EnglishPortugueseSpanish

NotíciasEmpreendedorismo, crise fiscal e a fragilidade do debate político nacional

A sociedade brasileira caminha para o encerramento de mais um escrutínio eleitoral sob a vigência da ordem jurídica inaugurada a partir da Constituição de 1988. O processo eleitoral de 2018 representa apenas a oitava participação popular democrática para a escolha de seu representante ao cargo executivo mais importante da república presidencialista brasileira, mas será aquela que congregou a maior participação popular com 147.306.275 eleitores aptos a votar e o maior número de candidaturas registradas, somando-se um total de 29.087 candidatos ao pleito.1

Apesar do crescente exercício da cidadania e da soberania popular pelos brasileiros, constata-se uma evidente fragilidade do debate político nacional. Por um lado, em relação ao espectro político, há uma evidente omissão dos candidatos à presidência em apresentar projetos políticos coerentes, o que implica na vaguidão dos planos de governo entregues ao Tribunal Superior Eleitoral. De outro lado, os cidadãos são envoltos em informações pouco confiáveis e que propiciam uma ocultação de dados relevantes da realidade nacional, tornando-se um elemento fomentador do debate rasteiro e baseado em partidarismos preconceituosos ou opiniões simplistas sobre temas fundamentais da sociedade e do estado brasileiro.

Uma dessas questões relevantes e que se encontram esquecidas é o fomento à cultura empreendedora. A cristalização de valores e comportamentos empreendedores numa determinada sociedade é fundamental para encorajar iniciativas individuais na realização de novos negócios. Desta forma, uma educação empreendedora que estimule a autonomia individual, a inovação, a avaliação e assunção de riscos e, finalmente, a persistência no comportamento empreendedor, é o primeiro passo para um política pública eficaz.

A formação de uma cultura empreendedora é a mais importante contribuição que o planejamento governamental pode proporcionar a uma sociedade. Os cidadãos podem se engajar numa ocupação assalariada, por meio do qual lhes é assegurado um contraprestação previamente determinada pela oferta de sua mão de obra, o que tampouco lhe proporciona riscos, à exceção da própria desocupação; ou os cidadãos podem se engajar numa atividade empresária, que, a despeito de ser envolta em maiores riscos, lhes asseguram maior satisfação pessoal e, eventualmente, maior retorno financeiro.

Diversas pesquisas e estudos conduzidos conduzidos por instituições nacionais e internacionais demonstram a propensão dos cidadão brasileiros em empreender. A título de exemplo, observa-se do relatório de 2017/2018 do Global Enterpreneurship Monitor – GEM2, que o Brasil ocupa a vigésima posição num total de 54 países em termos de espírito empreendedor. De fato, em 2017, a taxa total de empreendedorismo (TTE) foi de 36,4%, indicando que aproximadamente 1/3 da população adulta (18 – 64 anos) estava envolvida numa atividade empreendedora.

Esse espírito empreendedor é um bom indicativo sobre os valores da sociedade brasileira a respeito de pessoas empreendedoras e corresponde aos dados obtidos pelo relatório GEM 2017/2018. Efetivamente, o brasileiro se reconhece como capacitado para concretizar uma iniciativa empreendedora e não se impõe a possibilidade de fracasso como obstáculo para a sua iniciativa.

Apesar do entusiasmo em abrir o próprio negócio, ou tornar-se chefe de si mesmo, o fato é que a mortalidade das empresas nascentes no Brasil é extremamente elevada. Dados do Sebrae para o ano de 2016 indicam que a taxa de sobrevivência das empresas com até 2 anos é de aproximadamente 77%, quando incluídos os microempreendedores individuais – MEI. Retirando-se os MEI, a taxa cai para substanciais 58%. Ou seja, considerando-se um universo de 100 empresas, aproximadamente 40 deles são encerradas num período de até 2 anos.

Diversas são as causas para essa mortandade, mas três se sobressaem: carga tributária excessiva, falta de planejamento adequado e dificuldades de financiamento. Tudo isso reflete o posicionamento global do Brasil em relação a um ambiente de negócios amigável. Conforme relatório do Banco Mundial3, o Brasil ocupa a 125ª posição num universo de 190 países em relação à facilidade para fazer negócios. Quando o critério é a facilidade para abertura de empresas, o Brasil ostenta a 176ª posição e, em relação a carga tributária, a 184ª.

Evidentemente, o Brasil avançou no aprimoramento de seu ambiente de negócios nos últimos anos. Saindo de uma econômica fechada e uma orientação protecionista na década de 80, o Brasil buscou melhorias no âmbito regulatório com a reformulação das normas empresariais, a criação de um sistema unificado de pagamento de tributos e maior abertura à formalidade por meio da ampliação do leque de opções de registro de empresários e sociedades empresárias.

Mas todo o esforço realizado até aqui se demonstra ainda descoordenado e intermitente. O empreendedorismo é responsável por mais de 100 bilhões anuais de faturamento e de aproximadamente 76 bilhões de reais em arrecadação tributária decorrente do Simples Nacional4. Para o exercício de 2018, considerando-se o período de janeiro a julho, arrecadou-se mais de 48 bilhões de reais.

