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ArtigosTrade dress e concorrência desleal – Parte I

  1. Introdução

 Sinteticamente, Trade Dress (conjunto-imagem) consiste em um conjunto-visual global de um produto ou a forma peculiar de prestação de um serviço. Engloba não somente a “aparência” dos produtos como também o aspecto distintivo (interno e/ou externo) de estabelecimentos ou prestação de serviços.

Cumpre destacar que o Trade Dress é protegido, mesmo não havendo previsão legal específica. Utiliza-se, para tanto, o supedâneo atinente à concorrência desleal.

Afinal, a conduta de algum concorrente que busca aproveitar-se do conjunto-imagem de outro empresário é repelida, visto que se investe muito para que um produto ou serviço seja amplamente reconhecido visualmente perante o mercado consumidor, razão pela qual a reprodução substancial deste padrão, por outrem, afigura-se como inconcebível usurpação.

Subsiste, assim, prejuízo a partir do momento que, aquele que explora o conjunto-imagem de maneira anterior (previamente ao concorrente), tem como diluído o poder de distintividade do seu produto ou serviço, além da vulgarização de uma imagem consolidada e, por fim, o desvio de sua clientela.

O consumidor também é lesado, afinal, os aspectos comuns entre ambas as marcas colocadas em observação retratam similitudes que levam à confusão do produto ou serviço.

Assim, inadmissível que haja uma apropriação do Trade Dress do concorrente, tendo em vista que o caminho de reconhecimento junto ao consumidor torna-se indevidamente abreviado e facilitado (de forma desleal e vedada pelo sistema de disciplina concorrencial vigente).

Dessa forma, pretende-se analisar o instituto do Trade Dress, bem como aferir a eventual ocorrência de concorrência desleal por um empresário, através do uso de conjunto-imagem que imite produto ou serviço de concorrente e, com isso, venha a gerar associação indevida ou confusão pelo consumidor (e, ainda, desvio de clientela, perda de lucro e vulgarização da marca).

O tema será divido em 3 (três) partes, sendo elas: (i) livre concorrência e concorrência desleal; (ii) Trade Dress e mecanismos de proteção; e (iii) limites à proteção do Trade Dress. O primeiro tópico será aqui abordado.

 2.     Livre concorrência e concorrência desleal

É certo que a competição entre fornecedores, especialmente aqueles que atuam num mesmo ramo de mercado, perfaz consequência natural do exercício da atividade empresarial, considerando o inegável escopo lucrativo a ela inerente, mormente para efetivar a busca de maior número de clientes e, consequentemente, ganhos mais elevados.

Tal competição está respaldada inclusive pela Constituição Federal, que prevê, dentre os princípios da ordem econômica, notadamente nos termos da livre concorrência, o seguinte:

“ Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(…)

IV – livre concorrência;”.

Nas palavras de Fabiano Del Masso[1]:

“O princípio da livre concorrência impõe ao Estado abrigar uma ordem econômica fundada na rivalidade entre ente exploradores do mercado. Segundo esse princípio, o mercado deve ser explorado pela maior quantidade de agentes possíveis, não que se exijam quantidades exorbitantes de agentes, mas o Direito deve garantir a entrada e a capacidade de concorrente a quem queira explorá-lo”.

Essa disputa por maior atuação no mercado, ainda que tenha como norte o desenvolvimento pleno dos seus negócios, não permite a prática, pelos empresários, de atos de concorrência desleal.

Mas o que seria a concorrência desleal?

É certo que concorrência desleal alberga circunstância bastante diversificadas e pode, uma vez verificada, ocasionar prejuízos a diversas pessoas, de inúmeras maneiras.

Para José Carlos Tinoco Soares[2], a:

“concorrência desleal não se define e nem se especifica, posto que se apresenta sob os mais variados aspectos, visando sempre atingir o industrial, o comerciante (entendido este em seu sentido mais genérico, eis que entre os mesmos podemos incluir as pessoas que praticam atividades profissionais e aqueloutras prestadoras de serviços), tirando-lhes direta ou indiretamente a sua clientela, causando ou não prejuízos”.

