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ArtigosLei Maria da Penha: Avaliando o Papel das Medidas Protetivas de Urgência na Prevenção e Combate à Violência Repetitiva

É reconhecido que a mulher moderna está trilhando um percurso que destaca suas habilidades e capacidades para exercer seus direitos e reivindicar seu espaço na sociedade. No entanto, as estatísticas demonstram que essa mesma mulher continua sendo frequentemente vítima de violência doméstica e familiar, mesmo quando protegida por medidas de amparo.

A Lei Maria da Penha, oficialmente denominada Lei nº 11.340/2006, foi promulgada para efetivar a proteção e prevenção previstas no § 8º do artigo 226 da Constituição Federal. Além disso, ela incorpora os preceitos normativos de alto escalão, conforme interpretado pelo Supremo Tribunal Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.

Para atingir esses objetivos, houve a modificação de três códigos legais fundamentais: o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal, enquanto o legislador desenvolveu um microssistema específico para a aplicação da Lei Maria da Penha.

É relevante observar que somente após o reconhecimento da condenação do Governo Brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, resultando no pagamento de indenização à Sra. Maria da Penha, é que uma legislação foi promulgada para propor medidas efetivas no combate à violência doméstica e familiar.

Com sua aplicação, às mulheres em situação de violência conquistaram o direito e o respaldo do Estado. Quanto à proteção, a lei estabelece medidas de urgência que podem ser requisitadas na delegacia de polícia ou diretamente ao juiz, que tem o prazo de 48 horas para avaliar a concessão da proteção solicitada.

O tema está intrinsecamente ligado à atuação policial e é influenciado por fatores tangíveis e, ao mesmo tempo, por elementos imaginários e invisíveis para a sociedade e o Estado. Especificamente, a eficácia na implementação das Medidas Protetivas de Urgência e a recorrência da violência contra a mulher são pontos de preocupação, pois mesmo quando a vítima está amparada por um conjunto de leis, ela pode não conseguir se proteger ou evitar ser vítima de novos episódios de violência perpetrados por seu parceiro ou familiar.

A proteção fornecida pelo Estado se baseia no sistema de justiça criminal. Apesar dos esforços estatais na prevenção e repressão da violência doméstica e familiar contra a mulher, as estatísticas revelam que essas medidas não têm sido suficientes para reduzir os índices de criminalidade de gênero. A Lei Maria da Penha, implementada em 2006 para enfrentar a violência contra a mulher, aparentemente não teve impacto significativo na redução do número de mortes resultantes desse tipo de agressão nos anos subsequentes à ela, conforme indicado por um estudo do IPEA intitulado “Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil”. Uma nova estimativa sobre as mortes de mulheres devido à violência doméstica foi apresentada, utilizando dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde.

Segundo o estudo, as taxas de mortalidade foram de 5,28 por 100 mil mulheres no período de 2001 a 2006 (antes da implementação da lei) e de 5,22 entre 2007 e 2011 (após a vigência da lei). De acordo com o IPEA, houve apenas um “ligeiro declínio na taxa em 2007, logo após a entrada em vigor da lei”, mas posteriormente a taxa voltou a aumentar. O instituto estima que, no país, teriam ocorrido 5,82 óbitos para cada 100 mil mulheres entre 2009 e 2011.

De acordo com uma análise realizada pelo G1 com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal, o Brasil registrou um aumento de 5% nos casos de feminicídio em 2022 em comparação com 2021. São 1,4 mil mulheres mortas simplesmente por serem mulheres, o que equivale a uma a cada 6 horas, em média. Esse número representa o maior registro de casos no país desde a implementação da lei de feminicídio em 2015. Os dados coletados fazem parte do Monitor da Violência, uma colaboração entre o G1, o Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

É importante esclarecer que a falta de redução no número de mortes por violência doméstica e familiar não implica necessariamente que a Lei Maria da Penha seja ineficaz. As informações derivadas das estatísticas oficiais têm limitações significativas, tanto de natureza teórica quanto técnica, que devem ser levadas em conta para evitar distorções nas interpretações.

A Lei Maria da Penha recebeu reconhecimento da ONU como uma das três melhores legislações do mundo no combate à violência contra as mulheres. Esta lei enfatiza a necessidade de desenvolvimento de políticas pelo poder público. O texto legal estipula a criação de serviços destinados à responsabilização e educação do agressor, encarregados de supervisionar o cumprimento das penas e das decisões judiciais relacionadas aos agressores. Estes serviços devem estar vinculados aos Tribunais de Justiça estaduais e do Distrito Federal, ou às esferas executivas estaduais e municipais, como as Secretarias de Justiça ou órgãos responsáveis pela administração penitenciária.

No entanto, a simples garantia de direitos nos dispositivos legislativos, embora crucial, não é suficiente para assegurar sua efetivação na prática. Para que esses direitos não permaneçam apenas como ideais utópicos, mas sim se tornem realidade através da implementação e da construção de uma sociedade justa, solidária e igualitária, é fundamental contar com a participação e a demanda social, bem como com a sensibilização dos agentes administrativos na formulação e execução de políticas públicas que promovam condições para o pleno exercício da cidadania.

Apesar de representar um avanço inegável, a implementação de algumas políticas públicas ainda está em curso, e há deficiências na sua efetivação, especialmente no âmbito criminal. Isso inclui a falta de Delegacias de Atendimento à Mulher – DEAMs, a necessidade de maior rigor e celeridade na aplicação da legislação penal, a falta de controle e fiscalização judicial e policial na execução das medidas protetivas, e a necessidade de uma estrutura judiciária mais adequada para o atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.

