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ArtigosFacilitando o divórcio: o papel do procedimento extrajudicial na dissolução do casamento

O divórcio é um dos procedimentos pelos quais um casamento é encerrado, rompendo todos os vínculos formados por ele e permitindo que os cônjuges se tornem elegíveis para um novo casamento. Antes da Emenda Constitucional n.º 9 de 1977, o casamento no Brasil era considerado indissolúvel, exceto em casos de anulação ou óbito de um dos cônjuges. O divórcio só era possível após um período de separação judicial prévia, que durava três anos. Com a promulgação da Constituição de 1988, esse período foi reduzido para um ano para a conversão da separação em divórcio, e foi estabelecido o divórcio direto, que ocorre após uma separação de fato por mais de dois anos.

Há muitos anos, em uma época em que as mulheres não possuíam autonomia ou poder de decisão sobre a separação conjugal, bastava a vontade unilateral do marido para dissolver os vínculos matrimoniais. Assim, o abandono ou a expulsão da mulher do lar era o método comum para encerrar o casamento. Por outro lado, no Direito Romano, o casamento era dissolvido pela morte de um dos cônjuges, pela perda do afeto conjugal ou pela incapacidade. Além disso, os estatutos de casamento e divórcio eram frequentemente interligados.

O Cristianismo desempenhou um papel importante na evolução do direito matrimonial, especialmente no que diz respeito à dissolução do casamento. No século XII, a doutrina da indissolubilidade do vínculo conjugal tornou-se mais definida, eliminando completamente a possibilidade de repúdio por parte do marido em relação à esposa. Isso resultou em maiores desafios para a separação do casal, ao mesmo tempo em que surgia a teoria da separação de corpos, que permitia a interrupção da vida em comum sem a possibilidade de contrair novas núpcias, como no caso do desquite, que foi praticado até 1977 no Brasil. Nesse ano, a Emenda Constitucional nº 9/77 introduziu o divórcio no ordenamento jurídico brasileiro, após superar grandes resistências, especialmente por parte da Igreja Católica.

No Brasil, o Decreto n.º 181 de 1890 estabeleceu o casamento civil, que incluía a possibilidade de divórcio canônico, permitindo apenas a separação de corpos sem romper o vínculo matrimonial. Posteriormente, o Código Civil de 1916 previa o desquite como forma de encerrar a sociedade conjugal sem, no entanto, dissolver o referido vínculo. Foi somente com a aprovação da Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977, que o divórcio vincular tornou-se comum no Brasil. Essa emenda alterou o §1º do artigo 175 da Constituição Federal de 1969, estabelecendo o princípio da indissolubilidade do vínculo matrimonial. Posteriormente, a Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977, estabeleceu que o casamento só poderia ser dissolvido nos casos expressos em lei, exigindo prévia separação judicial por mais de três anos.

A regulamentação do divórcio ocorreu por meio da Lei 6.515/77, que revogou os artigos 315 a 328 do Código Civil de 1916, os quais tratavam da dissolução do casamento, substituindo o termo “desquite” por “separação judicial”. Além de disciplinar o divórcio e a separação judicial, essa Lei estabeleceu diversos princípios de Direito de Família e de Sucessões, revogando também outros artigos do Código Civil anterior. No entanto, a técnica legislativa utilizada não foi ideal, pois fragmentou o Código Civil quando poderia ter substituído diretamente seus dispositivos, como fizeram outras legislações ao introduzir o divórcio. É importante ressaltar que a Lei 6.515/77 foi derrogada pelo Código Civil vigente no que diz respeito ao direito material do divórcio e da separação.

O antigo desquite ou a separação judicial não dissolvem a sociedade conjugal, mas também não rompem o vínculo matrimonial. Os cônjuges separados judicialmente ou desquitados permanecem vinculados legalmente, apesar da dissolução da sociedade matrimonial. Vários efeitos do casamento são afetados, enquanto outros sofrem modificações em seu conteúdo. O artigo 3º da Lei 6.615/77 estabelece que a separação judicial do casal, na verdade, apenas encerra a obrigação de viverem juntos sob o mesmo teto e põe fim à fidelidade conjugal, considerando-se também a questão patrimonial de acordo com o regime de casamento, sugerindo que o vínculo matrimonial esteja encerrado.

Em 13 de junho de 2010, o Congresso Nacional promulgou e publicou no Diário Oficial da União, no dia seguinte, o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) do Divórcio, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), que posteriormente foi convertido na Emenda Constitucional n. 66/2010. O texto aprovado alterou o § 6º do art. 226 da Constituição Federal, eliminando a exigência de separação judicial por mais de um ano ou comprovação de separação de fato por mais de dois anos para os cônjuges requererem o divórcio, conforme estabelece o Art. 226, §6º da Constituição Federal de 1988: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.

Por muito tempo, houve uma busca por mudanças no processo de separação e divórcio. Essa mudança finalmente aconteceu e foi sancionada em 4 de janeiro de 2007. Entrando em vigor em 5 de janeiro de 2007, a nova norma permite agora a realização de inventário e partilha, separação e divórcio por meio administrativo. Esse novo dispositivo foi criado para aliviar o congestionamento do judiciário, reduzindo a quantidade de processos e simplificando os procedimentos. A nova Lei visava ajudar os cônjuges que estão separados há bastante tempo, assim como aqueles que já não conseguem mais viver juntos, mas ainda não conseguiram alterar seu estado civil devido à morosidade do judiciário, o que tornava o processo de separação ou divórcio mais doloroso. Para aqueles que já estavam insatisfeitos com a vida conjugal, o novo dispositivo trouxe requisitos claros e ponderados para a aplicação da lei.

