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ArtigosCaso Daniel Alves: Uma Análise das Implicações Legais no Brasil

No dia 20 de março, a Justiça espanhola concedeu liberdade provisória a Daniel Alves, ex-jogador da Seleção Brasileira, que foi condenado por estupro em Barcelona. Para ser liberado, ele terá que pagar uma fiança de 1 milhão de euros (equivalente a cerca de R$ 5,4 milhões de reais) e cumprir outras condições durante o período em que estiver em liberdade. A decisão foi proferida pela 21ª Seção do Tribunal de Barcelona, que examinou o recurso apresentado pela defesa do ex-lateral. Ambas as partes recorreram da decisão inicial: a parte acusadora buscava uma sentença de 12 anos de prisão para o brasileiro, enquanto este recorreu buscando uma absolvição.

Para estar em liberdade condicional, Daniel Alves terá que obedecer a certas condições estabelecidas pelo tribunal. Ele ficará sem seus passaportes brasileiro e espanhol, será proibido de entrar em contato com a vítima e de se aproximar dela a menos de 1km de distância, além de ter que comparecer perante a Justiça uma vez por semana, conforme destaca o trecho abaixo retirado da sentença:

“O tribunal delibera, por maioria e com voto individual: ‘Acordar a prisão provisória de Daniel Alves, que pode ser evitada mediante o pagamento de uma fiança de 1.000.000,00  euros (um milhão de euros) e acordada a sua libertação provisória, a retirada de ambos os passaportes, espanhol e brasileiro, a proibição de sair do território nacional, e a obrigação de comparecer semanalmente a este Tribunal Provincial, bem como quantas vezes for convocada pela Autoridade Judiciária”

 

  1. Entenda o caso

No dia 31 de dezembro de 2022, minutos antes das 4h, Daniel Alves convida a vítima, uma jovem de 23 anos, para acompanhá-lo a um dos banheiros da boate Sutton, em Barcelona, onde ocorreu a agressão. Dezesseis minutos depois de entrarem, Alves sai primeiro, seguido pela jovem. Ao sair, acompanhada de duas amigas que também foram convidadas ao camarote do ex-jogador, a vítima começa a chorar e é acolhida pela segurança da casa. Um protocolo de segurança é acionado e a vítima é ouvida, enquanto o jogador já havia deixado o local. Já no dia 2 de janeiro de 2023, às autoridades, a vítima reafirma seu depoimento inicial. Ela acompanhou Daniel Alves voluntariamente, mas se arrependeu ao entrar no cômodo da boate Sutton. O agressor não permitiu que ela saísse, tentou forçá-la a praticar sexo oral, agrediu-a e a violentou. Após a conclusão do inquérito, os policiais se prepararam para prender Alves, que retornava do México, onde jogava pelo Pumas, para o funeral de sua sogra.

No dia 20 de janeiro de 2023, após sua prisão, Daniel Alves contradiz seu depoimento pelo menos três vezes antes de afirmar que a moça “tentou” fazer sexo oral nele. Diante da declaração firme da jovem agredida, das evidências de estupro e do risco de fuga – uma vez que o agressor residia no México, onde jogava pelo Pumas -, a juíza decide mantê-lo preso sem direito a fiança. No mesmo dia, seu clube rescinde seu contrato.

Já em 22 de fevereiro de 2024, Daniel Alves foi sentenciado a quatro anos e meio de prisão por agressão sexual. Além disso, foi determinado que ele cumprirá cinco anos de liberdade condicional após o término da pena, com a proibição de contatar ou se aproximar da vítima. O Tribunal Superior da região da Catalunha, na Espanha, também ordenou que o jogador pague uma indenização de 150 mil euros à vítima.

Conforme divulgado pelo tribunal, foi demonstrado que a vítima não consentiu com o ato, e há evidências substanciais, respaldadas pelo testemunho da denunciante, que corroboram a agressão. “O arguido agarrou abruptamente a denunciante, atirou-a ao chão e, impedindo-a de se mexer, penetrou-a pela vagina, apesar de ela ter dito que não, ela queria ir embora. Isso se enquadra no contexto de ausência de consentimento, uso de força e penetração sexual”.

