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ArtigosDos desdobramentos decorrentes da intervenção estatal na campanha publicitária do Banco do Brasil

Nas últimas semanas, a imprensa noticiou que, por meio de veto presidencial, a campanha publicitária do Banco do Brasil denominada “Selfie” foi retirada do ar, sendo que a peça publicitária era estrelada por atores e atrizes negros, tatuados, com cabelos coloridos e uma personagem transexual.

Em um primeiro momento, a Secretaria Especial de Comunicação Social veio a orientar às Empresas Estatais a submeterem previamente toda a sua publicidade à avaliação da própria Secretaria. Após grande repercussão, a Secom emitiu nova nota, informando que não iria intervir na comunicação das estatais, sob alegação de que não cabia à Administração Direta em intervir no conteúdo da publicidade estritamente mercadológica das empresas estatais.

Por outro lado, o Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul ajuizou Ação Civil Pública em face da União e do Banco do Brasil, requerendo, em suma, que o filme publicitário fosse novamente veiculado, sendo que foi estipulado o valor de R$ 51 milhões (cinquenta e um milhões) para a causa, por dano moral coletivo, em razão de que houve afronta à Constituição Federal de 1988, que veda o preconceito com base em raça ou de orientação sexual e de identidade de gênero.

Embora o fim Estatal esteja dirigido ao fim do interesse público propriamente dito, era imprescindível que a intervenção governamental estivesse atrelada as disposições estatuídas na Lei nº 13.303 de 30 de junho de 2016 e aos artigos 3º, VIII e 5º, XLII, ambos da Constituição Federal de 1988, tendo em vista a efetiva possibilidade de ocorrer grandes prejuízos nas atividades oriundas das sociedades de economia mistas.

Convém destacar que a criação das sociedades de economia mista dirige-se ao pressuposto inerente do conhecido movimento de descentralização, sendo este totalmente criado em razão da necessidade de atribuir uma tarefa administrativa a outra pessoa jurídica, distinta, para que esta possa executar o serviço com autonomia, não estando subordinada àquela pessoa jurídica que descentralizou a tarefa.

Nessa perspectiva, por outorga, a Administração Direta transfere a titularidade e a execução dos serviços para a entidade da administração indireta criada, ao qual por si só é dotada de personalidade jurídica própria.

No presente caso, sobre o ponto de vista jurídico, é sabido que a Administração Direta erroneamente veio a intervir em serviços de titularidade da administração indireta, posto que não caberia à Administração Direta, em regra, a intervir em tal esboço fático.

De um lado, temos que Administração Direta tende a prestar a atividade administrativa de forma centralizada e com subordinação hierárquica entre eles, do outro, é conhecido que a Administração Indireta possui patrimônio, pessoal exclusivo, ao qual possui plena competência para desempenhar uma função administrativa em nome próprio.

Aliás, vejamos neste sentido o teor do artigo 4º, inciso II e do artigo 10º, caput, ambos do Decreto Lei nº 200 de 25 de fevereiro de 1967:

Art. 4° A Administração Federal compreende:

II – A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria:

  1. Autarquias;
  2. Empresas Públicas;
  3. Sociedades de Economia
  4. fundações públicas.

Parágrafo único. As entidades compreendidas na Administração Indireta vinculam-se ao Ministério em cuja área de competência estiver enquadrada sua principal atividade.

Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.

Em outras palavras, somente caberia ao Governo de intervir no filme publicitário veiculado pela entidade (Banco do Brasil), se ao menos estivéssemos tratando das situações excepcionais ora elencadas no artigo 173, caput, da Constituição Federal de 1988.

Pois bem, após o advento da conhecida Lei das Estatais (nº 13.303/2016), as sociedades de economia mista adotaram uma atuação mais eficiente, de forma menos burocratizada, na medida em que houve a concretização dos princípios basilares anteriormente predefinidos no objeto da Administração Pública.

Em síntese, a Lei nº 13.303/2016 estabeleceu as normas próprias para as entidades estatais vinculadas a administração indireta, dado que o esboço legislativo se dirige a independência jurídica outorgada a tais entidades.

Com efeito, a inovação legislativa enfatizou as regras de fiscalização e transparência na governança corporativa, com o intuito de evitar maiores conflitos de interesses e para permitir o maior controle das decisões estratégicas.

