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ArtigosDespachos com conteúdo decisório são passíveis de recurso

Conforme dispõe o Código de Processo Civil (Lei Federal nº 13.105/2015):

Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

§1º Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução.

§2º Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1º.

§3º São despachos todos os demais pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte.

§4º Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessário.

A principal diferença prática entre as modalidades acima consiste nos diferentes recursos cabíveis de serem interpostos contra cada um dos pronunciamentos do órgão jurisdicional. Em suma, segundo previsto nos dispositivos do Código de Processo Civil: contra a sentença cabe o recurso de apelação, nos moldes do art. 1.009, contra as decisões interlocutórias cabe o recurso de agravo de instrumento, conforme art. 1.015 observando a tese da taxatividade mitigada consagrada no Tema Repetitivo nº 988, no ramo de direito processual civil e do trabalho, do Superior Tribunal de Justiça – STJ, e, por fim, nos termos do art. 1.001: “Dos despachos não cabe recurso”.

Ocorre que é mais comum do que deveria observar provimentos jurisdicionais com conteúdo decisório sob a terminologia de despachos, embora eles não sejam próprios para tanto. A partir do princípio da instrumentalidade das formas, a mera terminologia do pronunciamento não afeta o conteúdo em si, contudo, haja vista o dispositivo do art. 1.001 do Código de Processo Civil, acima, a utilização equivocada do despacho pode, sim, resultar em prejuízos às partes, qual seja: obstar o exercício do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Sendo assim, é importante compreender a finalidade dos despachos, a fim de impedir que a sua utilização equivocada resulte em prejuízos às partes, principalmente por meio da compreensão de que o despacho não deve possuir conteúdo decisório, vez que o art. 203, § 2º, do Código de Processo Civil determina que será chamada de decisão interlocutória todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre como sentença, isto é, não ponha fim à fase cognitiva do procedimento comum, com base nos arts. 485 e 487 do diploma processual, ou extingue a execução com fulcro no art. 924 do Código de Processo Civil.

Segundo o jurista Cassio Scarpinella Bueno, a definição do despacho dada pelo art. 203, § 3º, do Código de Processo Civil “impõe a conclusão de que só podem ser os que não têm conteúdo decisório, independentemente de eles serem praticados de ofício ou em resposta a algum requerimento” (BUENO, 2023. Pág.: 362). O magistrado Alexandre Freitas Câmara, em consonância, leciona que “despachos são os pronunciamentos judiciais destituídos de qualquer conteúdo ou decisório, como o ato que determina a remessa dos autos ao contabilista judicial, ou o que determina a emenda da petição inicial” (CÂMARA, 2023. Pág.: 276).

Por outro lado, reconhecendo a possibilidade de confusão na terminologia dada ao pronunciamento judicial, o processualista Humberto Theodoro Júnior, após apontar exemplos de despachos ordinatórios, a saber: o recebimento da contestação, o que abre vista às partes, o que designa data para audiência e o que determina a intimação dos peritos e testemunhas, ressalta:

É importante distinguir entre despacho e decisão, porque do primeiro nunca cabe recurso algum (CPC/2015, art. 1.001), enquanto desta cabe impugnação por meio de agravo ou de preliminar de apelação (arts. 1.009, § 1º, e 1.015).

Para tanto, devem-se considerar despachos de mero expediente (ou apenas despachos) os que visem unicamente à realização do impulso processual, sem causar nenhum dano ao direito ou interesse das partes. “Caso, porém, ultrapassem esse limite e acarretem ônus ou afetem direitos, causando algum dano (máxime se irreparável), deixarão de ser de mero expediente e ensejarão recurso”. Configurarão, na realidade, não despachos, mas verdadeiras decisões interlocutórias. (JÚNIOR, 2024. Pág.: 486).

A inteligência do art. 1.001 do diploma processual não foi violada. Pelo contrário, as linhas traçadas acima demonstram que a mera nomeação do pronunciamento judicial não afasta a necessidade de avaliar o conteúdo do provimento jurisdicional. Até mesmo porque na prática jurídica é possível encontrar, eventualmente, sentenças nomeadas de decisão, seja resultado da altíssima demanda enfrentada pelos órgãos jurisdicionais seja por mero descuido da equipe. Por isso, assim como é importante compreender os elementos da sentença, a exemplo da característica extintiva do pronunciamento judicial, é imperioso conhecer os limites do despacho e, assim, a configuração do conteúdo decisório que deveria estar sob a denominação de decisão interlocutória.