Os critérios essenciais para que os cônjuges possam optar pela rapidez da separação ou divórcio por meio de escritura pública estão estabelecidos no Código de Processo Civil, em seu artigo 1.124-A. Além disso, é importante notar que a nova lei impõe restrições claras ao uso desse procedimento. O primeiro requisito é a ausência de filhos menores ou incapazes em comum; caso existam, é necessário recorrer ao processo judicial. Nota-se que o consenso consiste simplesmente no acordo mútuo para efetivamente encerrar o vínculo matrimonial, sem a necessidade de discutir os motivos que levaram a esse desejo, mas sim em concordância em pôr fim à sociedade conjugal.

A opção pela via extrajudicial é uma decisão das partes, que podem, a qualquer momento, optar por utilizar o outro procedimento, abandonando o método anteriormente escolhido. No entanto, não é permitido seguir simultaneamente ambos os métodos. Se as partes desejarem que a separação ou o divórcio seja mantido em sigilo, a via judicial deve ser adotada, pois a escritura pública não oferece esse tipo de proteção. Nesse caso, o artigo 155, II, do Código de Processo Civil, que resguarda os processos judiciais, não se aplica a elas. O procedimento estabelecido pela Lei de Divórcio Extrajudicial é simples: o casal deve contratar um advogado, que irá definir os termos do acordo. Este documento deve conter informações sobre os bens do casal e sua divisão, sendo essa etapa obrigatória.

Se, por algum motivo aceitável, a descrição de algum bem não estiver contida no acordo, é possível então lavrar uma escritura complementar para incluir essa parte da partilha. No entanto, a ausência da cláusula de partilha de bens, segundo a doutrina majoritária, não interfere no acordo de vontades, que permanece válido e eficaz entre as partes. Posteriormente, é totalmente viável realizar a partilha de bens de acordo com a vontade das partes, seja por meio de uma nova escritura pública ou por um processo judicial de partilha.

Quanto aos alimentos devidos e aos nomes dos cônjuges que devem constar no documento anterior ao divórcio, esse termo reflete o acordo de vontades e evidencia o consenso em relação a todos os aspectos relevantes para os interesses dos cônjuges.

Os artigos da Lei nº. 11.441/07 foram bastante concisos para introduzir uma mudança significativa no ordenamento jurídico brasileiro, o que pode resultar em algumas lacunas legais. Devido às divergências na aplicação da Lei, alguns Tribunais estaduais, como o de Minas Gerais, por exemplo, emitiram provimentos estabelecendo regras interpretativas e normas para sua implementação. No entanto, as regras adotadas pelos diferentes Tribunais muitas vezes entravam em conflito umas com as outras, causando incerteza quanto ao uso do procedimento.

Uma das inovações com a promulgação da Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007, que impactou tanto o Direito das Sucessões quanto ao Direito de Família, foi justamente a possibilidade de realizar inventário, partilha e divórcio consensual por meio da chamada via administrativa ou extrajudicial, visando assim uma solução mais rápida e econômica para questões tratadas por essas áreas do direito.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, estabelece que a família é a base da sociedade, cabendo ao Estado o dever de protegê-la de forma especial. Além disso, o artigo prevê o caráter civil e gratuito do casamento, a validade civil do casamento religioso, a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres na sociedade conjugal, a possibilidade de dissolução do casamento civil por meio da separação judicial e do divórcio, a liberdade de planejamento familiar fundamentada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, bem como a assistência à família por parte de cada um de seus integrantes. Adicionalmente, a Constituição estabelece a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres no âmbito da sociedade conjugal e prevê mecanismos para combater a violência nas relações intrafamiliares, além de descrever a estruturação familiar.

Com a implementação dessa norma, é correto afirmar que o sistema judiciário brasileiro melhorou consideravelmente, visto que estava sobrecarregado. As demandas nas Varas de Famílias e Sucessões, especialmente no que se refere ao divórcio, mesmo quando consensual, eram muito numerosas. A expectativa com a introdução desse novo dispositivo é aliviar a carga desses órgãos. Atualmente, é comum encontrar casais que estão apenas separados há anos, mesmo que não tenham filhos menores, bens em comum ou qualquer impedimento para o divórcio. No entanto, devido à burocracia e à demora do processo de divórcio, eles optam por permanecer apenas separados. Isso reflete o desejo profundo da sociedade por um procedimento simplificado que encerre a vida conjugal sem demora.

A Lei nº 11.441/2007 não só beneficiou o judiciário ao simplificar e tornar mais eficaz o processo, mas também proporcionou o alívio tão desejado para aqueles que precisam utilizá-la. As antigas complicações e prazos associados ao divórcio foram eliminados, desde que todos os requisitos necessários sejam observados. As partes podem solicitar o divórcio a qualquer momento, sem a necessidade de esperar por um período específico, sem precisar fornecer justificativas e sem enfrentar qualquer dificuldade.

A eficácia da Lei é evidente, pois o judiciário brasileiro deu um passo extremamente significativo com sua introdução. O legislador foi cuidadoso ao atender a um anseio da sociedade que já existia há muitos anos.

Por fim, cabe atualizar: a “Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil”, instalada no Senado Federal, já apresentou seu relatório final e tem como uma das proposições o chamado “divórcio unilateral”, no qual um cônjuge poderá requerer a averbação do divórcio no Cartório do Registro Civil em que lançado o assento de casamento, demonstrado que o procedimento pode ser ainda mais facilitado, sem a necessidade de atuação conjunta dos cônjuges para dar início ao divórcio – o que é fruto justamente da eficácia do procedimento extrajudicial tratado neste artigo.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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