Pretendendo dar efetividade à garantia autônoma, o artigo 173 da Constituição Federal, assim dispõe:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

Nesse rumo, os artigos 8º e 9º foram elaborados com o objetivo de resguardar o interesse público elencado pelo Estado, de modo que houve a preservação dos princípios da supremacia do interesse público, bem como da moralidade administrativa, que estabelece os bons costumes como regra da Administração Pública.

Vejamos abaixo o teor do artigo 9º da Lei nº 13.303/16:

Art. 9º A empresa pública e a sociedade de economia mista adotarão regras de estruturas e práticas de gestão de riscos e controle interno que abranjam:

I – ação dos administradores e empregados, por meio da implementação cotidiana de práticas de controle interno;

II- área responsável pela verificação de cumprimento de obrigações e de gestão de riscos;

III- auditoria interna e Comitê de Auditoria Estatutário.

§ 1º Deverá ser elaborado e divulgado Código de Conduta e Integridade, que disponha sobre:

I-  princípios, valores e missão da empresa pública e da sociedade de economia mista, bem como orientações sobre a prevenção de conflito de interesses e vedação de atos de corrupção e fraude;

II- instâncias internas responsáveis pela atualização e aplicação do Código de Conduta e Integridade;

III- canal de denúncias que possibilite o recebimento de denúncias internas e externas relativas ao descumprimento do Código de Conduta e Integridade e das demais normas internas de ética e obrigacionais;

IV- mecanismos de proteção que impeçam qualquer espécie de retaliação a pessoa que utilize o canal de denúncias;

V- sanções aplicáveis em caso de violação às regras do Código de Conduta e Integridade;

VI- previsão de treinamento periódico, no mínimo anual, sobre Código de Conduta e Integridade, a empregados e administradores, e sobre a política de gestão de riscos, a

§ 2º A área responsável pela verificação de cumprimento de obrigações e de gestão de riscos deverá ser vinculada ao diretor-presidente e liderada por diretor estatutário, devendo o estatuto social prever as atribuições da área, bem como estabelecer mecanismos que assegurem atuação independente.

Em perfeita analogia, podemos citar o artigo 27 da Lei nº 13.303/16, que dispõe sobre a função social das sociedades de economia mista.

Art. 27. A empresa pública e a sociedade de economia mista terão a função social de realização do interesse coletivo ou de atendimento a imperativo da segurança nacional expressa no instrumento de autorização legal para a sua criação.

Partindo da premissa de autonomia das sociedades de economia mista, é importante ressaltar que o simples descontentamento com o filme publicitário do Banco do Brasil veio a causar grande desconforto a tais entidades, pois, era ao menos esperado que o ilustre Comandante Estatal observasse que não houve afronta aos bons costumes e nem ao interesse público em todo o filme publicitário.

A partir destas disposições, a Administração Direta não possuía legitimidade para intervir no veto do filme veiculado pela WMccan para o Banco do Brasil, tanto em razão da ausência de disposição legal permissiva para assegurar ao Governo a atuação direta, quanto pela falta de qualquer situação excepcional que justificasse tal intervenção.

De outro modo, como se observa, o veto presidencial sobre o filme criado pela WMCcann para o Banco do Brasil foi maculado de vícios sob a ótica jurídica, isto porque as sociedades de economia mista são dotadas de personalidade jurídica própria e são abrangidas pela Lei nº 13.303/16, que expõe de forma clara que não cabe, por via de regra, à Administração Direta de intervir na atuação dos filmes publicitários das sociedades de economia mista.

Em verdade, temos que os desdobramentos decorrentes do veto governamental ao filme do Banco foram ocasionados pela falta de observância dos ditames da Lei das Estatais, pois, conforme já dito alhures, é sabido que não caberia à Administração Direta de intervir no conteúdo da publicidade mercadológica das empresas estatais.

Desta forma, com o intuito de evitar maiores incertezas no âmbito da segurança jurídica das entidades, é imprescindível que futuras medidas governamentais sejam anteriormente analisadas sob o ponto de vista legal, para que não ocorra novamente a redução ou supressão de autonomia conferida por lei.

Bibliografia

BRASIL. Decreto nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências.

BRASIL. Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016. Dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

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