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ArtigosA inconstitucionalidade da Taxa de Serviço Administrativo – TSA, instituída pela Lei 9.960/2000

Em maio de 2016, a Superintendência da Zona Franca de Manaus – Suframa, autarquia federal responsável pela definição do modelo de desenvolvimento e utilização dos recursos naturais da região amazônica, interpôs embargos de declaração no recurso extraordinário nº 957650, cujo acórdão foi proferido pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em 28 de outubro deste mesmo ano, em virtude da declaração de inconstitucionalidade da TSA – Taxa de Serviço Administrativo.

  • O caso

O caso originou-se do Recurso Extraordinário com Agravo interposto pela empresa Drogarias Santo Remédio Ltda. contra as decisões proferidas nos autos de recurso de apelação nº 0021846-57.2013.4.013200, oriundo de ação declaratória que pretendeu a declaração de inexistência da relação jurídica tributária entre a autora e a Suframa.

Uma vez declarada a inexistência da relação jurídica, a empresa se viu desobrigada de pagar a Taxa de Serviços Administrativos – TSA cobrada pela autarquia, tendo em consideração o argumento da inconstitucionalidade da Lei nº 9.960/2000 e em virtude da não recepção do Decreto-Lei nº 288/1967 pela Carta Magna de 1988.

Na ocasião, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) manteve a decisão de primeira instância que declarou a inexistência de relação jurídica tributária entre as duas instituições e, portanto, a não obrigatoriedade do recolhimento da TSA pela empresa na importação de mercadorias estrangeiras e no internamento de mercadorias nacionais.

A Suframa recorreu então ao STF alegando que desempenhava funções de administração constituídas em aprovar, acompanhar, avaliar e controlar os projetos técnicos-econômicos das empresas instaladas na área da Zona Franca, o que lhe confere legitimidade para a exigência da TSA com fundamento no volume aferido de atividade econômica da empresa.

A Suframa sustentou, ainda, que os elementos constitutivos da obrigação tributária estavam descritos no artigo 1º da Lei 9.960, de 28 de janeiro de 2000. Argumentou que a taxa é exigível em razão do exercício regular do poder de polícia e da prestação de serviços públicos que atendiam a especificidade e divisibilidade exigida pelo art. 79, incisos II e III do CTN. Alegou também que não é necessária a definição pela norma tributária de quais os serviços requerem a cobrança de tributo, bastando a indicação de que integrem as competências atribuídas no Decreto-Lei 288/1967 – que regulamenta a Zona Franca de Manaus.

  • STF: a inconstitucionalidade declarada

Diante das alegações apresentadas pelas Drogarias Santo Remédio Ltda. e pela Suframa, o Ministro Teori Zavascki observou que a lei federal que instituiu a TSA omitiu-se na definição concreta do fato gerador do tributo. Assim, vejamos:

Art. 1º É instituída a Taxa de Serviços Administrativos – TSA, tendo como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição pela Superintendência da Zona Franca de Manaus – Suframa. (Lei nº 9.960/2000)

Observou, ainda, que a norma deixa de definir qual a atuação estatal (vinculada ao exercício regular do poder de polícia) e qual o serviço público (específico e indivisível), colocados à disposição ou prestados ao contribuinte, seriam financiados pelo tributo.

O ministro afirmou ainda que o STF, em ampla jurisprudência, tem decidido no sentido de que o Decreto-Lei nº 288/1967 não foi recepcionado pela Constituição Federal. Salientou que ambas as turmas da Corte têm se manifestado pela inconstitucionalidade da TSA, criada pela Lei nº 9.960/2000, diante da não especificação do fato gerador do tributo.

Ao final, o plenário da Corte declarou que “é inconstitucional o artigo 1º da Lei 9.960/00, que instituiu a Taxa de Serviços Administrativos (TSA), por não definir de forma específica o fato gerador da exação” (Repercussão Geral no Recurso Extraordinário com Agravo nº 957.650 – Amazonas). O STF conheceu do agravo para negar provimento ao Recurso Extraordinário, com o reconhecimento da repercussão geral do tema e a reafirmação da jurisprudência sobre a matéria.