Já na visão de João da Gama Cerqueira[3]:

“Sob a denominação genérica de concorrência desleal costumam os autores reunir uma grande variedade de atos contrários às boas normas da concorrência comercial, praticados, geralmente, com o intuito de desviar, de modo direto ou indireto, em proveito do agente, a clientela de um ou mais concorrentes, e suscetíveis de causar-lhes prejuízos”.

Atinente à possibilidade de conceituação da concorrência desleal, destaca-se o quanto disposto no artigo 10 da Convenção de Paris[4], acordo este que o Brasil é signatário, relativo a propriedade industrial:

“Artigo 10 bis

1) Os países da União obrigam-se a assegurar aos nacionais dos países da União proteção efetiva contra a concorrência desleal.

2) Constitui ato de concorrência desleal qualquer ato de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial ou comercial.

3) Deverão proibir-se particularmente:

  1. todos os atos suscetíveis de, por qualquer meio, estabelecer confusão com o estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial ou comercial de um concorrente;

  2. as falsas alegações no exercício do comércio, suscetíveis de desacreditar o estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial ou comercial de um concorrente;

  3. as indicações ou alegações cuja utilização no exercício do comércio seja suscetível de induzir o público em erro sobre a natureza, modo de fabricação, características, possibilidades de utilização ou quantidade das mercadorias”.

Como se observa, algumas palavras-chaves devem ser consideradas para que a conceituação em questão possa ser palpável dentro de uma circunstância que, inegavelmente, possui certo subjetivismo: (i) ato “contrário aos usos honestos”; (ii) atos suscetíveis de “estabelecer confusão”; (iii) “falsas alegações” aptas a desacreditar um concorrente; (iv) atos de “induzir o público em erro”.

Na mesma toada, sopesa-se os termos Lei de Propriedade Industrial, em seu artigo 195, incisos III e IV, verbis:

“Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

(…)

III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;

IV – usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos;”.

Cumpre salientar que, para aquilo que importa ao presente artigo, optou-se em analisar apenas os supracitados incisos, valendo salientar, de toda sorte, que todos os incisos que consubstanciam o indigitado artigo 195 da Lei de Propriedade Industrial, de fato, possuem um caráter genérico, justamente para que possam ser utilizados em inúmeras situações, as quais, logicamente, não poderiam ser pormenorizadas pelo legislador.

Com efeito, as expressões indicadas nos aludidos incisos III e IV, quais sejam, “meio fraudulento” e “criar confusão” permitem concluir o tipo de conduta vedada pela legislação no ramo empresarial.

Veja-se, pois, que a concorrência desleal deve ser tida através de um “comportamento”, a ser levado a cabo por um operador econômico e vislumbrado no terreno negocial (de certo serviço ou produto), que infrinja aquilo que necessita ser observado na disputa pela clientela, através de meios que coloquem em xeque a sua idoneidade no mercado e, efetivamente, ou com possibilidade, causem danos ao concorrente.

Salienta-se, ainda, o entendimento de Fabio Ulhôa Coelho[5] acerca do tema concorrência desleal:

“Sendo assim, não é simples diferenciar-se a concorrência leal da desleal. Em ambas, o empresário tem o intuito de prejudicar concorrentes, retirando-lhes, total ou parcialmente, fatias do mercado que haviam conquistado. A intencionalidade de causar dano a outro empresário é elemento presente tanto na concorrência lícita como na ilícita. Nos efeitos produzidos, a alteração na opção dos consumidores, também se identificam a concorrência leal e a desleal. São os meios empregados para a realização dessa finalidade que as distinguem. Há meios idôneos e meios inidôneos de ganhar consumidores, em detrimento dos concorrentes. Será, assim, pela análise dos recursos utilizados pelo empresário que se poderá identificar a deslealdade competitiva”.

É dizer que, segundo o renomado autor, tanto na “concorrência leal”, quanto na “concorrência desleal” haverá prejuízo do concorrente (ou potencial prejuízo), afinal, se um empresário negociar mais, é esperado que o outro, dentro do mesmo ramo mercadológico, negocie menos. Outrossim, desviar o interesse do consumidor trata-se de hipótese verificada em ambas as espécies de concorrência, tendo em vista que, naturalmente, todo e qualquer empresário quer que o seu produto ou serviço seja “escolhido” em detrimento da opção pelo concorrente.

