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ArtigosDestinar verba da publicidade oficial à saúde atende aos princípios constitucionais?

Recentemente, a imprensa noticiou que, por decisão judicial, a União está obrigada a empregar as verbas da publicidade oficial para fornecer remédio de alto custo a uma jovem de 22 anos portadora de doença rara.

Em que pese o debate no meio jurídico sobre o assunto implique em interpretações que convergem para posicionamentos bastante discrepantes, no âmbito da justiça brasileira tem-se apresentado decisões que, reiteradamente, determinam a alocação de verbas menos prioritárias para áreas essenciais da vida humana.

No caso noticiado pela mídia, a decisão inicial foi proferida em liminar pelo Juiz Federal Paulo Marcos Rodrigues, de Guarulhos, em 2015. A Advocacia Geral da União recorreu da sentença. O desembargador do Tribunal Regional Federal, Johonsom di Salvo, em São Paulo, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão de primeira instância.

Na decisão, reconheceu-se que os recursos do Sistema Único de Saúde – SUS não são infinitos, mantendo-se a proibição de que sejam usados para a compra de drogas caras e sem aprovação da ANVISA, mas abre a possibilidade de buscar verbas em outras áreas.

Fundamentando-se no fato de que cabe aos juízes reconhecer a compatibilidade de atos administrativos e de leis com a Constituição Federal, o desembargador decidiu que a prioridade deverá ser da saúde pública, enquanto houver necessidade urgentíssima nesta área.

Este tema não é pacífico no Judiciário. Há posicionamento que não admite o bloqueio de verba de publicidade e sua consequente alteração de sua destinação, sob o fundamento de violação ao Princípio da Separação do Poderes, previsto no artigo 2o da Constituição Federal. Argumenta-se, nesta linha, que o Poder Judiciário, por meio de suas decisões, não poderá interferir na alocação orçamentária do Poder Executivo.

O caput do artigo 5o da Carta Magna assegura aos cidadãos o direito à vida e à saúde como garantias fundamentais. Mais a frente, o texto constitucional determina que

“a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (art. 196, Constituição Federal).

Pretendendo dar efetividade à garantia, o artigo 198 da Lei Maior estabelece diretrizes de organização para a saúde, contemplando o provimento de recursos financeiros:

“as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III – participação da comunidade.

§ 1o O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.”

A Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências, estabelece:

Art. 2o A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1o O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

A partir destas disposições, pode-se concluir que o Estado, em suas esferas (União, estados, Distrito Federal e municípios) deve angariar recursos financeiros para assegurar aos hipossuficientes a assistência integral à saúde, adotando, inclusive, as providências necessárias ao tratamento e cura de moléstia, especialmente, as mais graves.

Deve-se afirmar que, em face da omissão estatal, cabe ao Poder Judiciário ordenar o cumprimento da prestação do serviço de saúde ao cidadão que está diante do direito subjetivo.

Mas, qual seria o limite da “judicialização” do direito à saúde? Até onde o Poder Judiciário poderá interferir na alocação orçamentária do Poder Executivo? Não estaria o primeiro infringindo o Princípio da Separação dos Poderes?

Há quem afirme que este limite é definido pela quantidade de recursos financeiros que deverá ser destinado ao atendimento de determinado indivíduo, tendo em vista que este direito deve ser afiançado por meio de ações voltadas à coletividade. Esta restrição financeira limitaria o Poder Judiciário de garantir a prestação social, com base no conhecido Princípio da Reserva do Possível. Pelo

princípio, as decisões judiciais que ensejam custos ao Estado devem ser condicionadas à existência de recursos financeiros necessários ao atendimento.

Diante destas premissas, elevamos a discussão a um novo aspecto: o binômio necessidade/possibilidade. Sabe-se que as constituições modernas, inclusive a do Brasil, tendem a promover primordialmente garantias e direitos aos seus jurisdicionados como os da dignidade da pessoa humana, do seu bem-estar, e demais direitos individuais e coletivos necessários a subsistência do homem. Estando bem definidas as necessidades deles decorrentes, definem-se também as prioridades dos gastos públicos. Como se vê, o mínimo necessário à subsistência humana deve estar associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias. Somente desta forma, o Princípio do Mínimo Existencial poderá conviver harmonicamente com o Princípio da Reserva do Possível.

No meio jurídico, outros limites têm sido mencionados para a “judicialização” da saúde: o princípio constitucional da Reserva da Lei Formal, que veda a atuação do juiz como legislador positivo; o controle da discricionariedade administrativa, que deve ser realizada pelo Poder Judiciário apenas mediante um juízo de legalidade; a necessidade de previsão orçamentária no campo das políticas públicas e o Princípio da Proporcionalidade.

O Princípio da Proporcionalidade merece destaque, posto que é primordial para atestar a validade material dos atos do Poder Executivo e do Poder Legislativo que limitem direitos e garantias fundamentais. Ao mesmo tempo, um ato do Poder Judiciário que objetive dar efetividade a um direito ou garantia fundamental, também deve ser necessário, adequado e proporcional.

Mesmo diante das limitações, magistrados brasileiros vêm realizando uma análise calorosa do caso concreto pelo conhecimento do direito individual e conseqüentemente, pela imposição da prestação do serviço de saúde consubstanciando em decisões que se distanciam das necessidades coletivas. Isto tem gerado reiterados conflitos entre os Poderes Executivo e Judiciário. Em muitos casos, a

Administração pública se vê obrigada a retirar recursos de outras áreas para cumprir a decisão judicial.

Note-se, portanto, que a “judicialização” da saúde revela uma série de desdobramentos: levanta discussões sobre o Princípio da Separação dos Poderes, aguça as ponderações relacionados à colisão de direitos fundamentais e implica na mudança de comportamento dos governos em relação aos governados.

Contudo, uma certeza permanece: a necessidade de se promover a melhoria da eficácia das políticas públicas para que contemplem a universalidade, a racionalidade e a isonomia na prestação dos serviços públicos de saúde. Se assim o fosse, o cidadão se sentiria realizado em seus direitos e a necessidade da atuação do Poder Judiciário se restringiria consideravelmente.

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