  • Fundamentações da decisão

3.1- Ocorrência do fato gerador

A Lei nº 9.960/2000, definiu como fato gerador da TSA instituída em favor da Suframa, “o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição” pela autarquia.

A legislação exige a ocorrência simultânea dos mesmos fatores para a criação da taxa: o exercício regular do poder de polícia e a utilização efetiva ou potencial de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição.

Saliente-se que a taxa somente poderá ser cobrada se forem disponibilizados  serviços públicos “específicos” e “divisíveis”.

Ocorre que a Lei nº 9.960/2000 se restringiu apenas a reproduzir o art. 145, inciso II da Constituição Federal:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

(…)

II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

(…)

Como se pode verificar, o legislador não se preocupou em identificar precisamente os serviços ou o exercício da atividade de polícia a justificr a exigência da TSA. Com isso, a lei não observou os requisitos necessários para a criação do tributo, infringindo os ditames do artigo 145 da Constituição Federal.

Por conseqüência, outra disposição constitucional não foi atendida:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (grifo nosso);

II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

Uma vez que a lei federal deixou de especificar concretamente a atuação estatal que seria passível de taxação, não houve a definição do fato gerador do tributo e, portanto, estaria a Superintendência da Zona Franca de Manaus impossibilitada de exigir o seu recolhimento.

Para exemplificar, o fato gerador da taxa judiciária é a prestação de serviços de natureza judiciária pelos órgãos do Poder Judiciário do Estado. No caso da TSA, instituída em favor da Suframa, não se definiu o fato gerador da obrigação tributária, demonstrando-se o desatendimento da exigência constitucional da especificidade do serviço público.

Não havendo definição legal da prestação do serviço público, específica e divisível, ou da atividade de polícia regular sobre o qual incidiria a Taxa de Serviços Administrativos, torna-se inconstitucional o art. 1º da Lei nº 9.960/2000.

3.2- Afronta ao princípio da legalidade

O artigo 145 da Constituição Federal estabelece que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: imposto, taxa e contribuição de melhoria.

O conceito de tributo pode ser encontrado no artigo 3º do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.):

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

As taxas correspondem a uma das espécies tributárias previstas no Direito brasileiro, especialmente no art. 145, II da Constituição Federal de 1988. A taxa é o tributo cujo o fato gerador ocorre por uma atuação estatal específica que se refere ao contribuinte e que pode se constituir em uma das hipóteses já mencionadas do art. 77 do Código Tributário Nacional.

Enquanto o imposto destina-se ao financiamento de atividades gerais do Estado, sendo próprio para custeio de serviços públicos indivisíveis, a taxa se refere ao financiamento dos serviços divisíveis.

A doutrina afirma que a principal característica da taxa é a presença de uma atividade estatal, divisível, destinada a um indivíduo ou a um grupo de indivíduos determináveis.

A taxa é cobrada em virtude de uma obrigação legal tributária. Deste modo, somente a lei pode promover a sua instituição.

Como se sabe, no Direito Tributário, o princípio da legalidade estabelece que a criação, modificação e cobrança de tributo só se efetivará se houver previsão legislativa para tanto. Nenhum instrumento infra-legal poderá autorizar a criação de tributo.

Ocorre que o art. 24 do Decreto-Lei nº 288, de 28 de fevereiro de 1967, assim estabeleceu:.

Art 24. A SUFRAMA poderá cobrar taxas por utilização de suas instalações e emolumentos por serviços prestados a particular.

Parágrafo único. As taxas e emolumentos de que tratam este artigo serão fixadas pelo Superintendente depois de aprovadas pêlo (sic)  Conselho Técnico.