Portanto, todos esses dados indicam que a consolidação de uma educação empreendedora que promova uma cultura empreendedora é fundamental para o país. O Brasil vivencia uma grave crise fiscal com uma explosão do deficit público. É emergencial a adoção de iniciativas de longo prazo que propiciem o equilíbrio entre a receita e a despesa, mas, principalmente, uma maior taxa de investimento.

É nesse contexto que o processo eleitoral em curso se revela extremamente decepcionante ante a pobreza do debate público nacional. Analisando-se os planos de governo dos dois candidatos contendores no segundo turno eleitoral, Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, constatam-se referências a modelos e propostas já esgotados, que pouco ou nada esclarecem em relação aos propósitos de governo.

O candidato Jair Bolsonaro, representante da coligação denominada “Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos”, faz três referências em seu plano de governo ao empreendedorismo, propondo o seu fomento e a criação de um ambiente que estimule a cultura empreendedora, incluindo-se o dever das universidades em educar e estimular os estudantes a empreender. Em relação ao ecosistema empresarial, o programa de governo apenas indica uma proposta de simplifcação burocrática para abertura e fechamento de empresas, sem pormenorizar os requisitos e condições de implantação dessa medida.

Já o candidato Fernando Haddad, vinculado à coligação “O Povo Feliz de Novo”, apresenta plano de governo mais consentâneo com as perspectivas do empreendedorismo no contexto de uma crise fiscal. De fato, o termo empreendedorismo é encontrado em seis oportunidades no plano de governo de Fernando Haddad, na qual é enfatizada a relevância da cultura empreendedora como resposta a dificuldades de inserção de jovens e adultos no mercado de trabalho, indutora de empregos, inclusão socioeconômica e geração de receitas para o Estado mediante incentivo à formalização e pagamento de tributos.

No entanto, a despeito das referências ao empreendedorismo, ambos os programas de governo recaem em fórmulas vazias ou práticas já consolidadas em virtude de normas constitucionais ou legais. Por exemplo, Jair Bolsonaro e Fernando Haddad enaltecem o papel orientador e incentivador da universidade na formação de jovens empreendedores, mas não detalham como isso deverá ser implantado. Fernando Haddad menciona a manutenção de tratamento diferenciado e o aprimoramento do Simples Nacional, omitindo o dado relevante de que esse tratamento diferenciado decorre de dispositivo constitucional, qual seja o artigo 146, III, alínea “d” e seu parágrafo único.

Assim, com o objetivo de fomentar o debate e atrair atenção para tema extremamente relevante, a formulação de uma política pública eficiente e promotora da cultura empreendedora de longa prazo deverá abordar três eixos principais: o regulatório, o creditício e o pedagógico.

Em relação ao aspecto regulatório, o próximo governo deverá propor uma intensiva desburocratização, mediante a informatização de procedimentos de registro de empresas, criação de cadastro nacional único de contribuintes, mitigação de obrigações fiscais e eliminação de entraves normativos para a licença e funcionamento de empresas.

No âmbito creditício, é fundamental a facilitação das condições para financiamento a baixo custo da atividade empresarial, eliminando obstáculos relacionados a garantias reais ou fidejussórias, mediante programa público de ofertas de seguros específicos ou fundos públicos, a exemplo do Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (Fampe).

No contexto pedagógico, é imperioso o envolvimento de instituições de ensino públicas e privadas, no âmbito da educação básica, fundamental e superior. A política pública deverá buscar não apenas a alteração curricular para a previsão de disciplinas de habilidades digitais e inovação, programas de empreendedorismo para jovens, laboratórios de empresas, mas, também atuar incisivamente como aceleradora de negócios nascentes (start ups) e apoio à pesquisa e desenvolvimento de produtos, processos industriais e serviços inovadores.

Também em termos educativos, a aproximação com o setor empresarial é fundamental. Grandes empresas podem atuar como mentores ou investidores anjos em negócios promissores, oferecendo apoio a negócios nascentes por meio de planejamento adequado e apoio estratégico para melhor divulgação do produto ou serviço desenvolvido.

Portanto, o atual contexto político, social e econômico brasileiro apenas reforça a emergência da formulação de uma política pública adequada para estimular a cultura empreendedora, considerando-a como trajeto essencial para ultrapassar a grave crise fiscal vivenciada pelo país, inserindo o Brasil num panorama global de sustentabilidade fiscal e ecossistema negocial amigável.

Infelizmente, é exatamente isso o que não se percebe no debate político nacional.

Deixe um comentário

Your email address will not be published. Required fields are marked *

https://barretodolabella.com.br/wp-content/uploads/2021/01/logotipo.png

Filiais nas principais cidades do Brasil // Estamos onde nosso cliente está

Todos os direitos reservados

Leia nossa política de privacidade

Desenvolvido por Design C22