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ArtigosPerspectivas para a arbitragem em matéria tributária e o projeto de lei nº 4257/2019

            Apesar dos esforços institucionais na implantação de métodos gerenciais eficientes no âmbito do Poder Judiciário, as sucessivas ondas reformistas da legislação processual realizadas para propiciar o acesso à Justiça ensejaram aumento exponencial das demandas em curso, culminando em índices cada vez maiores relativos à taxa de congestionamento[1].

            Não há dúvidas de que a taxa de congestionamento do Poder Judiciário impacta diretamente na percepção da sociedade acerca da ineficiência da atividade jurisdicional, proporcionando uma baixa aprovação social em relação à função pacificadora da jurisdição. A título de exemplo, veja-se o resultado da pesquisa de satisfação do usuário,[2] conduzida pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, na qual 56,7% dos usuários entrevistados responderam que os processos nunca são concluídos no prazo previsto na legislação de regência e 30,3% afirmaram que poucas vezes o processo encontra resolução no tempo previsto.

Assim, a despeito da previsão principiológica da razoável duração do processo no art. 5º, LXXVIII da Constituição da República de 1988, reproduzido também no art. 4º do Código de Processo Civil, a conclusão inevitável é a incapacidade do Poder Judiciário em exercer eficientemente a função institucional de pacificação dos conflitos sociais, sendo imprescindível a utilização de métodos alternativos de solução de controvérsias a partir de propostas legislativas que estimulem os particulares a promover soluções acordadas a partir de técnicas de conciliação, mediação e arbitragem.

A perspectiva de estímulo às soluções extrajudiciais de conflitos foi inserida no recente Código de Processo Civil promulgado em 2015, por meio do qual expôs o princípio geral da solução pacífica de controvérsias, indicando expressamente, em seu art. 3º, a arbitragem e as técnicas de solução consensual de conflitos, dentre elas a mediação e a conciliação.

Percebe-se que o legislador nacional moldou o denominado sistema multiportas[3] na busca da pacificação dos conflitos a fim de que outros meios alternativos à atividade jurisdicional sejam buscados pelas partes em conflito, antes de se instaurar uma demanda que verse sobre direitos transigíveis.

Não obstante o esforço institucional para trilhar um caminho de prevalência de soluções extrajudiciais de controvérsias, o modelo tem colhido resultados aquém do esperado em virtude da baixa aderência da Administração Pública a iniciativas relacionadas à desjudicialização. Isso ocorre porque a Administração Pública brasileira é responsável pelo maior volume de processos em curso no Poder Judiciário, seja figurando como sujeito ativo, seja como integrante do polo passivo da relação processual, o que, aliado à justificativa de indisponibilidade dos direitos em discussão, implica na baixa aderência do Poder Público às soluções consensuais de resolução de litígios ou a arbitragem.

Acurando-se a análise para a arbitragem, há que se enaltecer as sucessivas tentativas de aprimoramento legislativo para uma maior adesão da Administração Pública a procedimentos arbitrais. De fato, a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 – que dispõe sobre a arbitragem – foi alterada pela Lei nº 13.129/2015 para promover a segurança jurídica necessária a que se estimulasse a adoção pela Administração Pública da arbitragem, evitando-se a excessiva litigância no âmbito judicial. Essa alteração se agrega às modificações realizadas em diversas normas específicas que tratam de contratos administrativos e concessão de serviços públicos, tais como: art. 23-A da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; art. 93, inciso XV, da Lei no 9.472, de 16 de julho de 1997; e art. 43, inciso X, da Lei no 9.478, de 06 de agosto de 1997.

No entanto, na seara tributária, a questão se apresenta de forma ainda mais tormentosa, pois a Lei nº 9.307/96 expressamente autoriza a arbitragem para questões controversas envolvendo a Administração Pública, desde que os interesses em conflito sejam disponíveis, ou seja, passíveis de serem transigidos. Ocorre que, em relação aos créditos tributários, há um consenso acerca da indisponibilidade do referido direito de crédito, o que, de certo modo, é corroborado pelo conjunto normativo que molda o sistema tributário nacional, especialmente o Código Tributário Nacional – Lei nº 5.172/66.

Todavia, a crise fiscal vivenciada pelo Brasil demonstra que preceitos arraigados oriundos de práticas e concepções sociais passadas exigem um novo arranjo institucional com vistas ao aprimoramento da atividade administrativa, flexibilizando a gestão pública e a conduta do administrador público. E o modelo atual de cobrança da dívida ativa tributária é um notável exemplo de quão ultrapassada está a Administração Pública brasileira no que toca à eficiência e economicidade da atividade de persecução e recuperação do crédito tributário.

