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ArtigosA democracia em ano eleitoral: um panorama sob a perspectiva do direito à liberdade de expressão, discurso de ódio e as fake news

17/08/2022by admin0

Por

Caio Almeida

Camila A. Pontes da Silva

 

Historicamente, a ideia do trânsito livre de ideias que resulta na construção do bem comum foi introduzida por John Stuart Mill (2011), que passa a dar em suas obras os primórdios do que viria a ser o direito à liberdade de expressão. O denominado “trânsito livre de ideias” sequer seria cogitado à época como veículo de disseminação de inverdades sobre pessoas e fatos, no que tange o objeto da análise em questão, é um fenômeno social que tem despontado no cenário político nacional com pico de maior recorrência em ano eleitoral, nos chamados discursos de ódio – ideologicos, étinicos, politico-partidário, homofóbico e até contrário ao funcionamento de instituições da própria República.

A liberdade de expressão tem previsão constitucional e enquadramento como direito fundamental, para Martins Neto (2008, p.27-28) consiste no direito de comunicar-se, ou de participar de relações comunicativas, quer como portador da mensagem (orador, escritor, expositor), quer como destinatário (ouvinte, leitor, espectador), ela corresponde a comunicação em torno de informações, opiniões, sentimentos e propostas, entre outros.

No paradigma da Constituição Federal (1988), a democracia está entre as razões para se proteger a liberdade de expressão, à medida que prevê a soberania popular e que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente pelo sufrágio universal e pelo voto direto, por plebiscito, referendo e iniciativa de lei popular, além de prever que se trata de um Estado Democrático de Direito. Lourinho (2017, p.1) traz a reflexão acerca da limitação a este direito quando ponderado com outros que possam ser afetados, no contexto de defesa da democracia:

Levados à luz os conceitos, chega-se a questão de que o exercício de um direito fundamental como a liberdade de expressão pode ser instrumento de ataque a indivíduos e grupos sociais, evidenciando, portanto, que a liberdade de expressão mesmo constituindo-se como um direito fundamental de primeira geração, é também um direito limitado que poderá ser restringido e regulado em ponderação com outros valores, principalmente, quando tende a admitir o discurso de ódio como manifestação, prejudicando os ofendidos.

Nesse ponto, frisa-se que será a liberdade de expressão que nos levará ao âmbito de atos que exacerbam os limites que se buscam proteger, dos mais comuns e o objeto desta análise, estão as fake news e o discurso de ódio. A popularização das fake news obteve maior ênfase após as eleições americanas, mas podemos relatar em momentos passados, como no século 14 em que uma notícia falsa de que uma criança cristã havia sido morta por judeus gerou uma onda de perseguição à comunidade judia resultando em vários homicídios.

Em linhas gerais, se caracterizam basicamente em notícias falsas intencionalmente criadas com os mais variados objetivos, entre os mais comuns a desinformação. A difusão de notícias falsas trazem implicações à democracia, o primeiro ponto seria de que existe um anseio por acesso a informações precisas que possam formar a convicção pessoal de cada cidadão, já o segundo ponto é de que geralmente tais notícias possuem mais adesão do que as verdadeiras, isto porque uma das estratégias de criadores deste tipo de notícia, é prender o receptor da mensagem com algo que chame a atenção.

Para Diogo Rais (2020, p.27) “ a utilização das fake News, por vezes, é seguida de uma linguagem “incendiária”, capaz de provocar o ódio, aversão e/ou desprezo. O diálogo, nesse nível, é utilizado não para fins de fomentar o debate, mas para desmobilizar/destruir o adversário, tal prática, em última instância, também poderá propiciar o discurso de ódio no âmbito político”

Quanto ao discurso de ódio, pode ser exemplificado em três vias, a primeira como um ataque direcionado a honra (insulto intencional), o segundo um insulto coletivo, e o terceiro como uma negação de fatos já consolidados como verdadeiros. Há portanto, uma multiplicidade de situações que podem ser enquadradas como fake news ou discurso de ódio, dentro de tanta subjetividade que perpassa esse tema, há uma necessidade de identificar nas muitas variáveis fáticas o que é ou não fake do que é ou não desinformação.