Antes de apresentar brevemente como é possível analisar se o despacho possui cunho decisório, insta expor o entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no sentido de que: “Independentemente do nome que se dê ao provimento jurisdicional, é importante deixar claro que, para que ele seja recorrível, basta que possua algum conteúdo decisório capaz de gerar prejuízo às partes” (REsp n. 1.219.082/GO, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/4/2013, DJe de 10/4/2013). Apesar deste trecho ser referente ao julgamento feito em 2013, sob a égide do Código de Processo Civil de 1973 (Lei Federal nº 5.869/1973), conforme seguem julgados mais recentes abaixo, a mesma inteligência se aplica ao Código de Processo Civil de 2015, considerando, diga-se, a replicação do § 3º, do art. 162, do diploma processual pretérito, no § 3º, do art. 203, do texto atual, exceto pela exclusão do “a cujo respeito a lei não estabelece outra forma” e pela modificação de “atos do juiz praticados no processo” por “pronunciamentos do juiz praticados no processo”, mantendo, portanto, a mesma essência do que seriam os despachos.

Confira os seguintes trechos dos julgados recentes da Corte Cidadã:

[…] 2. Para fins de aferir-se o cabimento de agravo de instrumento, independentemente do nome do provimento jurisdicional recorrido, basta que este possua algum conteúdo decisório capaz de gerar prejuízo à parte. 3. No caso, a decisão agravada tem manifesto conteúdo decisório, com repercussão, inclusive, econômica sobre a parte, ao determinar ao Registro de Imóveis competente que se abstenha de promover qualquer ato tendente à consolidação da propriedade de determinado bem imóvel em nome do agravante e que, na hipótese de já ter promovido a pretendida consolidação, que a torne sem efeito, em decorrência de manifesto descumprimento de ordem judicial pelo banco recorrente ao promover a instauração de procedimento de consolidação da propriedade, mesmo ciente da sentença de fls.1136-1139. […] (AgInt no AREsp n. 1.683.603/AL, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 13/6/2022, DJe de 29/6/2022.)

[…] 1. Nos termos do entendimento do STJ, para que determinado pronunciamento jurisdicional seja recorrível, deve possuir algum conteúdo decisório capaz de gerar prejuízo às partes. Precedentes. 2. Na hipótese, o pronunciamento judicial impugnado por meio de agravo de instrumento possui carga decisória, não se tratando de despacho irrecorrível. […] (AgInt no AREsp n. 460.320/RS, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 14/3/2022, DJe de 21/3/2022.)

[…] 1. Segundo a jurisprudência desta Corte, “a participação no julgamento em segundo grau do magistrado que atuou na instância inicial só gera impedimento se o julgador proferiu atos com natureza decisória. Despachos meramente ordinatórios, em que o juiz não se vincula a qualquer tese minimamente influenciadora do resultado da causa, não possuem esse condão” (REsp n. 1.378.952/RJ, Relator Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 8/5/2018, DJe 14/5/2018). 2. No caso, inafastável o impedimento do magistrado por infringência do art. 134, III, do CPC/1973, pois foi proferido ato com conteúdo decisório. […] (AgInt no REsp n. 1.606.855/MG, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 15/10/2019, DJe de 17/10/2019.)

[…] 1. O despacho que determina o recolhimento de custas, com alerta de sanção pelo descumprimento, tem conteúdo decisório e possibilidade de causar lesão à parte, de modo que, na vigência do CPC/73, deveria ser impugnado por meio de agravo de instrumento. Precedentes. […] (AgInt no AREsp n. 613.641/SP, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 11/9/2018, DJe de 3/10/2018.)

[…] 2. Na hipótese, evidente que a determinação judicial de suspensão do processo executivo nos próprios autos da ação de título executivo extrajudicial, obstaculizando de forma inconteste qualquer ato constritivo (e-STJ, fl. 828), ocasionou gravame à parte executada, de modo que o referido ato tem natureza de decisão interlocutória, logo, era passível de ser reformado por meio de agravo de instrumento. […] (AgInt no AREsp n. 1.120.777/PR, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 15/5/2018, DJe de 24/5/2018.)

Vale ressaltar o entendimento de que despachos que (i) acolhem a prevenção; (ii) incluem, ou não, o feito em sessão de julgamento virtual; (iii) intima a parte recorrente para realizar o recolhimento do preparo; (iv) intima a parte recorrente para realizar a regularização da representação processual; (v) determina a apresentação de quesitos para aferir a pertinência da prova pericial; (vi) arbitra honorários periciais; (vii) solicita informações; e (viii) determina às partes a especificação das provas que, eventualmente, pretendem produzir, dentre muitas outras hipóteses que podem ser depreendidas da inteligência acima, respectivamente: AgInt nos EDcl na TutPrv no AREsp n. 2.383.870/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 9/10/2023, DJe de 16/10/2023; AgRg na PET nos EDcl no AgRg no RE nos EDcl no AgRg nos EAREsp n. 1.551.221/SP, relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 26/9/2023, DJe de 29/9/2023; AgInt no AREsp n. 2.210.973/GO, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 8/5/2023, DJe de 19/5/2023; RCD no REsp n. 1.922.802/TO, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 22/8/2022, DJe de 29/8/2022; AgInt no AREsp n. 1.887.101/RJ, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 14/2/2022, DJe de 22/2/2022; AgInt no AREsp n. 1.935.537/RJ, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 6/12/2021, DJe de 9/12/2021; AgRg no HC n. 650.620/MG, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 24/8/2021, DJe de 2/9/2021; e AgInt no RMS n. 62.555/RJ, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 10/8/2020, DJe de 17/8/2020.

