem enganosamente.

Em relação ao chamado golpe intitulado como do motoboy, simplesmente o suposto fraudador se utiliza da vulnerabilidade do usuário e induz ele a acreditar que existe algum problema de ordem financeira, como, por exemplo, em uma suposta movimentação atípica no seu cartão de crédito.

O ato ilícito é normalmente cometido por terceiro que afirma ser funcionário de uma instituição financeira, o qual induz a vítima a entrar em contato com o telefone institucional do banco, de modo que ao ligar para o telefone indicado o cliente tem sua ligação desviada, e como acredita estar em contato com a instituição financeira, digita os dados pessoais, inclusive sua senha bancária.

A vítima é orientada ainda a fazer declaração de próprio punho e entregar o seu cartão para análise a um motoboy enviado ao seu endereço, com o propósito de minimizar eventuais prejuízos e de normalizar a questão de segurança, o que é falso.

A consequência do exposto modus operandi é bastante lógica: se por acaso o usuário fornece os seus principais dados sigilosos e o próprio cartão físico, simplesmente estará possibilitando a realização de uma série de compras e saques indevidos em sua conta bancária.

Nesse contexto, inicia-se grande discussão quanto à possibilidade ou não de responsabilização civil das instituições financeiras, se existirem porventura desfalques financeiros em desfavor dos seus usuários.

Em regra, a responsabilidade das instituições financeiras é analisada do ponto de vista objetivo, ou seja, basta a existência da comprovação do dano ocorrido no exercício da atividade do banco.

Apesar de tal previsão e com o devido respeito ao posicionamento mais conversador, acredito que no tema em análise a responsabilidade civil objetiva deve ser afastada, pois as circunstâncias do tipo de fraude são mais direcionadas a culpa exclusiva da vítima ou não.

Se o fato for exclusivo da vítima ou terceiro, de modo que o comportamento do usuário foi a única causa do dano efetivamente ocorrido, sendo que o mesmo ocorreu por culpa exclusiva diante da ocorrência de imprudência ou negligência sua, não há que se falar em reparação civil.

Quando não existir culpa, não há que se falar em responsabilidade, pois a responsabilidade é baseada e norteada na existência de culpa, enquanto Caio Mário da Silva Pereira pontua brilhantemente os seus requisitos:

Dos conceitos acima enunciados, extraem-se os elementos da responsabilidade civil, que na doutrina subjetiva são considerados conjuntamente, e que são outros tantos capítulos aqui subsequentes: 1) um dano; 2) a culpa do agente; 3) o nexo de causalidade entre o dano e a culpa.

Frisa-se, portanto, que se houver participação ativa da vítima na cessão das informações que viabilizaram a concretização do ocorrido e propriamente na instalação do suposto aplicativo malicioso, certamente a responsabilidade civil dos bancos será analisada do ponto de vista subjetivo.

Aliás, é impossível e inexigível das instituições financeiras manter vigilância em tempo real, no sentido de obstaculizar transações fora do perfil do consumidor e até mesmo de impedir a atuação desses estelionatários.

Em razão disto, na maioria das hipóteses poderá ocorrer a chamada culpa exclusiva do consumidor, ora capaz de afastar qualquer tese de responsabilidade civil em desfavor dos bancos, conforme bem previsto no art. 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC):

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Isto é exatamente o disposto no art. 945 do Código Civil de 2002 (CC/02), nestas palavras:

Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.

De outro lado, se no caso em concreto ficar comprovado o dever de diligência do usuário e ausência de qualquer culpa sua, cumpre trazer à baila que as instituições financeiras poderão ser responsabilizadas civilmente.

A supracitada possibilidade decorrente também da demonstrada definição do termo subjetivo, que “[e]m face da teoria clássica, a culpa era fundamento da responsabilidade. Esta teoria, também chamada de teoria da culpa, ou “subjetiva”, pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil” (GONÇALVES, 2019, p. 56).

Ainda sobre a responsabilidade civil das instituições financeiras, o CDC define que “[a] inversão do ônus em situações proclamadas acontece na hipótese de uma hipossuficiência técnica, de compreensão do texto e não na órbita de recursos financeiro” (ABRÃO, 2019, p. 72).

