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ArtigosOs requisitos para a aplicação das medidas executivas atípicas do artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil

O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.

Trata-se das chamadas medidas executivas atípicas, previstas no artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil, cláusula geral que confere “poder” ao julgador para a adoção de meios necessários à satisfação da obrigação não delineados previamente no diploma legal.

Em decorrência de referido “poder” atribuído ao magistrado, em maio de 2018 o Partido dos Trabalhadores (PT) propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5941, tendo como um de seus pedidos a declaração de inconstitucionalidade do artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil.

De acordo com o Requerente, ao consagrar a atipicidade dos atos executivos, o dispositivo do CPC teria dado margem para interpretações subjetivas e desarrazoadas, como, por exemplo, as que justificariam decisões que determinam a suspensão de passaporte e da carteira nacional de habilitação (CNH) de devedores.

Desse modo, pleiteia a parte autora a declaração da nulidade, sem redução de texto, do inciso IV do artigo 139 da Lei n°. 13.105/2015, de forma a reconhecer a inconstitucionalidade, em hipótese de aplicação deste preceito legal, das medidas coercitivas, indutivas ou sub-rogatórias de apreensão de carteira nacional de habilitação e/ou suspensão do direito de dirigir, a apreensão de passaporte, a proibição de participação em concurso público e a proibição de participação em licitação pública.

Nas informações prestadas pela Advocacia Geral da União, restaram rechaçadas as alegações do Requerente, argumentando o órgão que as inovações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil buscam, em verdade, a concretização de um processo mais justo, célere e atento aos reclames da sociedade, sempre com respeito ao modelo constitucional de processo e aos direitos e às garantias fundamentais.

Nessa perspectiva, afirma a referida Advocacia que em razão desse ideário de efetividade do processo, foram pensados os dispositivos ora objurgados, os quais permitem, das mais variadas formas, desde que respeitados, por óbvio, as garantias e os direitos fundamentais, que o vencedor da demanda obtenha o bem da vida pretendido no processo executivo em um período razoável.

Conclui, assim, que a adoção de um modelo processual que permita ao magistrado se valer das denominadas medidas executórias atípicas para cumprimento de suas decisões não significa que esse poder deva ser utilizado de modo ilimitado e sem qualquer tipo de controle.

Não alheio a esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça firmou as premissas básicas a serem observadas pelo magistrado, ao se valer das mencionadas medidas atípicas, conforme voto proferido pela Relatora Ministra Nancy Andrighi, no julgamento do Recurso Especial 1.788.950 – MT (2018/0342835-5).

Nas palavras da Ministra:

“Para que seja adotada qualquer medida executiva atípica, portanto, deve o juiz intimar previamente o executado para pagar o débito ou apresentar bens destinados a saldá-lo, seguindo-se, como corolário, os atos de expropriação típicos.

O contraditório prévio é, aliás, a regra no CPC/15, em especial diante da previsão do art. 9º, que veda a prolação de decisão contra qualquer das partes sem sua prévia oitiva fora das hipóteses contempladas em seu parágrafo único.

A decisão que autorizar a utilização de medidas coercitivas indiretas deve, ademais, ser devidamente fundamentada, a partir das circunstâncias específicas do caso, não sendo suficiente para tanto a mera indicação ou reprodução do texto do art. 139, IV, do CPC/15 ou mesmo a invocação de conceitos jurídicos indeterminados sem ser explicitado o motivo concreto de sua incidência na espécie (art. 489, § 1º, I e II, do CPC/15).

De se observar, igualmente, a necessidade de esgotamento prévio dos meios típicos de satisfação do crédito exequendo, tendentes ao desapossamento do devedor, sob pena de se burlar a sistemática processual longamente disciplinada na lei adjetiva.

Vale destacar, por oportuno, que o CPC/15, em seu art. 8º, estabeleceu com norma fundamental do processo civil o atendimento aos fins sociais do ordenamento jurídico e às exigências do bem comum, observado o resguardo e a promoção da dignidade da pessoa humana, assim como da proporcionalidade, da razoabilidade, da legalidade, da publicidade e da eficiência.

Respeitado esse contexto, portanto, o juiz está autorizado a adotar medidas que entenda adequadas, necessárias e razoáveis para efetivar a tutela do direito do credor em face de devedor que, demonstrando possuir patrimônio apto a saldar o débito em cobrança, intente frustrar sem razão o processo executivo.

Frise-se, aqui, que a possibilidade do adimplemento – ou seja, a existência de indícios mínimos que sugiram que o executado possui bens aptos a satisfazer a dívida – é premissa que decorre como imperativo lógico, pois não haveria razão apta a justificar a imposição de medidas de pressão na hipótese de restar provada a inexistência de patrimônio hábil a cobrir o débito”.

Em suma, de acordo com o entendimento firmado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, é possível ao juiz adotar meios executivos atípicos desde que, (i) verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio apto a cumprir a obrigação a ele imposta, (ii) tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, (iii) por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, e (iv) com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade.

Os parâmetros construídos pela Terceira Turma para a aplicação das medidas executivas atípicas encontram largo amparo na Jurisprudência da Corte, conforme decisões proferidas no AgInt no REsp 1.837.309/SP, Relator Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 13.2.2020; REsp 1.894.170/RS, Relatora Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 12.11.2020; REsp 1.929.230/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 1.7.21.

Ainda, para o Ministro Herman Benjamin, “a observância da proporcionalidade não deve ser feita em abstrato, a não ser que as instâncias ordinárias expressamente declarem inconstitucional o artigo 139, IV, do CPC/2015. Não sendo o caso, as balizas da proporcionalidade devem ser observadas com referência ao caso concreto, nas hipóteses em que as medidas atípicas se revelem excessivamente gravosas e causem, por exemplo, prejuízo ao exercício da profissão”[1].

