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ArtigosA não obrigatoriedade de inscrição no Conselho Regional de Administração das empresas que não exercem atividades-fim de administrador

  1. Introdução

É inegável que toda empresa, independentemente de seu ramo de atuação, desempenha funções administrativas em algum nível. Desde a gestão de recursos humanos até a elaboração de orçamentos e a coordenação de atividades operacionais, a administração permeia todas as esferas do mundo corporativo. No entanto, é importante ressaltar que nem todas essas atividades se enquadram no campo específico da administração como profissão.

As atividades administrativas, muitas vezes, são indispensáveis para o funcionamento eficaz de uma empresa, abrangendo desde a organização interna até o planejamento estratégico. Contudo, é necessário distinguir entre as funções administrativas como atividades-meio e aquelas relacionadas diretamente com a profissão de administrador.

Nesse sentido, enquanto algumas empresas têm como atividade-fim a prestação de serviços de consultoria, planejamento estratégico e gestão empresarial, outras estão focadas em áreas específicas, como tecnologia da informação, engenharia, saúde, entre outras, e suas funções administrativas são voltadas para o suporte dessas atividades principais.

Portanto, embora todas as empresas exerçam funções administrativas em algum grau, nem todas estão diretamente ligadas à prática profissional da administração. A compreensão dessa distinção é fundamental para determinar a obrigatoriedade de inscrição no Conselho Regional de Administração e para evitar equívocos na aplicação de penalidades ou exigências indevidas por parte dos órgãos reguladores.

Dessa forma, o presente artigo objetiva analisar, à luz do entendimento jurisprudencial, a não obrigatoriedade de inscrição no Conselho Regional de Administração das empresas que não exercem atividades fim de administrador, ou seja, àquelas que possuem como atividade fim a prestação de serviços na área da tecnologia, engenharia, saúde, entre outras.

 

  1. O exercício profissional do administrador e sua regulamentação

A Lei nº 6.839/80 tem como objetivo principal estabelecer a obrigatoriedade do registro de empresas e profissionais legalmente habilitados nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões. Em outras palavras, a mencionada lei visa regulamentar e garantir a fiscalização das atividades profissionais, garantindo que apenas indivíduos devidamente habilitados exerçam determinadas atividades.

Nos termos do disposto no artigo 1º, da Lei 6.839/80, o critério que define a obrigatoriedade do registro das empresas perante os Conselhos de Fiscalização profissional é a atividade básica (fim) desenvolvida ou a natureza dos serviços prestados a terceiros.

Por outro lado, o exercício da profissão administrador está previsto na Lei nº 4.769/65, que dispõe, em seu artigo 2º, as atividades características desta profissão:

“Art. 2º A atividade profissional de Técnico de Administração será exercida, como profissão liberal ou não, mediante:

a) pareceres, relatórios, planos, projetos, arbitragens, laudos, assessoria em geral, chefia intermediária, direção superior;

b) pesquisas, estudos, análise, interpretação, planejamento, implantação, coordenação e controle dos trabalhos nos campos da Administração, como administração e seleção de pessoal, organização e métodos, orçamentos, administração de material, administração financeira, relações públicas, administração mercadológica, administração de produção, relações industriais, bem como outros campos em que esses se desdobrem ou aos quais sejam conexos”.

 

O Decreto nº 61.934/67, que regulamenta a Lei nº 4.769/65, dispõe no art. 3º sobre a atividade profissional do administrador:

