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ArtigosISS: consequências da rejeição do veto presidencial no Projeto de Lei Complementar nº 366/2013

Noticiou-se na imprensa que o Congresso Nacional, em acordo com o Governo, rejeitou o veto do Presidente da República Michel Temer em dispositivos do Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 366/2013 que transferia a cobrança do Imposto sobre Serviços – ISS para o domicílio do tomador do serviço (cliente), nas operações de cartões de créditos e débito, leasing e de planos de saúde.

Com a rejeição do veto presidencial prevalecem as alterações previstas na Lei Complementar nº 157, de 29 de dezembro de 2016, à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, norma geral sobre o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS.

A decisão do Congresso Nacional é autorizada pelo artigo 66 da Constituição Federal de 1988, exigindo, no entanto, formalidade legislativa complexa: a maioria absoluta dos deputados e senadores.

A rejeição ao veto imposta pelos congressistas impede que o Presidente da República mantenha a sua oposição à promulgação e consequente vigência das novas disposições normativas, restando-lhe apenas observar a etapa subsequente ditada pela legislação constitucional: levar o projeto à promulgação. Caso a publicação do texto não ocorra, o presidente do Senado Federal deverá providenciá-la.

Contudo, deve-se evidenciar que, mesmo tendo ocorrido a derrubada dos vetos presidenciais, os destaques ainda serão julgados em sessão a ser designada futuramente.

Antes do acordo congressual, a legislação do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS definia que:

 

Art. 3º O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local. (Art. 3º, caput, da Lei Complementar nº 116/2003).

 

Como se denota, a Lei Complementar nº 116/2016 define como regra geral que o elemento espacial da hipótese de incidência do ISS corresponde ao local em que se situa o estabelecimento prestador do serviço. Isto é, o prestador do serviço, seja pessoa jurídica, seja pessoa física, paga o ISS para o Município onde esteja situado o seu estabelecimento (escritório, sucursal, filial, etc.) ou, na ausência de um estabelecimento, seu próprio domicílio (regra subsidiária).

Excepcionalmente, em hipóteses taxativamente descritas, a Lei Complementar nº 116/2003 admite como elemento espacial da hipótese de incidência do ISS o local em que o serviço é efetivamente prestado, de modo que o Município onde se realiza a atividade faz jus ao recebimento do tributo.

Em que pese a circunstância da decisão do Congresso Nacional de derrubar os vetos presidenciais ter sido adotada num momento de desgaste político, ela arrebatou novamente a atenção de diversos setores da economia, e principalmente da Administração Pública no que tange a esfera municipal.

 

Competência tributária do ISS

Em termos objetivos, competência tributária consiste na parcela do poder estatal de criar tributos, observados os limites descritos pela Constituição. A Constituição Federal de 1988, no artigo 156, define a competência para instituir o ISS:

 

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I- propriedade predial e territorial urbana;

II- transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

III- serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. (grifo nosso)

IV- (Revogado).

 

O ISS tem como sujeito ativo o Município, respeitado o princípio da territorialidade, e como sujeito passivo o contribuinte pessoa física ou jurídica prestadora do serviço.

O fato gerador do ISS é a prestação dos serviços relacionados em lei, ainda que eles não correspondam à atividade preponderante do prestador. A definição dos serviços de forma taxativa pelo legislador se justifica ante a exigência constitucional de se obstar a duplicidade de cobrança tributária por serviços inseridos no âmbito de incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, além da necessidade de se indicar nas operações de prestação de serviços associadas a fornecimento de mercadorias qual é a atividade preponderante.

 

A Lei Complementar nº 157/2016

A promulgação da Lei Complementar nº 157/2016 que alterou a Lei do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS (LC nº 116/2003) teve como principais objetivos restringir a guerra fiscal entre os municípios, fixando uma alíquota mínima de 2%. Deste modo, a norma impediu que estes entes federativos fixassem percentuais inferiores ao piso legal com o objetivo de atrair investimentos para o território municipal, gerando uma perda arrecadatória prejudicial aos interesses da comunidade local em virtude da competição tributária estimulada por agentes privados entre os Municípios.

A partir da publicação da LC nº 157/2016, a fixação de percentuais abaixo do mínimo passou a ser considerada improbidade administrativa. Com isso, dentro de um ano os municípios deverão adotar medidas de adesão às novas regras, como a revogação das normas não recepcionadas.

É interessante destacar que esta limitação não se aplicou aos setores da construção civil e dos transportes, para os quais pode ser conferida a concessão de benefícios e isenções fiscais.

A regra exceptiva do elemento espacial do ISS como sendo o local onde o serviço é prestado foi ampliada pela Lei Complementar nº 157/2016 para novas hipóteses de serviços, tais como planos de saúde e serviços financeiros (cartões de débito e crédito, factoring e leasing).

Além destas previsões, a Lei Complementar nº 157/2016 aumentou o rol de serviços a serem tributados pelo ISS, a partir de março de 2017.

