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ArtigosA responsabilidade civil direta e objetiva do Estado pelos danos causados a terceiros em decorrência da atividade notarial

  1. Introdução

O presente artigo abordará o entendimento adotado pelo Superior Tribunal Federal ao fixar o tema nº 777, de repercussão geral, Leading Case RE 842846, no sentido de que há responsabilidade direta e objetiva do Estado pelos danos causados a terceiros em decorrência da atividade notarial, cabendo o direito de regresso contra o causador do dano em caso de dolo ou culpa.

Restará demonstrado que os tabeliães e oficiais de registros exercem suas atividades por delegação do Poder Público agindo, portanto, em nome do Estado, razão pela qual ao causarem danos a terceiros será cabível a responsabilização direta e objetiva do ente estatal.

 

  1. O regime jurídico dos notários e registradores

Notários e registradores oficiais são particulares em colaboração com o poder público que exercem suas atividades in nomine do Estado, com lastro em delegação prescrita expressamente no texto constitucional (art. 236, CRFB/88).

A análise da natureza jurídica da delegação envolve a delimitação das diretrizes fundamentais estabelecidas pelo texto constitucional, que assim estabelece:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

Nas lições de Luis Paulo Aliende Ribeiro[1], do texto constitucional se extraem quatro diretrizes básicas:

I. A natureza pública da função notarial e de registro e a imperatividade de sua delegação pelo Poder Público ao particular para seu exercício em caráter privado.

II. A necessidade de lei para regular as atividades, disciplinar as responsabilidades civil e criminal dos notários, oficiais de registro e seus prepostos, definir a fiscalização dos seus atos pelo Poder Judiciário, assim como a necessidade de lei federal para estabelecer normas gerais sobre emolumentos.

III. O ingresso na atividade mediante concurso público de provas e títulos.

IV. A impossibilidade de que qualquer unidade fique vaga, sem abertura de concurso, por mais de seis meses.

Ainda, de acordo com Maureci M. Velter Junior[2], os serviços notariais e registrais são obrigatoriamente transferidos a pessoas físicas por meio de delegação, estabelecendo um vínculo original e personalíssimo entre o Poder Público e o delegatário. As serventias notariais e registrais, conhecidas como “cartórios”, são meramente instituições administrativas, vinculadas à pessoa física do delegatário. O titular exerce o serviço em seu próprio nome, sem que a serventia possua personalidade jurídica. Acrescenta o autor que a delegação não é passível de negociação ou transferência, sendo conferida diretamente pelo Poder Público com base em condições pessoais específicas do delegatário.

Destaca-se que à vista da natureza estatal das funções que exercem, as figuras dos tabeliães e registradores oficiais se amoldam à categoria ampla de agentes públicos. Na esteira das lições de Celso Antônio Bandeira de Mello[3], os agentes públicos são todos aqueles que exercem funções estatais, podendo ser classificados em agentes políticos, servidores públicos ou particulares em colaboração com o Poder Público. Consoante destacado pelo mencionado autor, nesta última categoria estão incluídos os tabeliães e registradores oficiais, os quais, sem perderem sua qualidade de particulares, exercem função tipicamente pública.

Nessa perspectiva, considerando que i) os titulares das serventias de notas e registros exercem função de natureza pública; ii) o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos; e iii) os atos desses agentes estão sujeitos à fiscalização pelo ente estatal, os notários e os oficiais registradores são considerados agentes públicos, que exercem suas atividades in nomine do Estado.

Ressalta-se que a capacidade de conferir fé pública, o caráter de imperium inerente à função e a explícita designação constitucional como uma delegação do Poder Público destacam que a atividade em questão é de natureza pública. Como tal, ela gera atos administrativos dotados de todos os atributos e sujeitos aos requisitos do direito administrativo[4].

 

  1. O tema nº 777 do Superior Tribunal Federal

Tendo em vista que o Estado responde diretamente pelos atos dos seus agentes, impõe-se a responsabilidade estatal direta pelos atos de tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causarem danos a terceiros.

Esse é o entendimento adotado pelo Superior Tribunal Federal ao fixar o tema nº 777, de repercussão geral, Leading Case RE 842846, assentando o entendimento de que há responsabilidade direta e objetiva do Estado pelos danos causados a terceiros em decorrência da atividade notarial, cabendo o direito de regresso contra o causador do dano em caso de dolo ou culpa, nos termos da ementa abaixo transcrita:

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DANO MATERIAL. ATOS E OMISSÕES DANOSAS DE NOTÁRIOS E REGISTRADORES. TEMA 777. ATIVIDADE DELEGADA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO DELEGATÁRIO E DO ESTADO EM DECORRÊNCIA DE DANOS CAUSADOS A TERCEIROS POR TABELIÃES E OFICIAIS DE REGISTRO NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. ART. 236, §1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO PELOS ATOS DE TABELIÃES E REGISTRADORES OFICIAIS QUE, NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES, CAUSEM DANOS A TERCEIROS, ASSEGURADO O DIREITO DE REGRESSO CONTRA O RESPONSÁVEL NOS CASOS DE DOLO OU CULPA. POSSIBILIDADE.

Nos termos do voto do Ministro Relator Luiz Fux, a atividade exercida por tabeliães e registradores oficiais é munida de fé pública e destina-se a conferir autenticidade, publicidade, segurança e eficácia às declarações de vontade. Acrescenta o I. Ministro que os serviços notariais e de registro são atividades jurídicas próprias do Estado, amoldando-se à categoria ampla de agentes públicos, de modo a sofrer incidências do regime jurídico de direito público.

Nesse prisma, uma vez que o Estado responde diretamente pelos atos dos seus agentes, há de ser reconhecida a responsabilidade estatal direta pelos atos de tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causarem danos a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa.

Por fim, o Relator ainda tece considerações sobre a impossibilidade de equiparação entre notários e pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, ante a literalidade do texto da Carta da República (art. 37, § 6º, CRFB/88), que se refere a pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos.

 

  1. Conclusão

Conforme restou abordado, a atuação dos notários e registradores oficiais, como particulares em colaboração com o poder público, é respaldada pela delegação expressa da Constituição Federal (art. 236, CRFB/88). A análise da natureza jurídica dessa delegação revela diretrizes essenciais, incluindo a natureza pública da função, a regulamentação por lei, o ingresso mediante concurso público e a proibição de vacância prolongada das serventias.

Esses agentes se enquadram na categoria ampla de agentes públicos, exercendo funções tipicamente públicas. Essa perspectiva é reforçada pelo entendimento do Superior Tribunal Federal, expresso no tema nº 777, que estabelece a responsabilidade direta e objetiva do Estado pelos atos dos notários e registradores oficiais, ressaltando a necessidade de regresso nos casos de dolo ou culpa.

 

  1. Referências

 

BRASIL. Constituição da República Federativo do Brasil de 1988. Brasília/DF, 1988.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 842846/MG. Relator: Ministro Luiz Fux. Data de julgamento: 13/08/2019.

RIBEIRO, Luis Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro. São Paulo: Saraiva, 2009.

VELTER JUNIOR, Maureci Marcelo; SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil por atos praticados por notários e registradores. Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 32/2022. p. 223 – 256. Jul – Set / 2022.

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 26ª Edição, 2008, p. 249.

[1] RIBEIRO, Luis Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 42-43.

[2] VELTER JUNIOR, Maureci Marcelo; SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil por atos praticados por notários e registradores. Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 32/2022. p. 223 – 256. Jul – Set / 2022.

[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 26ª Edição, 2008, p. 249.

[4] RIBEIRO, Luis Paulo Aliende. Op. cit., p. 6 e 83.

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