“Art 3º A atividade profissional do Técnico de Administração, como profissão, liberal ou não, compreende:

a) elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, arbitragens e laudos, em que se exija a aplicação de conhecimentos inerentes as técnicas de organização;

b) pesquisas, estudos, análises, interpretação, planejamento, implantação, coordenação e controle dos trabalhos nos campos de administração geral, como administração e seleção de pessoal, organização, análise métodos e programas de trabalho, orçamento, administração de matéria e financeira, relações públicas, administração mercadológica, administração de produção, relações industriais bem como outros campos em que estes se desdobrem ou com os quais sejam conexos;

c) o exercício de funções e cargos de Técnicos de Administração do Serviço Público Federal, Estadual, Municipal, autárquico, Sociedades de Economia Mista, empresas estatais, paraestatais e privadas, em que fique expresso e declarado o título do cargo abrangido;

d) o exercício de funções de chefia ou direção, intermediaria ou superior assessoramento e consultoria em órgãos, ou seus compartimentos, de Administração Pública ou de entidades privadas, cujas atribuições envolvam principalmente, aplicação de conhecimentos inerentes as técnicas de administração;

e) o magistério em matéria técnicas do campo da administração e organização.”

 

Nesta esteira, observa-se que somente haverá obrigatoriedade de inscrição no Conselho Regional de Administração das empresas que exercem como atividade fim àquelas listadas tanto na Lei nº 4.769/65, como no Decreto Regulamentador nº 61.934/67.

Oportuno transcrever trecho da decisão proferida pelo I. Magistrado Luciano Pedrotti Coradini, da 1ª Vara Federal de São Carlos (TRF3), ao proferir decisão deferindo a antecipação de tutela pleiteada nos autos nº 5013625-29.2020.4.03.6100, versando sobre a não obrigatoriedade de inscrição de empresa que possui atividade fim diversa da administração:

 

“As profissões estão se tornando mais complexas e, assim, imbricantes. Por exemplo, usa-se que o juiz atual é, sobretudo, um gestor. Com efeito, todas as unidades judiciárias lidam com o diagnóstico, planejamento e execução de métodos de trabalho e gestão de pessoas. Em grande parte, o magistrado age como no art. 2º, b, da Lei nº 4.769/1965. As inspeções ordinárias anuais não o desmentem. A atividade gerencial e administrativa é recorrente no Provimento nº 1/2020 desta Justiça Federal da 3ª Região. Nem por isso do juiz e do diretor de secretaria se cogita se inscrevam no Conselho de Administração. Essa breve digressão serve como referência para compreensão de que a atividade Jurisdicional (fim) é atualmente indissociável da atividade Administrativa (meio). A Jurisdição molda a administração judicial, não o contrário. Da mesma forma com o autor. Sua atividade é precipuamente pautada pelos protocolos médicos. São ações informadas pela Medicina, por primazia técnica. Claro é, precisam ser organizadas em níveis de gestão e execução, donde o caractere administrativo é apenas secundário, pois importa, acima de tudo, a responsabilidade médica. Ao fim e ao cabo, tomando-se o que há nos autos até então, a atividade do autor é precipuamente do campo da Medicina, sendo administrativa apenas colateralmente”.

 

Assim, evidente que o simples fato de uma atividade requerer a gestão empresarial não pode levar à conclusão de que a empresa que a desenvolva tenha o dever de manter registro no Conselho de Administração. Afinal, toda atividade requer gestão, mas só aquelas que se dirijam à administração em si ensejam o registro.

A jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça entende que o critério legal para obrigatoriedade de registro em conselho profissional é determinado pela atividade básica da empresa ou pela natureza dos serviços prestados. Confira-se os julgados, in verbis:

 

“ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. EXERCÍCIO PROFISSIONAL. INSCRIÇÃO EM CONSELHO. PERTINÊNCIA TEMÁTICA ENTRE A ATIVIDADE-FIM E AS ATIVIDADES QUE MERECEM FISCALIZAÇÃO DA ENTIDADE COMPETENTE. NATUREZA DO EMPREENDIMENTO REALIZADO PELA EMPRESA AGRAVADA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DESTA CORTE SUPERIOR. 1. Conforme orientação jurisprudencial consagrada nesta Corte Superior, “é a atividade básica desenvolvida na empresa que determina a qual conselho de fiscalização profissional essa deverá submeter-se” (AgRg no Ag 828.919/DF, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 18.10.2007). 2. Nesse diapasão, e conforme se extrai do voto do acórdão recorrido, no caso dos estabelecimentos cuja atividade preponderante seja “a indústria e comércio de artefatos de cimento (elemento vazado, banco para jardins, concregrama, vasos e capa para muros)”, é despiciendo o registro no Crea, em virtude da natureza dos serviços prestados. 3. Em resumo: sua atividade-fim não está relacionada com os serviços de engenharia, arquitetura e/ou agronomia definidos na Lei n. 5.194/66. 4. Dessume-se do exame dos autos que o Tribunal de origem, ao dirimir a controvérsia, fê-lo com apoio no substrato fático-probatório acostado nos autos, em especial com base no contrato social da empresa, tendo concluído que as atividades básicas elencadas no referido objeto social não guardam relação com aquelas sujeitas ao controle e fiscalização pelo conselho agravante. 5. Vê-se, portanto, que chegar à conclusão diversa daquela formulada pelo aresto recorrido e na esteira do que pretende o agravante no especial, será necessário, inevitavelmente, a revisão dos elementos fático-probatórios contidos nos autos, hipótese expressamente vedada em sede de recurso especial, conforme enunciado da Súmula n. 7/STJ. 6. Agravo regimental não provido.” (AgRg no Ag 1286313/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 20/05/2010, DJe 02/06/2010)

 

“ADMINISTRATIVO. CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE DE ADMINISTRADOR. EMPRESA NÃO REGISTRADA NO ÓRGÃO. NÃO-OBRIGATORIEDADE DE PRESTAR INFORMAÇÕES. 1. O critério legal de obrigatoriedade de registro no Conselho profissional é determinado pela atividade básica da empresa ou pela natureza dos serviços prestados. 2. O Tribunal de origem, ao analisar o objeto social descrito no estatuto da empresa recorrente, reconheceu expressamente que suas atividades – fabricação e comercialização de gases e outros produtos químicos – não estariam sujeitas a registro no CRA. 3. Em face da ausência de previsão legal, inaplicável multa à recorrente sob o fundamento de que teria se recusado a prestar informações ao CRA. 4. Recurso Especial provido.” (REsp 1045731/RJ, proc. nº 2008/0072612-4, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 01/10/2009, DJe 09/10/2009)

 

Nesse contexto, qualquer sociedade empresarial pode exercer atividades de administração. Todavia, essas atividades são inerentes à gestão da sociedade, constituindo atividade meio para alcançar seu objeto social. Uma coisa são as atividades praticadas pela empresa no dia a dia, que podem ter características administrativas. Outra coisa são as atividades fim dessas empresas, que podem ser relacionadas a prestação de serviços na área da tecnologia, engenharia, saúde, entre outras, as quais não se sujeitam à fiscalização do Conselho Regional de Administração.

Do contrário, todas as empresas, independentemente do ramo de atividade, estariam sujeitas ao registro perante o Conselho de Administração, já que a administração está presente, mesmo que em proporções menores, em qualquer negócio.

Sobre o tema os Tribunais Regionais Federais já se manifestaram:

 

ADMINISTRATIVO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA – TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E ORIENTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO PESSOAL E GERENCIAL – REGISTRO NO CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO (CRA) – DESNECESSIDADE – ATIVIDADE BÁSICA. 1. O artigo 1º, da Lei Federal nº 6.839/80, determina o registro de empresas e a anotação dos profissionais legalmente habilitados nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros. 2. É incabível a inscrição no Conselho Regional de Administração, bem como o pagamento de anuidades e eventuais multas, porque as atividades básicas desenvolvidas pela autora, ou aquelas pelas quais presta serviços a terceiros, não requerem conhecimentos técnicos privativos da área administrativa. 3. Apelação provida. (TRF-3 – ApCiv: 50002483020164036100 SP, Relator: Juiz Federal Convocado JOSE EDUARDO DE ALMEIDA LEONEL FERREIRA, Data de Julgamento: 18/12/2018, 6ª Turma, Data de Publicação: e – DJF3 Judicial 1 DATA: 15/01/2019)

 

