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ArtigosVenda casada na era digital: um exame dos direitos fundamentais dos consumidores com base no “caso Apple”

Antes da implementação do Código de Defesa do Consumidor em 1990, o Brasil não dispunha de uma legislação dedicada exclusivamente à proteção dos direitos dos consumidores. As relações de consumo eram reguladas pelo Código Civil de 1916 e pelo Código Comercial de 1850, os quais não contemplavam de forma abrangente as questões relacionadas aos consumidores.

Um marco crucial na evolução do Direito do Consumidor no Brasil foi a promulgação do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078) em 1990. O CDC representou um avanço significativo ao estabelecer diretrizes claras e abrangentes para as relações de consumo. Este código define os direitos fundamentais dos consumidores, estabelece normas para responsabilidade civil por produtos defeituosos, regula a publicidade e coíbe práticas comerciais abusivas.

É amplamente reconhecido que o consumidor é a parte mais vulnerável na relação de consumo, em grande parte devido à disparidade de conhecimento e informações em comparação ao fornecedor. Essa vulnerabilidade resulta da assimetria de informações, da dependência econômica do consumidor e da falta de recursos para exercer seus direitos. Em resposta a isso, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece uma série de normas destinadas a proteger o consumidor contra práticas comerciais abusivas. Por sua vez, o fornecedor é legalmente obrigado a agir com transparência e boa-fé na relação de consumo, visando proteger os interesses do consumidor. Isso implica em fornecer informações claras e abrangentes sobre o produto ou serviço, e agir de maneira honesta e responsável.

A crescente preocupação com as relações de consumo levou à criação de órgãos de defesa do consumidor em todo o país, como os Procons, em conjunto com a promulgação do CDC. Esses órgãos têm a responsabilidade de fiscalizar o cumprimento da lei e proteger os direitos dos consumidores. Desempenhando um papel fundamental, eles contribuem para a aplicação das normas e para conscientizar os consumidores sobre seus direitos.O PROCON (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor) é amplamente buscado pelos consumidores para registrar reclamações ou denúncias contra empresas ou fornecedores. Como órgão público, sua principal missão é proteger e defender os direitos dos consumidores, conforme estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor.

O PROCON desempenha um papel fundamental como uma medida administrativa, recebendo relatos e reclamações dos consumidores e, em seguida, notificando a empresa ou fornecedor envolvido por meio de uma Carta de Investigação Preliminar (CIP), chamadas telefônicas ou e-mails. Após a notificação, a empresa ou fornecedor tem um prazo para responder. Caso o problema não seja resolvido, o PROCON pode tomar medidas administrativas, como aplicar multas ou suspender a empresa.

Além do Código de Defesa do Consumidor (CDC), diversas legislações e disposições específicas foram criadas para lidar com setores particulares, como o bancário, de telecomunicações e de saúde. Isso evidencia a capacidade adaptativa da legislação para abordar questões emergentes em diferentes áreas de consumo. O comércio eletrônico revolucionou os métodos de compra e venda de produtos e serviços. No entanto, ele trouxe consigo questões complexas relacionadas aos direitos dos consumidores. É de suma importância examinar como as leis de proteção ao consumidor se aplicam às transações online, abordando aspectos como privacidade, segurança de dados, direito de reclamação e responsabilidade das plataformas de comércio eletrônico.

A doutrina classifica as práticas abusivas contra o consumidor em dois tipos: “stricto sensu” e “lato sensu”. Na venda casada “stricto sensu”, o consumidor é coagido a adquirir um serviço ou produto específico, sem que possa usufruir do serviço desejado separadamente. Já na venda casada “lato sensu”, o consumidor tem a opção de adquirir um produto ou serviço isoladamente, porém, se optar por adquirir o segundo, fica condicionado a obter ambos os itens do mesmo fornecedor. É relevante destacar que tanto as práticas de venda casada “stricto sensu” quanto “lato sensu” são proibidas pelo Código de Defesa do Consumidor. Essas práticas são consideradas abusivas, pois restringem a liberdade de escolha do consumidor nas relações de consumo, violando seus direitos fundamentais.