Pautada em tais razões, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão no sentido de indeferir as medidas atípicas, tendo em vista que, no caso concreto, a medida se mostrou excessiva. Afirmou-se no julgado:

“O TJ/PR deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo Município de Foz do Iguaçu/PR contra a decisão de Primeiro Grau que indeferiu o pedido de medidas aflitivas de inscrição do nome do executado em cadastro de inadimplentes, de suspensão do direito de dirigir e de apreensão do passaporte. O acórdão do TJ/PR, ora apontado como ato coator, deferiu as indicadas medidas no curso da Execução Fiscal. Ao que se dessume do enredo fático-processual, a medida é excessiva. Para além do contexto econômico de que se lançou mão anteriormente, o que, por si só, já justificaria o afastamento das medidas adotadas pelo Tribunal Araucariano, registre-se que o caderno processual aponta que há penhora de 30% dos vencimentos que o réu aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR. Além disso, rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda. – EPP também foram levados a bloqueio (fls. 163/164)”[2] (HC 45.3870/PR, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 15.8.2019).

A doutrina também entende que o dispositivo em comento não acarreta o total subjetismo judicial, na medida em que existem limites à atuação do magistrado, que, ao se valer de tal poder-dever, nos termos do art. 93, IX, da CF e dos artigos 11 e 489, §1°, do CPC, deverá indicar os motivos pelos quais entendeu pertinente a aplicação de determinada medida executória atípica para cada situação que lhe foi submetida:

“A adoção do “princípio da atipicidade dos meios executivos” encontra-se expressamente prevista no art. 139, IV do CPC e consagra, de uma vez por todas, a postura irreversível do legislador brasileiro de transformar o papel e a atuação do magistrado, de mero expectador (fruto de um Estado liberalista) em partícipe (Estado social intervencionista), na busca da efetividade da tutela jurisdicional.

Porquanto o manuseio dos meios executivos esteja atualmente entregue à “escolha” do magistrado – que, diante do caso concreto e para atender de forma justa e tempestiva o direito material, poderá utilizar o meio adequado para obter o melhor rendimento jurisdicional, não vemos aí nenhum ponto de discricionariedade judicial, tendo em vista que a opção, além de ser a “adequada” para a hipótese, deve ser fundamentada, aliás, como toda e qualquer decisão. O limite natural dessa escolha, e que o juiz não pode perder de vista, é o de que, havendo mais de um meio adequado, a escolha deve ser feita de modo a acarretar o menor sacrifício possível ao devedor, tal qual determina o art. 805 do CPC”[3].

Nessa perspectiva, as medidas coercitivas previstas no artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil devem ser pautadas nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade nas suas três dimensões: (i) adequação; (ii) necessidade; e (iii) proporcionalidade em sentido estrito:

“Tal como já sustentei em estudo sobre a proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, há de perquirir-se se em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequado, isto é, apto para produzir o resultado desejado/necessário, isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz; e proporcional em sentido estrito, ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto”.[4]

Vê-se, assim, que a doutrina e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já consolidaram entendimento no sentido de ser possível a aplicação das medidas executivas atípicas, sem que isso venha a ferir os direitos e garantias fundamentais do devedor, desde que sejam observados os critérios já elencados.

Ora, na preponderância dos valores em jogo, deve ser observado que ao credor deve ser garantido o direito de ter o seu crédito satisfeito, em prejuízo do devedor que evidencia possuir patrimônio, porém, se nega a quitar suas dívidas.

Assim, ao magistrado cabe garantir a efetividade da execução, desde que, é claro, fundamente adequadamente sua decisão a partir de critérios de ponderação, de modo a conformar, concretamente, os valores incidentes ao caso em análise.

Portanto, preenchidos os requisitos, quais sejam, i) existência de indícios de que o devedor possua patrimônio apto a cumprir com a obrigação a ele imposta; ii) decisão devidamente fundamentada com base nas especificidades constatadas; iii) a medida atípica deve ser utilizada de forma subsidiária, dada a menção de que foram promovidas diligências à exaustão para a satisfação do crédito; e iv) observância do contraditório e o postulado da proporcionalidade, perfeitamente cabível a aplicação, pelo julgador, das medidas executivas atípicas.

Evidentemente, referido entendimento poderá ser modificado, caso o Supremo Tribunal Federal decida pela inconstitucionalidade do artigo 139, inciso IV, do Código de Processo Civil, ao julgar a ADI 5941, fato esse que será deveras prejudicial aos interesses dos credores lesados por maus pagadores.

 

REFERÊNCIAS:

 ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

BASTOS, Celso. A Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal in Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional. 2a ed. Editor: IBDC. São Paulo. 1999.

 STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADI 5941. Disponível em: https://peticionamento.stf.jus.br/visualizarProcesso/5458217/1. Acesso em 7.9.2022.

STJ. Habeas Corpus nº 45.3870/PR, Primeira Turma, j. 15.8.2019, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho.

STJ. Recurso Especial 1.788.950/MT, j. 26.4.2019, Terceira Turma, rel. Min. Nancy Andrighi.

STJ. Recurso Especial nº 1.929.230/MT, Segunda Turma, j. 1.7.21, rel. Min. Herman Benjamin.

STJ. Recurso Especial nº 1.963.739/MT, Segunda Turma, j. 26.10.2021, rel. Min. Herman Benjamin.

_______________________

[1] REsp 1.929.230/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 1.7.21.

[2] HC 45.3870/PR, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 15.8.2019.

[3] ABELHA, Marcelo. Manual de execução civil. 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 40.

[4] “A Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”, in Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional. 2a ed. Celso Bastos. Editor: IBDC. São Paulo. 1999. p. 72.

 

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