 

Dispositivos vetados e razões do veto presidencial

Abaixo, estão descritos os dispositivos do Projeto de Lei Complementar nº 366/2013 que receberam o veto presidencial (Veto nº 52/2016), e suas respectivas razões.

“Art. 3º O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXVI quando o imposto será devido no local:

(….)

XXIII – do domicílio do tomador dos serviços dos subitens 4.22, 4.23 e 5.09;”

(….)

“Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.

4.22 – Planos de medicina de grupo ou individual e convênios para prestação de assistência médica, hospitalar, odontológica e congêneres.

4.23 – Outros planos de saúde que se cumpram através de serviços de terceiros contratados, credenciados, cooperados ou apenas pagos pelo operador do plano mediante indicação do beneficiário.

5.09 – Planos de atendimento e assistência médico-veterinária.”

Ao vetar o inciso XXIII do art. 3º do Projeto de Lei Complementar nº 366/2013, o Presidente Michel Temer justificou que a mudança poderia causar “uma potencial perda de eficiência e de arrecadação tributária, além de pressionar por elevação do valor dos planos de saúde, indo de encontro à estratégia governamental de buscar alternativas menos onerosas para acesso aos serviços do setor”.

 

“Art. 3º O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXVI quando o imposto será devido no local:

(…)

XXIV – do domicílio do tomador do serviço no caso dos serviços prestados pelas administradoras de cartão de crédito ou débito e demais descritos no subitem 15.01;”

(…)

Art. 6º Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais.

(…)

  • 4º No caso dos serviços prestados pelas administradoras de cartão de crédito e débito, descritos no subitem 15.01, os terminais eletrônicos ou as máquinas das operações efetivadas deverão ser registrados no local do domicílio do tomador do serviço.”

“Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.

15.01 – Administração de fundos quaisquer, de consórcio, de cartão de crédito ou débito e congêneres, de carteira de clientes, de cheques pré-datados e congêneres.”

Para o Presidente, estes dispositivos (inciso XXIV do art. 3º e § 4º do art. 6º da Lei Complementar nº 116/2003) também “comportariam uma potencial perda de eficiência e de arrecadação tributária, além de redundar em aumento de custos para empresas do setor, que seriam repassados ao custo final, onerando os tomadores dos serviços.”

 

“Art. 3º O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXVI quando o imposto será devido no local:

XXV – do domicílio do tomador dos serviços dos subitens 10.04 e 15.09.”

(…)

Art. 6º Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais.

  • 3º No caso dos serviços descritos nos subitens 10.04 e 15.09, o valor do imposto é devido ao Município declarado como domicílio tributário da pessoa jurídica ou física tomadora do serviço, conforme informação prestada por este.”

(…)

“Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.

10.04 – Agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de arrendamento mercantil (leasing), de franquia (franchising) e de faturização (factoring).

15.09 – Arrendamento mercantil (leasing) de quaisquer bens, inclusive cessão de direitos e obrigações, substituição de garantia, alteração, cancelamento e registro de contrato, e demais serviços relacionados ao arrendamento mercantil (leasing).”

O Presidente Michel Temer vetou o inciso XXV do art. 3º e § 3º do art. 6º da Lei Complementar nº 116/2003, alegando que estes dispositivos “contrariam a lógica de tributação desses serviços, que deve se dar no local onde ocorrem a análise do cadastro, o deferimento e o controle do financiamento concedido, e não em função do domicílio do tomador dos serviços.”

O texto do Veto nº 52/2016 afirma que Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços opinou, ainda, pelo veto aos dispositivos a seguir transcritos:

 

“Art. 3º O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXVI quando o imposto será devido no local:

(…)

  • 4º Na hipótese de descumprimento do disposto no caput ou no § 1º, ambos do art. 8º-A desta Lei Complementar, o imposto será devido no local do estabelecimento do tomador ou intermediário do serviço ou, na falta de estabelecimento, onde ele estiver domiciliado.

(…)

Art. 6º Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais.

(…)

  • 2º Sem prejuízo do disposto no caput e no § 1o deste artigo, são responsáveis:

(…)

III – a pessoa jurídica tomadora ou intermediária de serviços, ainda que imune ou isenta, na hipótese prevista no § 4 o do art. 3 o desta Lei Complementar.”

O § 4º do art. 3º e inciso III do § 2º do art. 6º da Lei Complementar nº 116/2003 foram vetados porque “imputariam elevado custo operacional às empresas. Além disso, a definição da competência tributária deve vir expressamente definida em lei complementar, não cabendo sua definição a posteriori, como pode ocorrer nas hipóteses previstas pelos dispositivos.”

Nota-se que para proceder aos vetos, o Poder Executivo preocupou-se, principalmente, com a possibilidade de queda na arrecadação e aumento dos custos das empresas, o que provocaria repasse ao consumidor final.

Ocorre que a decisão foi tomada em meio à maior crise política do país, com o interesse do Governo de passar a imagem de uma economia em plena operação e em crescimento.