Entretanto, no último dia 20 de março, o tribunal de Barcelona, na Espanha, concedeu liberdade provisória ao ex-jogador Daniel Alves, mediante o pagamento de fiança de 1 milhão de euros (aproximadamente R$ 5,4 milhões), enquanto aguarda-se a sentença definitiva da defesa. A decisão judicial também determina que, ao pagar a fiança, Daniel Alves terá seus dois passaportes, tanto o brasileiro quanto o espanhol, confiscados.

 

  1. E se o caso ocorresse no Brasil, haveria a possibilidade de fiança em prol da liberdade provisória?

 

Conforme estabelecido nessa legislação, em seu Título VI, “Dos Crimes contra a Liberdade Sexual”, no Capítulo I, “Dos Crimes contra a Liberdade Sexual”, a lei descreve as condutas proibidas conforme se segue:

Art. 213 -. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.

 

A pena prevista varia de 4 a 10 anos de reclusão. Entretanto, se o crime resultar em lesões graves ou for cometido contra um menor, a pena é aumentada para 8 a 12 anos.

No caso concreto em análise, a vítima, com 23 anos de idade, não era menor; no entanto, a presença de lesões durante o incidente permanece sujeita à investigação durante o processo. Caso haja lesões graves identificadas, isso poderia resultar em um aumento significativo da pena. Além disso, o constrangimento supostamente causado pelo jogador pode ser considerado em dois aspectos separados, o que poderia resultar na acumulação das penas, levando o agressor a cumprir mais de 20 anos de prisão.

Quanto à prisão preventiva, que consiste na manutenção do agressor sob custódia antes da conclusão de todos os recursos, a legislação aplicável é o Código de Processo Penal. Este está localizado no Título IX, “Da Prisão, Das Medidas Cautelares e da Liberdade Provisória”, no Capítulo III, “Da Prisão Preventiva”, cujo Art. 312 estabelece o seguinte:

“A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública ou da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”.

Para manter alguém preso preventivamente no Brasil, é necessário que todos os requisitos do artigo mencionado sejam atendidos. Isso inclui garantir a ordem pública, que, por si só, poderia justificar a prisão do acusado devido à comoção e repercussão do caso; no que tange garantir a ordem econômica, não se aplicaria neste caso, uma vez que se trata de um crime de natureza sexual; por conveniência da instrução criminal, quando é necessário manter o agressor na detenção para garantir a obtenção de provas e elementos para o processo, embora as prisões preventivas tenham sido frequentemente decretadas em situações semelhantes no país; e, por fim, para assegurar a aplicação da lei penal, onde a autoridade policial e o promotor de justiça, com todo o inquérito em mãos, analisam o grau de culpabilidade e a intenção do agente para solicitar a continuidade de sua prisão.

Nesse ponto, com base nas informações divulgadas pela imprensa no Brasil, o jogador também estaria detido. No entanto, uma medida que poderia ser determinada no seu caso seria o uso de tornozeleira eletrônica até o julgamento final, uma vez que, aparentemente, trata-se de uma pessoa sem antecedentes criminais.

No que se refere ao pagamento de fiança para obtenção de liberdade provisória, é importante esclarecer que este instituto é considerado uma contracautela, pois é por meio dele que a prisão cautelar pode ser evitada. No entanto, o indivíduo só poderá se beneficiar desse direito se não preencher nenhum dos requisitos listados no artigo 312 do Código de Processo Penal.

No que diz respeito à liberdade provisória mediante pagamento de fiança, é importante destacar que, originalmente, na criação do Código Penal em 1940, a única forma de liberdade provisória permitida era aquela condicionada ao pagamento de fiança. No entanto, com a promulgação da Lei nº 12.403/2011, houve modificações nesse entendimento, estabelecendo que a liberdade provisória é um direito imediato do acusado, especialmente nos casos em que o ato praticado se enquadra nas hipóteses de exclusão de ilicitude previstas no artigo 23 do Código Penal. Atualmente, além de o indiciado precisar disponibilizar uma quantia para garantir sua liberdade enquanto aguarda o desenrolar do processo, ele também deve comparecer para prestar esclarecimentos sempre que solicitado pelo Delegado de Polícia, além de comparecer em juízo para o julgamento.