Para Mill (2018, p.36) é equívoca a postura de certeza no que se refere à opinião, pois “nunca podemos ter certeza de que a opinião que estamos nos esforçando em abafar é uma opinião falsa; e se temos certeza, reprimi-la seria ainda um mal”, isso porque toda certeza ao silenciar uma discussão, se baseia na presunção de infalibilidade.

Um exemplo claro da influência das fake news no âmbito político internacional seria a matéria do The Washington Post que contabilizou 2.140 alegações falsas ou enganosas (média de 5,9 reivindicações por dia) pelo Presidente Donald Trump, de acordo com o banco de dados do The Fact Checker que analisou todas as declarações “suspeitas” proferidas à época pelo Presidente estadunidense.

Uma análise importante a respeito dessas alegações é a da crítica Michiko Kakutani (2018, pp. 98-99):

O problema não é que Trump apenas tenha mentido de maneira espontânea e desavergonhada, mas que essas centenas e centenas de mentiras tenham se acumulado para criar histórias igualmente falsas, que se encaixam perfeitamente nos medos das pessoas. Ele descreveu os Estados Unidos como um país devastado pelo crime (quando, na verdade, a taxa de criminalidade exibia baixas históricas […]). Disse ser um país assolado por ondas de imigrantes violentos (quando, na verdade, estudos mostram que os imigrantes são menos propensos a cometer crimes violentos do que os cidadãos nascidos nos Estados Unidos. Alegou que os imigrantes são um fardo para o país e que deveriam ser investigados com mais cuidado (quando, na verdade 31 dos 78 Prêmios Nobel norte-americanos, desde 2000, foram conquistados por imigrantes […]). Em suma, Trump criou uma imagem de uma nação em apuros, que precisava muito de um salvador.

A democracia requer que as informações fluam independente do controle de organizações partidárias, corporações econômicas e controle administrativo político disfarçado, em outros termos, requer informações com trânsito livre. O direito à informação (correta informação) é questão amplamente reconhecida como ponto crucial para o futuro de uma democracia e encontra amparo constitucional no nosso ordenamento jurídico (art. 5, XIV), é ainda princípio necessário para controle social que facilite o acompanhamento e o monitoramento da realidade.

As fake news possuem linguagem “incendiária”, que apresenta a intenção de provocar o ódio, desprezo e/ou aversão – o diálogo, nesse nível, é utilizado não para fomentar o debate, mas para desmobilizar/destruir o adversário – e contribuem para o sentimento de descrença generalizada, que afeta a confiabilidade das informações disponibilizadas online pelos próprios cidadãos, se tal problemática expõe a risco a vida privada da população, em contrapartida fica ainda mais inquietante e perigoso quando afeta comunicações políticas e outros temas de relevância na esfera pública contemporânea.

REFERÊNCIAS

MARTINS NETO, João Dos Passos. Fundamentos da Liberdade de Expressão. Florianópolis: Insular, 2008.

Mill, John Stuart, 1806-1873 Sobre a liberdade / John Stuart Mill ; tradução Pedro Madeira. – [Ed. especial]. – Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2011.

LOURINHO, Luna. Os Limites da Liberdade de Expressão: Uma análise sobre a liberdade negativa e a liberdade positiva. Revice – Revista de Ciências do Estado, Belo Horizonte, v.2, n.1, p. 460-467, jan./jul. 2017. Acesso em 31 jul. 2022.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em: Acesso em: 31 jul. 2022.

https://www.politico.com/magazine/story/2016/12/fake-news-history-long-violent-214535: acesso em 31 jul. 2022

RAIS, Diogo. Desinformação no contexto democrático. In: ABBOUD, Georges et al: Fake news e regulação. Revista dos Tribunais, 2ª edição, São Paulo, 2020, 249-270.

RAIS, Diogo, et al. Psicologia política e as fake news nas eleições presidenciais de 2018. Porto Alegra: Revista do TER-RS, 2019. Acesso em 31 jul. 2022.

KESSLER, Glen; KELLY, Meg. President Trump made 2,140 false or misleading claims in his first year. The Washington <Posthttps://www.washingtonpost.com/news/fact-checker/wp/2018/01/20/president-trump-made-2140-false-or-misleading-claims-in-his-first-year/> Acesso em 31 jul. 2022.

KAKUTANI, Michiko. A morte da verdade. 1ª ed., Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018.

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