Na Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, tramitava o PL 6.433/13, transformado na Lei Ordinária 13827/2019 que propunha a agilização do deferimento das Medidas Protetivas de Urgência, transferindo essa competência para o delegado de polícia, uma vez que o Judiciário leva em média quatro dias para analisar e deferir. A preocupação central não é apenas o tempo necessário para a concessão das medidas protetivas, mas sim quem será responsável por garantir a proteção efetiva à vítima. O afastamento do agressor do lar e dos filhos menores do casal, assim como a restrição de contato entre eles, é determinado por meio de notificação escrita ao agressor.

Ao analisar esses dados, nota-se a ausência de elementos que possam contribuir para avaliar a eficácia na aplicação das Medidas Protetivas de Urgência. As mortes de mulheres que registraram múltiplas ocorrências policiais e estavam protegidas por essas medidas destacam os desafios na efetividade da Lei Maria da Penha e as falhas na proteção oferecida.

Apesar de as mulheres contemporâneas estarem mais conscientes de seus direitos e menos relutantes em se expor perante a família e a sociedade, há um fator invisível para ambos que as impede de registrar ocorrências: as ameaças veladas feitas pelos agressores. Essas ameaças crônicas deixam as vítimas constantemente em estado de vulnerabilidade, levando-as a buscar ajuda ao longo de períodos prolongados, muitas vezes sem obter qualquer proteção.

Mesmo quando a mulher está amparada pelas medidas protetivas, leva adiante a denúncia de agressão e o autor tem que manter distância da mulher, os casos de violência voltam a se repetir e ficam na dependência da mulher voltar a denunciar, já que não existem outras formas de averiguar. O descumprimento da medida protetiva somente é verificado se a vítima comparecer à delegacia e comunicar o fato. Normalmente o descumprimento vem acompanhado de outro crime e não somente da desobediência judicial.

Os fatores que contribuem para a recorrência dos casos incluem a impunidade, a fragilidade do Estado e a falta de cumprimento da lei. As mulheres que enfrentam a reincidência da violência perpetrada por parceiros atuais ou anteriores geralmente só retornam à delegacia quando se encontram em iminente perigo de sofrer agressões graves ou até mesmo de serem mortas. Isso ocorre devido à descrença no sistema estatal e à dificuldade em provar as ameaças que sofrem. Muitas mulheres continuam a conviver com seus agressores não porque estejam acostumadas com o ciclo de violência ou porque os perdoaram, mas sim porque se sentem desamparadas pelo Estado e não enxergam uma solução eficaz para afastar definitivamente o agressor de suas vidas, a menos que ele decida partir por conta própria.

Não se pode negar que a Lei Maria da Penha representa um avanço social significativo; no entanto, ainda há um longo percurso a ser percorrido para que a violência contra a mulher seja verdadeiramente reduzida.

De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o 5º país com o maior número de feminicídios, ficando atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e da Federação Russa.

Em pouco mais de cinco anos, foram aplicadas 280.062 medidas protetivas, considerando os dados de todas as varas e juizados especializados do país.

É indiscutível que a violência causa danos profundos e duradouros nas mulheres, além de desestruturar a família e perpetuar um ciclo de violência. Os elevados índices de homicídios/feminicídios em nosso país, amparados pela Lei Maria da Penha, evidenciam a insuficiência das Medidas Protetivas de Urgência para prevenir e combater a reincidência da violência contra as mulheres.

Ficou evidente que, mesmo sob a proteção das Medidas Protetivas de Urgência, muitas mulheres continuam sendo vítimas de agressões e homicídios, levantando dúvidas sobre a eficácia dessas medidas e sobre a capacidade do Estado em protegê-las. Observou-se também uma carência de protocolos e padronização nos registros de ocorrências policiais relacionadas à violência doméstica e familiar no país. Atualmente, os dados estão fragmentados e distantes de representar de forma precisa a realidade observada nas delegacias de polícia.

É relevante ressaltar que, embora haja algumas campanhas desenvolvidas pela ONU e pelo Governo Federal, elas são consideradas tímidas e focalizadas em áreas específicas. Essas campanhas deveriam ter um foco maior no agressor, alcançar um público mais amplo e ter um impacto mais significativo. A maioria das políticas públicas de combate à violência contra as mulheres está voltada para o acolhimento e abrigo dessas mulheres após o ocorrido. Existe uma mentalidade arraigada e socialmente institucionalizada que tende a culpar a mulher ou a sugerir que ela contribuiu de alguma forma para a violência que sofreu. Isso justifica a falta de políticas públicas de prevenção que poderiam reduzir e combater a violência contra as mulheres.

Por último, é fundamental que a sociedade global esteja ciente de que as mulheres têm o direito de viver em liberdade, com respeito e dignidade, independentemente de suas escolhas pessoais, profissionais e sociais. Sua integridade física, psicológica e moral deve ser protegida contra todas as formas de violência.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Lei Maria da Penha. Lei nº 11.340/2006. Coibe a violência doméstica e familiar contra a mulher. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para Mulheres / Presidência da República, 2006.

BRASIL. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Convenção de Belém do Pará, 1994.

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BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2013. 114 p.

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.19.

GARCIA, Leila Posenato et al. Violência contra a mulher: feminicidios no Brasil. IPEA, [email protected]. Disponivel em HTTP:/www.correioweb.com.br

LABOISSIÊRE, Mariana. Mudanças para ajudar a vítima. Correio Braziliense. Brasília. V. p. 19. abril. 2014.

SSPDF, Comparativo dos Crimes de Violência Contra a Mulher Segundo a Lei nº 11.340/2006. Estatística nº 03/2014. ASCOM/SSPDF, 2014

WAISELFISZ, Julio Jacobo, Mapa da Violência 2012. Atualização: Homicídio de Mulheres no Brasil. CEBELA. agosto. 2012. www.flacso.gov.br.

 

 

 

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