ADMINISTRATIVO. CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO DE SÃO PAULO. EMPRESA QUE ATUA NO TREINAMENTO EM DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL E GERENCIAL, APLICAÇÃO DE PROTOCOLOS MÉDICOS E QUALIFICAÇÃO DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE. REGISTRO. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES DO C. STJ E DESTA CORTE. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Nos termos do disposto no artigo 1º, da Lei nº 6.839/80, a exigência de registro em conselho profissional está subordinada à atividade básica da empresa ou em relação àquela pela qual presta serviços a terceiros. 2. A Autora tem por objeto social a atividade de treinamento em desenvolvimento profissional e gerencial, suporte na aplicação de protocolos médicos, sistemas de qualidade e qualificação de profissionais de saúde. 3. A Lei nº 4.769/65, assim como o Decreto nº 61.934/67, não fazem menção à atividade da Apelada, incabível, portanto, qualquer penalidade por ausência de registro perante o Conselho Regional de Administração. 4. Mister se faz salientar que o exercício da atividade de treinamento em desenvolvimento profissional e gerencial é inerente a qualquer modalidade de serviço, não se relaciona com as atividades próprias do administrador e não implica necessidade de inscrição perante o Conselho Regional de Administração. 5. Não sendo a administração atividade preponderante exercida pela Autora, não está ela obrigada ao registro no CRA. Precedentes do C. STJ e desta Corte. 6. Inexigível pois, o registro, sendo de rigor a anulação de auto de infração lavrado pelo Réu. 7. Apelação do Conselho Regional de Administração a que se nega provimento. (TRF-3 – ApCiv: 50136252920204036100 SP, Relator: Desembargador Federal MARLI MARQUES FERREIRA, Data de Julgamento: 22/09/2022, 4ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 29/09/2022)

 

Portanto, embora todas as empresas exerçam funções administrativas em algum grau, nem todas estão diretamente ligadas à prática profissional da administração, exercendo atividades fim diversas do administrador, não se sujeitando à fiscalização do Conselho Regional de Administração.

 

  1. Conclusão

Em síntese, a Lei nº 6.839/80 visa estabelecer a obrigatoriedade do registro de empresas e profissionais habilitados nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões. Essa legislação determina que a necessidade de registro em conselho profissional está vinculada à atividade básica da empresa ou aos serviços prestados a terceiros.

No contexto específico da atividade de administração, regulamentada pela Lei nº 4.769/65 e pelo Decreto nº 61.934/67, apenas as empresas cuja atividade fim está diretamente relacionada à administração são obrigadas a se registrar no Conselho Regional de Administração.

Embora todas as empresas desempenhem funções administrativas em algum nível, aquelas cujas atividades principais estão voltadas para áreas como tecnologia, engenharia, saúde, entre outras, não se sujeitam à fiscalização do CRA. A jurisprudência tem reiterado essa interpretação, destacando que a administração é uma atividade meio para alcançar os objetivos sociais das empresas e que, portanto, a obrigatoriedade de registro no CRA não se aplica a todas as atividades empresariais.

 

  1. Referências

 

BRASIL. Lei nº 4.769/65. Brasília, 1965.

BRASIL. Decreto nº 61.934/67. Brasília, 1967.

BRASIL. Lei nº 6.839/80. Brasília, 1980.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. 1ª Vara Federal de São Carlos. Processo nº 5013625-29.2020.4.03.6100. Magistrado Luciano Pedrotti Coradini.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag nº 1286313/SC. Relator Ministro Mauro Campbell Marques. Data do julgamento: 20/05/2010.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1045731/RJ. Relator Ministro Herman Benjamin. Data do julgamento: 01/10/2009.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação nº 50002483020164036100/SP. Relator: Juiz Federal Convocado Jose Eduardo de Almeida Leonel Ferreira. Data do Julgamento: 18/12/2018.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação nº 50136252920204036100/SP. Relator: Desembargador Federal Marli Marques Ferreira. Data do Julgamento: 22/09/2022.

 

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