Como contraposição, pode-se ilustrar a bem sucedida iniciativa portuguesa de introdução da arbitragem em matéria fiscal por meio da Lei de Arbitragem Tributária (LAT) – Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro. Por oportuno, faz-se interessante a transcrição da exposição de motivos para a implantação da arbitragem em matéria tributária em Portugal:

 “A introdução no ordenamento jurídico português da arbitragem em matéria tributária, como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos no domínio fiscal, visa três objectivos principais: por um lado, reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, por outro lado, imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo e, finalmente, reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais.

A arbitragem constitui uma forma de resolução de um litígio através de um terceiro neutro e imparcial – o árbitro -, escolhido pelas partes ou designado pelo Centro de Arbitragem Administrativa e cuja decisão tem o mesmo valor jurídico que as sentenças judiciais. Neste sentido, e em cumprimento dos seus três objectivos principais, a arbitragem tributária é adoptada pelo presente decreto-lei com contornos que procuram assegurar o seu bom funcionamento.”

O legislador português adotou sete premissas para a regulamentação e implantação da arbitragem em matéria tributária: i) processo sem formalismo exacerbado; ii) conjugação de um sistema misto de instituição do procedimento arbitral, admitindo-se o desenvolvimento da arbitragem por entidades especializadas submetidas ao Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD, bem como outorgando faculdade ao contribuinte em indicar árbitro para composição do Tribunal Arbitral; iii) definição taxativa das matérias que podem ser submetidas à arbitragem; iv) fixação da regra geral de irrecorribilidade da decisão arbitral; v) fixação de regras para o exercício da função de árbitro; vi) outorga de faculdade aos contribuintes em submeterem eventual conflito à arbitragem quando haja discussão administrativa ou judicial pendente de resolução há mais de dois anos; vii) admissibilidade apenas da arbitragem de direito.

Trilhando o exemplo português, o projeto de lei nº 4.257/2019, em tramitação no Senado Federal, apresenta proposta de introdução da arbitragem em matéria tributária por meio da inserção de capítulo pertinente à execução judicial da dívida ativa com a inclusão de seis novos dispositivos na Lei nº 6.830/80 (arts. 16-A a 16-F).

Em relação à proposta de introdução da arbitragem em matéria tributária como método alternativo de solução de controvérsias, a justificativa da referida proposição legislativa esclarece o seguinte:

 “Por fim, o projeto também insere uma regra de procedimento arbitral para processamento de embargos à execução. Para ser interessante para a Fazenda Pública, o procedimento arbitral, após julgar o embargos, deve permitir a imediata satisfação do crédito. A circunstância de o devedor garantir a execução por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia, permite que, se a Fazenda vencer o julgamento, poderá logo levantar o valor, extinguir a execução e não terá o ônus de procurar bens ou se submeter aos procedimentos de alienação de bens imóveis ou de outras modalidades de garantia.

Por outro lado, para que não haja ônus adicional à Fazenda Pública, o projeto prevê que, caso o executado opte pelo procedimento arbitral, procedimento que deverá ser autorizado por lei de cada ente federado, ele deverá antecipar as custas. Se a Fazenda for vencida, ressarcirá tais despesas na forma da legislação local, e arcará com honorários advocatícios arbitrados consoante previsão do CPC, os quais serão, após definidos, reduzidos pela metade. Os custos com o procedimento arbitral não poderão exceder esse valor. Tem-se, assim, critério que não implica ônus adicional para a Fazenda, caso opte pelo procedimento arbitral e fique vencida.

Deve-se frisar que tal procedimento pode ser interessante para empresas que desejem ter os embargos apreciados de maneira célere. De acordo com a Nota Técnica do IPEA, o ajuizamento de embargos de devedor demanda 1.791 dias, em média, para o seu processamento na Justiça Federal, ou seja, quase 5 (cinco) anos.”