Em suma, pode-se dizer que: “A doutrina e a jurisprudência compreendem que a recorribilidade dos despachos é excepcional e exige a comprovação de conteúdo decisório em concreto com capacidade de prejudicar as partes” (AgInt no REsp n. 1.953.246/DF, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 19/4/2022, DJe de 6/5/2022).

A comprovação pode ser realizada por meio da caracterização do conteúdo decisório comparado aos incisos do art. 1.015, do Código de Processo Civil, a exemplo de eventual despacho que, equivocadamente, defere ou indefere o pedido de gratuidade de justiça, admite ou inadmite intervenção de terceiros no processo, redistribui o ônus da prova, excluiu litisconsorte, dentre outras. Caso contrário, conforme indica a tese da taxatividade mitigada, a partir da comprovação de que o conteúdo do despacho gera prejuízo à parte, exigindo que a mesma, em caráter de urgência, insurja contra o provimento jurisdicional, a fim de reformá-lo, por exemplo, o caso acima transcrito em que a parte foi intimada para promover o recolhimento de custas, advertida que haverá sanção pelo descumprimento, exigindo, assim, que sejam adotadas medidas antes que a sanção ocorra.

A oposição de embargos de declaração, diretos ou indiretos, a partir da mera advertência de que o conteúdo incorre na configuração dos elementos, especialmente do erro material na denominação do pronunciamento judicial, pode ser uma forma de sanar a irregularidade do despacho antes que sejam adotadas as medidas cabíveis. Entretanto, a depender do conteúdo decisório, a exemplo da recondução de determinado sujeito à administração da empresa, conforme foi objeto de análise do AgInt no AREsp 460320 / RS, acima, a interposição de recurso é improrrogável.

Diante disso, conclui-se ser possível existir despachos com conteúdo decisório, viabilizando a interposição de recursos próprios em face do prejuízo que a natureza decisória do pronunciamento judicial pode resultar nas partes. Contudo, é necessário avaliar o conteúdo face aos precedentes mencionados acima e passíveis de serem encontrados, a fim de impedir a insurgência desnecessária. O que deve ser objeto central de análise é dispositivo do despacho, os elementos da decisão interlocutória e o possível dano resultante na urgência que tal anomalia pode resultar.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei Federal nº 13.105, de 16 de março de 2015.

JÚNIOR, Humberto T. Curso de Direito Processual Civil. v. I. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2024.

BUENO, Cassio S. Curso sistematizado de direto processual civil: teoria geral do direito processual civil – parte geral do código de processo civil. v.1. São Paulo: Editora Saraiva, 2023.

CÂMARA, Alexandre F. Manual de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2023.

REsp n. 1.219.082/GO, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/4/2013, DJe de 10/4/2013.

AgInt no AREsp n. 1.683.603/AL, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 13/6/2022, DJe de 29/6/2022.

AgInt no AREsp n. 460.320/RS, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 14/3/2022, DJe de 21/3/2022.

AgInt no REsp n. 1.606.855/MG, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 15/10/2019, DJe de 17/10/2019.

AgInt no AREsp n. 613.641/SP, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 11/9/2018, DJe de 3/10/2018.

AgInt no AREsp n. 1.120.777/PR, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 15/5/2018, DJe de 24/5/2018.

AgInt nos EDcl na TutPrv no AREsp n. 2.383.870/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 9/10/2023, DJe de 16/10/2023.

AgRg na PET nos EDcl no AgRg no RE nos EDcl no AgRg nos EAREsp n. 1.551.221/SP, relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 26/9/2023, DJe de 29/9/2023.

AgInt no AREsp n. 2.210.973/GO, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 8/5/2023, DJe de 19/5/2023.

RCD no REsp n. 1.922.802/TO, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 22/8/2022, DJe de 29/8/2022.

AgInt no AREsp n. 1.887.101/RJ, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 14/2/2022, DJe de 22/2/2022.

AgInt no AREsp n. 1.935.537/RJ, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 6/12/2021, DJe de 9/12/2021.

AgRg no HC n. 650.620/MG, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 24/8/2021, DJe de 2/9/2021.

AgInt no RMS n. 62.555/RJ, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 10/8/2020, DJe de 17/8/2020.

AgInt no REsp n. 1.953.246/DF, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 19/4/2022, DJe de 6/5/2022.

 

 

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