De acordo com as palavras do Ministro Antônio Herman de Vasconcellos Benjamin (2011, p.375):

Prática abusiva, em seu sentido amplo, refere-se à violação dos padrões éticos e mercadológicos aceitáveis em relação ao consumidor. Como Gabriel A. Stiglitz coloca de forma irrefutável, são condições de negociação irregulares nas relações de consumo que minam os fundamentos da ordem jurídica, seja do ponto de vista da ordem pública ou dos bons costumes. Essas práticas nem sempre são enganosas, mas muitas vezes carregam um alto grau de imoralidade econômica e opressão, mesmo sem ferir o requisito da veracidade. Em alguns casos, resultam em danos substanciais ao consumidor. Elas se manifestam em uma variedade de atividades, tanto pré e pós-contratuais quanto contratuais, contra as quais o consumidor muitas vezes não possui defesas adequadas, ou, se possui, não se sente capaz ou motivado para exercê-las.

Essas práticas são consideradas antiéticas e ilegais. Existem órgãos responsáveis por garantir a proteção do consumidor e trabalham para coibir tais práticas, assegurando que o consumidor tenha liberdade para escolher e adquirir produtos ou serviços sem imposições indevidas por parte dos vendedores. Se alguém se sentir pressionado a comprar algo que não deseja para obter o que realmente precisa, é importante estar ciente de seus direitos, que são protegidos, e, se necessário, buscar assistência dos órgãos competentes para recorrer em favor daqueles que foram lesados.

A prática de venda casada, como mencionado anteriormente, constitui um comportamento comercial ilegal que viola os princípios de livre escolha e respeito aos direitos dos consumidores. No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) explicitamente proíbe essa prática em seu artigo 39, visando garantir que os consumidores tenham a liberdade de escolher produtos e serviços sem restrições indevidas. Conforme estipulado no CDC, a venda casada é uma estratégia comercial que implica na imposição da compra de um produto ou serviço como condição para adquirir outro, mesmo quando não há necessidade ou interesse por parte do consumidor. Nesse contexto brasileiro, essa prática é classificada como ilegal.

O aumento do comércio eletrônico, que teve um crescimento constante e, posteriormente, uma explosão exponencial durante a pandemia de coronavírus, destacou uma série de questões relacionadas ao comportamento das empresas e à proteção do consumidor. Nesse contexto, a prática de venda casada, que já era uma preocupação no comércio tradicional, também se tornou relevante no ambiente virtual. Além disso, ao realizar pesquisas, percebe-se que os smartphones continuam sendo a principal ferramenta para efetuar compras online, representando impressionantes 92% das transações.

O surgimento do comércio eletrônico, que passou por um crescimento contínuo e, mais tarde, uma expansão exponencial durante a pandemia de coronavírus, trouxe consigo uma série de questões relacionadas ao comportamento das empresas e à proteção do consumidor. Nesse contexto, a prática de venda casada, que já era uma preocupação no comércio tradicional, também ganhou relevância no ambiente virtual.

Em meio a essa revolução digital, a proteção do consumidor assumiu uma nova importância, sendo fundamental garantir que seus direitos sejam respeitados no comércio eletrônico, da mesma forma que são nas compras presenciais. A venda casada, seja em estabelecimentos físicos ou virtuais, configura uma violação dos direitos do consumidor e é frequentemente considerada ilegal em muitas jurisdições. Portanto, a conscientização sobre a prática de venda casada no e-commerce torna-se mais relevante do que nunca. Os consumidores, por sua vez, devem ser incentivados a conhecer seus direitos e a denunciar práticas desonestas sempre que as encontrarem. Ao realizar compras online, é essencial ler atentamente os termos e condições para evitar qualquer forma de coerção na compra de produtos adicionais.