Todavia, a questão primordial (e que leva a diferenciação entre uma e outra) é a maneira como se busca esse lugar no mercado, ou seja, quais os meios que serão utilizados com o propósito de convencer um consumidor escolher o produto ou serviço de determinado empresário (preterindo, consequentemente, o concorrente).

Há, portanto, uma linha sútil que separa a concorrência “leal” da concorrência desleal, de modo que o elemento a diferenciá-las deve ser o meio pelo qual o concorrente intenta alcançar o mercado.

Nesse sentido, explica Marcus Elidius Michelli de Almeida[6]:

“Em sua maioria, os autores que tratam da concorrência desleal afirmam ser difícil, ou até mesmo nada possível apresentar uma definição finita sobre o tema. Vale lembrar que o ato de concorrência leal e o de concorrência desleal têm em comum a sua finalidade, uma vez que ambos objetivam a clientela alheia. A deslealdade, portanto, não está na busca da clientela dos autos, mas sim na forma de atingir essa finalidade. Dessa forma, conforme já tivemos a oportunidade de nos manifestar, a concorrência desleal não diz respeito a qualquer ato com o objetivo de se apropriar de uma clientela, mas a utilização daqueles que superam a barreira do aceitável, lançando mão de meios desonestos”.

Destarte, utilizando-se as premissas da Convenção de Paris, da Lei de Propriedade Industrial, bem como o quanto trazido pelos doutrinadores acima destacado, é certo que, para que se materialize a concorrência desleal, além de intentar a captação da clientela de concorrente, causando-lhe danos e prejuízos ao seu negócio, é preciso que essa conduta se traduza em manifesto emprego de meio fraudulento, levando o consumidor a erro, obtendo-se, ao final, proveito econômico em detrimento do concorrente.

Exatamente por conta disso, é que a livre concorrência não pode ser tida como liberdade irrestrita, de modo que se atue no mercado sem observância dos padrões mínimos de civilidade na disputa pelo consumidor, ou seja, não se pode fazer tudo aquilo que se bem entender.

Com efeito, pode-se considerar como ato desautorizado, nos termos da legislação, eventual forma parasitária de estratégia mercadológica utilizada por um empresário com o escopo de captar clientes através da conduta que venha a confundir o consumidor, o que, ainda consequentemente, enseja a diminuição das vendas dos produtos/serviços do concorrente, com impacto significativo no seu faturamento. Não apenas, insere-se nesse rol da concorrência desleal possível desvio de clientela por meio de atos que venham a denegrir a reputação do concorrente.

 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, coord. Fabio Ulhoa Coelho, 2012.

BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Senado Federal: 1.996.

BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. Senado Federal: 1.998.

CERQUEIRA, João da Gama. Tratado de Propriedade Industrial. 2. ed. São Paulo: RT, 1982.

COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. vol. I. São Paulo: Saraiva, 17ª edição, 2013.

Convenção da União de Paris para proteção da propriedade industrial. Disponível em: https://www.gov.br/inpi/pt-br/backup/legislacao-1/cup.pdf. Acesso em 11.9.2022.

DEL MASSO, Fabiano. Direito Econômico Esquematizado. 2ª Edição. São Paulo: Método, 2013.

SOARES, José Carlos Tinoco. Marcas vs. Nome Comercial: Conflitos. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2000.

___________________

[1] DEL MASSO, Fabiano. Direito Econômico Esquematizado. 2ª Edição. São Paulo: Método, 2013. p. 69.

[2] SOARES, José Carlos Tinoco. Marcas vs. Nome Comercial: Conflitos. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2000, p. 366.

[3] CERQUEIRA, João da Gama, Tratado de Propriedade Industrial. 2. ed. São Paulo: RT, 1982, p. 1.266.

[4] Convenção da União de Paris para proteção da propriedade industrial. Disponível em: https://www.gov.br/inpi/pt-br/backup/legislacao-1/cup.pdf. Acesso em 11.9.2022.

[5] COELHO. Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. vol. I, p. 261, São Paulo: Saraiva, 17ª edição, 2013.

[6] ALMEIDA, Marcus Elidius Michelli. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, coord. Fabio Ulhoa Coelho, 2012. p. 475.

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