 

Decorrências do veto presidencial

Aspectos econômicos e funcionamento do sistema tributário

O Brasil possui uma quantidade elevada de municípios (mais de 5.500). Com a transferência da cobrança do Imposto sobre Serviços para o domicílio do cliente, nas operações de cartões de créditos e débito, leasing e de planos de saúde, criou-se novas exigências aos prestadores de serviços que mantém seus negócios e oferecem seus serviços por todo território nacional.

Estes empresários deverão atender não só as regras previstas para as cidades em que estão localizados os seus estabelecimentos, mas também os ditames dos mais de 5.500 municípios. Há que se considerar ainda a intrigante indagação: as empresas terão que ter inscrição municipal em cada localidade?

Além dessas imposições, a mudança do parâmetro legal estabelece a necessidade de se criar uma logística eficaz para a fiscalização tributária nos diversos municípios, além da imprescindibilidade de preparo dos gestores na adequação de seus negócios às novas diretrizes.

Tudo isso se soma ao fato de que as empresas já consideram a possibilidade de um aumento no custo com o cumprimento das burocracias, tornando-se imprescindível a simplificação e a padronização das normas tributárias dos municípios.

Talvez, uma solução adequada seja a unificação dos modelos de nota fiscal para o ISS em todo Brasil e criar a possibilidade de pagamento do tributo para várias cidades a partir de um único documento.

O modelo constitucional atualmente existente para mitigação da pluralidade e complexidade das obrigações fiscais pertinentes ao Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, por meio do qual os Estados se reúnem no âmbito do CONFAZ – Conselho Nacional de Política Fazendária para discussão e fixação de normas uniformes e padronização dos sistemas e documentos fiscais seria uma alternativa à difusa burocracia fiscal municipal, o que demandaria previsão constitucional e legislativa específica.

Para muitos empresários, a abertura de filiais nos diversos municípios e o cumprimento de obrigações tornará suas operações inviáveis. Prevê-se, inclusive, que empresas podem se retirar de diversas localidades, ficando os consumidores sem a prestação do serviço. Isto pode prejudicar o processo de inclusão financeira e de interiorização de distintos serviços no Brasil.

Cabe destacar ainda que embora os Municípios tenham competência tributária, não possuem autonomia plena para a instituição dos fatos tributáveis, necessitando, segundo a Constituição Federal, de Lei Complementar que os vincule. O legislador constituinte desejou que o Congresso Nacional provesse norma geral sobre a matéria, cuja finalidade é evitar o indevido exercício da competência tributária municipal relativa ao ISS.

Mesmo diante destas decorrências, acredita-se que a redistribuição do ISS para os municípios deve gerar uma arrecadação de R$ 6 bilhões às prefeituras. No entanto, espera-se também que, mesmo sendo a nova distribuição uma forma justa de divisão da arrecadação, os municípios percebam, ao final, valores muito pequenos.

De qualquer modo, o Poder Executivo pretende estabelecer medida normativa que permita a operacionalização das definições legais, afim de não causar nenhum problema ao bom funcionamento do Sistema Financeiro Nacional.

 

Conclusão

Apesar da rejeição do veto ser derivada de um acordo político para assegurar apoio congressual às medidas reformistas do Poder Executivo e, em última instância, contornar a grave crise política vigente, é imperioso destacar que os efeitos jurídico-econômicos dessa decisão legislativa é absolutamente incerto.

De fato, a inclusão de novas hipóteses de serviços na regra exceptiva da tributação no local em que a atividade é efetivamente realizada (local da prestação do serviço) nutre a expectativa de maior arrecadação desse tributo para os Municípios de médio e pequeno porte. Isto porque, os serviços de saúde relacionados a medicina de grupo ou seguros, bem como serviços financeiros atinentes ao uso de cartões de créditos e contratos de arrendamento mercantil, são necessariamente descentralizados, apesar de sua administração centralizada.

De outro lado, é incerta a repercussão dessas medidas nos setores afetados e no mercado. A burocracia difusa, a pluralidade legislativa e complexidade das estruturas administrativas poderão ensejar um desestímulo à descentralização dos serviços no âmbito nacional, causando uma restrição das atividades econômicas afetadas a Municípios que detenham ambiente fiscal favorável.

Ainda, existe a possibilidade de que Municípios de pequeno porte que se ressentem de estrutura de pessoal e administrativa adequada não tenham capacidade técnica de implementação de medidas efetivas de fiscalização, cobrança e arrecadação, resultando no viés exatamente oposto à intenção do legislador: ampla sonegação fiscal por parte dos agentes econômicos à vista da ineficiência da administração tributária.

Portanto, as alterações efetivadas pela LC nº 157/2016 devem ser objeto de cuidadosa avaliação para observação quanto aos seus efeitos no âmbito do mercado e, especialmente, na capacidade dos Municípios em criar estruturas administrativas adequadas à obtenção dessa nova receita tributária.

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