O caso envolvendo a Apple e a oferta de desconto na compra de um iPhone vinculada à aquisição de um plano de celular da operadora Claro ilustra de forma evidente o conceito de venda casada. Nessa situação, o consumidor não tinha a alternativa de adquirir o iPhone de forma independente do plano de celular, o que infringiu seus direitos de escolha e liberdade de decisão.

Da mesma forma, a Apple foi condenada pelo Judiciário Brasileiro por praticar venda casada relacionada ao carregador dos seus dispositivos móveis. Nesse caso específico, os aparelhos celulares passaram a ser comercializados sem o carregador incluso, o que mais uma vez privou o consumidor da opção de adquirir o iPhone de maneira independente, uma vez que o carregador era necessário para o uso do produto. Isso resultou na violação dos direitos de escolha e liberdade de decisão do consumidor.

De acordo com a decisão da 5ª Turma Recursal Cível, Consumidor, Trânsito e Criminal, processo nº XXXXX-75.2020.8.05.0001, do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, decidiu-se que a empresa Ré, APPLE COMPUTER BRASIL LTDA, deverá ser condenada a fornecer à Reclamante a tomada de carregamento do aparelho celular no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de conversão da obrigação de fazer em perdas e danos no valor correspondente ao gasto pela Autora para adquirir a tomada de carregamento, mediante apresentação de nota fiscal aos autos. Além disso, a empresa APPLE COMPUTER BRASIL LTDA também foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), com juros a partir da data da citação e correção do arbitramento.

É evidente que nos últimos anos o comércio eletrônico passou por um notável crescimento, tornando-se uma parte indispensável na rotina de muitos consumidores. Essa expansão trouxe diversas vantagens, como conveniência, variedade de opções e competitividade de preços. Contudo, assim como no comércio tradicional, ainda persistem práticas antiéticas, com destaque para a venda casada.

A prática ilegal da venda casada consiste em impor ao consumidor a aquisição de um produto ou serviço em conjunto com outro, mesmo quando não é necessário ou desejado. Essa conduta prejudica os consumidores, restringindo sua liberdade de escolha e elevando os custos com produtos adicionais. Para combater essa problemática no comércio eletrônico, é crucial que os consumidores estejam cientes dessa prática e saibam como se proteger. Devem estar atentos às ofertas de descontos ou brindes, questionando se a aquisição de produtos ou serviços adicionais é realmente necessária. Além disso, é fundamental que os consumidores denunciem casos de venda casada às entidades de proteção do consumidor.

Há várias ramificações resultantes da prática de venda casada no e-commerce, incluindo a violação dos direitos do consumidor, que frequentemente contraria as leis de proteção do consumidor em muitas jurisdições. Isso entra em conflito com os princípios do livre comércio e da liberdade de escolha do consumidor. Todos os consumidores têm o direito de fazer suas escolhas de compra de forma livre, sem qualquer forma de coerção.

A conscientização dos consumidores e o fortalecimento das organizações de proteção ao consumidor são fundamentais para eliminar a prática de venda casada no comércio eletrônico.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Trindade, F. M. A prática abusiva da venda casada segundo o Código de Defesa do Consumidor. Repositório PUC Goiás. 26 maio 2022.

Marques, Claudia Lima. Direito do consumidor: fundamentos, práticas e novas tendências. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2021. p. 52.

Brancher, Paulo Marcos Rodrigues. “Comércio eletrônico.” In Enciclopédia jurídica da PUC-SP, coordenada por Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire, Tomo: Direito Comercial, coordenado por Fábio Ulhoa Coelho e Marcus Elidius Michelli de Almeida, 1ª ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Apelação Cível. Nº XXXXX-75.2020.8.05.0001. Relator: Desembargador Nilson Soares Castelo Branco. Salvador, 20 de julho de 2023.

Trindade, F. M. A prática abusiva da venda casada segundo o Código de Defesa do Consumidor. repositorio.pucgoias.edu.br, 26 maio 2022.

 

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