A Lei 11.468/08 promoveu alterações na legislação dos crimes hediondos e equiparados, com o objetivo específico de restringir a concessão de liberdade provisória mediante o pagamento de fiança para esses crimes. Em outras palavras, a lei permitiu que, para os crimes considerados mais graves, fosse possível conceder a liberdade provisória, porém sem a exigência de fiança. Essa mudança ocorreu devido ao entendimento de que negar a liberdade provisória com base na inafiançabilidade desses crimes constituía um constrangimento e uma violação de vários princípios constitucionais, incluindo o da presunção de inocência.

Portanto, é sabido que, devido a uma proibição constitucional, a fiança não pode ser concedida para os crimes de racismo, tráfico de drogas, terrorismo, tortura, ação de grupos armados, civis ou militares contra a ordem constitucional do Estado Democrático, além dos crimes classificados como hediondos, conforme estabelecido pelo artigo 5º, incisos XLII, XLIII e XLIV da Constituição Federal de 1988. Assim, segundo a lei, são hediondos o homicídio, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio; o homicídio qualificado, entre eles o feminicídio e o praticado contra menor de 14 anos; o latrocínio; o estupro; a extorsão mediante sequestro; o genocídio; a posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido; o favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável; dentre outros.

Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus nº 92824, relatado pelo Ministro Joaquim Barbosa em 18 de dezembro de 2007, defendeu a possibilidade de aplicação da liberdade provisória nos crimes hediondos e equiparados, desde que não preenchidos os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Argumentou-se que a Lei 11.464 de 2007 passou a permitir a concessão de liberdade provisória para esses crimes, ao alterar o artigo 2º, inciso II, da Lei 8.072 de 1990, removendo a proibição da concessão de liberdade provisória para os crimes hediondos e equiparados. No entanto, manteve-se a impossibilidade de aplicação de fiança para esses casos.

Desse modo, é certo dizer que a legislação penal brasileira não contempla a oportunidade de pagamento de fiança em casos de estupro. Um caso ilustrativo é o de Robinho, cuja sentença italiana foi ratificada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) nesta semana. Ao contrário de Daniel Alves, o ex-atacante não possui a opção de efetuar qualquer pagamento para obter a liberdade ou para diminuir a pena de nove anos de prisão.

Mesmo que o pagamento da fiança seja realizado, é importante ressaltar que isso não resulta na libertação imediata de Daniel Alves da prisão determinada pela Corte espanhola, caso esta seja confirmada após a análise dos recursos. O pagamento refere-se apenas ao período durante o qual o tribunal de apelações examina os argumentos apresentados tanto pela defesa do jogador quanto pelos acusadores e pela vítima.

Entretanto, Crimes sexuais sempre geram repercussões significativas diante das circunstâncias envolvidas. Portanto, as autoridades devem agir com prudência e discernimento ao analisar os relatos apresentados no processo, a fim de aplicar, se necessário, as penas conforme estabelecido pela legislação. A vulnerabilidade das mulheres diante do estupro traz à tona a questão de que, nos tempos atuais, ainda enfrentamos preconceitos arcaicos que remontam séculos passados, retrocedendo nos direitos e garantias fundamentais das mulheres. A cada dia, inúmeras vítimas são impactadas por condutas cruéis que a legislação penal vigente não é capaz de repudiar de forma adequada. Em uma era em que os princípios fundamentais são defendidos com veemência pelo Estado, é crucial realizar uma análise minuciosa para combater o preconceito e a incidência de estupros contra mulheres e qualquer outra possível vítima.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITENCOURT, Cezar Robert. Tratado de Direito Penal – Volume 4 – Parte especial – Crimes contra a dignidade sexual até crimes contra a fé pública. São Paulo: Saraiva, 2016.

COELHO, Yuri Carneiro. Curso de Direito Penal Didático. São Paulo: Atlas, 2014.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Especial, Niterói, RJ: Impetus, 2015

FERRAJOLI, Luigi. Teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Direito e Razão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

MIGALHAS. Justiça dá liberdade provisória a Daniel Alves sob fiança de 1 milhão de euros. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/403812/daniel-alves-justica-da-liberdade-provisoria-sob-fianca-de-1-milhao

 

 

 

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