O viés subjetivo não deve ser relacionado a total possibilidade exclusão de responsabilidade civil dos bancos, isto porque a depender da situação o usuário poderá demonstrar que a referida instituição financeira não agiu também com a cautela esperada, como, por exemplo, na propagação de conteúdo preventivo e até mesmo na projeção de mecanismos de segurança capazes de minimizar eventuais danos.

Tal entendimento foi recentemente ratificado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.995.458/SP, vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIBILIDADE DE DÉBITO. CONSUMIDOR. GOLPE DO MOTOBOY. RESPONSABILIDADE CIVIL. USO DE CARTÃO E SENHA. DEVER DE SEGURANÇA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.

  1. Ação declaratória de inexigibilidade de débito.
  2. Recurso especial interposto em 16/08/2021. Concluso ao gabinete em 25/04/2022.
  3. O propósito recursal consiste em perquirir se existe falha na prestação do serviço bancário quando o correntista é vítima do golpe do motoboy.
  4. Ainda que produtos e serviços possam oferecer riscos, estes não podem ser excessivos ou potencializados por falhas na atividade econômica desenvolvida pelo fornecedor.
  5. Se as transações contestadas forem feitas com o cartão original e mediante uso de senha pessoal do correntista, passa a ser do consumidor a incumbência de comprovar que a instituição financeira agiu com negligência, imprudência ou imperícia ao efetivar a entrega de numerário a terceiros. Precedentes.
  6. A jurisprudência deste STJ consigna que o fato de as compras terem sido realizadas no lapso existente entre o furto e a comunicação ao banco não afasta a responsabilidade da instituição financeira. Precedentes.
  7. Cabe às administradoras, em parceria com o restante da cadeia de fornecedores do serviço (proprietárias das bandeiras, adquirentes e estabelecimentos comerciais), a verificação da idoneidade das compras realizadas com cartões magnéticos, utilizando-se de meios que dificultem ou impossibilitem fraudes e transações realizadas por estranhos em nome de seus clientes, independentemente de qualquer ato do consumidor, tenha ou não ocorrido roubo ou furto. Precedentes.
  8. A vulnerabilidade do sistema bancário, que admite operações totalmente atípicas em relação ao padrão de consumo dos consumidores, viola o dever de segurança que cabe às instituições financeiras e, por conseguinte, incorre em falha da prestação de serviço.
  9. Para a ocorrência do evento danoso, isto é, o êxito do estelionato, necessária concorrência de causas: (i) por parte do consumidor, ao fornecer o cartão magnético e a senha pessoal ao estelionatário, bem como (ii) por parte do banco, ao violar o seu dever de segurança por não criar mecanismos que obstem transações bancárias com aparência de ilegalidade por destoarem do perfil de compra do consumidor.
  10. Na hipótese, contudo, verifica-se que o consumidor é pessoa idosa, razão pela qual a imputação de responsabilidade há de ser feita sob as luzes do Estatuto do Idoso e da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos, sempre considerando a sua peculiar situação de consumidor hipervulnerável. 11. Recurso especial provido.

(STJ – REsp: 1995458 SP 2022/0097188-3, Data de Julgamento: 09/08/2022, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/08/2022)

Portanto, diante das lições e definições até então trazidas, é de perceber que, geralmente, a responsabilidade civil das instituições financeiras será analisada do ponto de vista subjetivo, pois as circunstâncias do tipo de fraude intitulado como golpe do motoboy são mais direcionadas a existência de culpa exclusiva da vítima ou não.

Ainda assim, fica o alerta quanto à possibilidade também de responsabilização dos bancos, mas irá depender de uma robusta análise pelo operador de direito.

 

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ABRÃO, Nelson. Direito Bancário. São Paulo: Editora Saraiva, 2019. p. 72.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.995.458 – SP. DJe: 17.08.2022. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=161068951&num_registro=202200971883&data=20220818&tipo=91&formato=PDF. Acesso em: 13 set. 2022.

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2022. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 18 ago. 2022.

BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 18 ago. 2022.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2019. p. 56.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 12ª edição. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2018. p. 47.

 

 

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