Dissecando os dispositivos pertinentes à implantação da arbitragem em matéria tributária, nos termos do PL 4257/2019, colhe-se alguns aspectos importantes que merecem observação atenta:

I – a instauração do procedimento arbitral é condicionada à prévia garantia do Juízo na execução fiscal, mantendo-se o modelo de defesa previsto na Lei nº 6.830/80 na qual se exige a garantia integral do crédito tributário para propositura de embargos à execução e, em contrapartida, impede-se a prática de atos constritivos ou de restrição cadastral. Ressalte-se que o Código de Processo Civil avançou para um modelo de garantia à ampla defesa do executado sem a necessidade de prévia garantia do Juízo, mas outorgando ao credor direito pleno a obtenção de medidas de constrição patrimonial;

II – outorga às Entidades Federativas a prerrogativa de estabelecer requisitos específicos para a instauração do procedimento arbitral, a partir da divulgação de regulamentos próprios

III- restrição à atuação de árbitros em procedimentos arbitrais de um mesmo sujeito passivo

IV- exigência de que o procedimento arbitral seja apenas de direito, vedado o juízo por equidade

V- restrição da condução do procedimento arbitral apenas por órgãos arbitrais institucionais, dotados de idoneidade, competência e experiência

VI- reprodução das regras de fixação dos honorários advocatícios existentes no Código de Processo Civil, aliada à previsão de um limite máximo para condenação da parte sucumbente

VII- determinação de que as despesas com o procedimento arbitral devem ser antecipadas pelo contribuinte suscitante;

VIII – admissão da atividade subsidiária do Poder Judiciário para avaliar a nulidade da decisão arbitral quando estiver em confronto com súmula vinculante, decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade ou acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de repercussão geral.

Observa-se, ainda, a apresentação de emenda modificativa ao PL nº 4257/2019, que sugere a adaptação da proposta para considerar os seguintes aspectos relevantes:

i) harmonização entre o projeto de lei nº 4257/2019 e a lei geral de arbitragem atualmente vigente para indicar a terminologia específica relativa às entidades arbitrais com sendo órgão arbitral institucional ou entidade especializada;

ii)indicação do credenciamento como procedimento de seleção e cadastramento das entidades arbitrais pela Administração Pública, assegurando capilaridade e eficiência no desenvolvimento do procedimento arbitral

iii) admissão do procedimento arbitral por meio eletrônico, também com o intuito de assegurar ampla acessibilidade aos executados que tenham interesse em instaurar procedimento arbitral, nos moldes indicados pelo projeto de lei nº 4527/2019

iv) admissibilidade da instauração da arbitragem por requerimento do contribuinte na hipótese de inexistência de execução fiscal por expresso obstáculo legal ao ajuizamento da ação executiva pela Fazenda Pública em virtude de critérios de eficiência e economicidade.

Não há dúvidas de que o Brasil pode e precisa caminhar para modelos híbridos de persecução dos créditos tributários e não tributários inscritos em dívida ativa, aprimorando a configuração normativa atual calcada no processo executivo, cuja lei de regência – Lei nº 6.830/80 – encontra-se ultrapassada e em descompasso com o sistema processual inaugurado pelo Código de Processo Civil.

Desta forma, a adoção de alterações legislativas na Lei nº 4.320/64 – norma geral de finanças públicas – para sistematizar a cobrança administrativa da dívida ativa, aliada à reformulação do modelo procedimental da cobrança executiva, é fundamental para a sustentabilidade fiscal do Brasil. Aliado a essa estratégia de flexibilização do modelo de cobrança, a introjeção da arbitragem tributária propicia o resguardo dos interesses do contribuinte na resolução célere e eficaz das controvérsias em matéria tributária, outorgando alternativa válida à atual matriz jurisdicional de resolução dos conflito fiscais.

Portanto, no que toca ao ideal de desjudicialização das lides fiscais e primazia da solução alternativa de conflitos em matéria tributária, o Projeto de Lei nº 4257/2019 é extremamente louvável e merece elogios pela abordagem da questão relativa a ineficiência da atividade jurisdicional nessa seara.

[1] Segundo o Conselho Nacional de Justiça, “a taxa de congestionamento mede a efetividade do tribunal em um período, levando-se em conta o total de casos novos que ingressaram, os casos  baixados e o estoque pendente ao final do período anterior ao período base”. Vide: http://www.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/gestao-e-planejamento-do-judiciario/indicadores/486-gestao-planejamento-e-pesquisa/indicadores/13659-03-taxa-de-congestionamento.

[2] Acessível em: https://wwwh.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/gestao-e-planejamento-do-judiciario/pesquisa-de-satisfacao-e-clima-organizacional

[3] O sistema multiportas foi inaugurado pela Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, que estabeleceu a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses.

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