A Lei nº 9.960/2000, no artigo 7º também determina que:

Art. 7º O Superintendente da Suframa disporá, em portaria, sobre os prazos e as condições de recolhimento da TSA, inclusive sobre a redução de níveis de cobrança diferenciados para segmentos considerados de interesse para o desenvolvimento da região, sujeita essa redução à homologação do Conselho de Administração da Suframa. (grifo nosso)

Veja que as normas autorizaram o administrador da Suframa, por meio da edição de portaria, dispor sobre as condições de recolhimento da TSA, inclusive a prerrogativa de determinar os níveis de redução do tributo.

Ainda que a lei federal e o Decreto-Lei assim disponham, instituir taxas por meio de portaria fere o princípio da legalidade, ficando, portanto configurada a inconstitucionalidade.

  • Desenrolar do processo

Após a publicação do acórdão, em 31 de maio de 2016, a Suframa interpôs embargos de declaração com o objetivo de obtenção de efeitos prospectivos, apresentando o seguinte resultado:

4.1- Sustentação nos Embargos de Declaração

A Suframa sustentava, em suma, que o acórdão do STF

“tem efetivo potencial para fomentar inúmeras demandas administrativas e judiciais, na expectativa de restituição dos valores pagos pela utilização de serviços efetivamente prestados pela Superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA”. “(…) os valores obtidos com a cobrança da Taxa de Serviços Administrativos – TSA correspondem, em média, a noventa e seis por cento (96%) da arrecadação total da autarquia” (fl. 3, doc. 6); (c) “o entendimento no sentido de que os valores anteriormente cobrados devem ser restituídos poderá gerar incontáveis demandas com potencial para desestabilizar financeiramente a autarquia e comprometer sua atuação no desenvolvimento socioeconômico da região” (ARE 957650 ED / AM)

Alegava ainda a embargante que os valores pagos foram realizados a título de contraprestação de serviços prestados pela autarquia, de forma que a sua restituição implicaria em enriquecimento sem causa por parte dos contribuintes que obtiveram os serviços.

A Suprema Corte atestou no acórdão que o objetivo da Suframa era discutir a necessidade de modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade proferida no acórdão embargado, com efeitos de repercussão geral.

 

4.2 – Modulação temporal

A possibilidade de se conferir modulação temporal aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade está prevista no artigo 27 da Lei nº 9.868/1999 (que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal):

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. (Lei nº 9.868/1999).

Respaldado pela letra da lei, o STF, então, reafirmou o seu entendimento no sentido de admitir a utilização dos Embargos de Declaração interposto pela Suframa, como instrumento para modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

No entanto, no mérito, a Corte afirmou que a Suframa utilizou-se de argumentos que não eram “hábeis, a justificar o pleito de modulação dos efeitos da decisão” (ARE 957650 ED / AM). Não haveria também motivos relevantes e de interesse social para a sua concessão.

Asseverou ainda, que mesmo sendo a TSA primordial no custeio das atividades desempenhadas pela autarquia, constata-se que essa é apenas uma entre muitas fontes financeiras da Suframa e que segundo o TCU entre 2009 e 2015, as despesas da instituição corresponderam, em média, a apenas 45% das receitas arrecadadas com a TSA.

O STF também afirma que a União, no exercício da sua supervisão ministerial deve assegurar a autonomia financeira das entidades das Administração Pública. Para a Suprema Corte:

 

“Não se pode, portanto, utilizar a dependência financeira da Suframa com relação aos recursos oriundos da cobrança da TSA como argumento para negar aos contribuintes o direito legalmente assegurado de restituição de exação declarada inconstitucional, já que, como visto, a maior parte da receita obtida com a taxa sequer era direcionada ao custeio dos serviços supostamente prestados pela autarquia.” (ARE 957650 ED / AM)

 

Ao final, os ministros do STF acordaram, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, em rejeitar os embargos de declaração.

  • Conclusão

A Taxa de Serviços Administrativos – TSA, criada em favor da Suframa, é inegavelmente inconstitucional por ofender princípio basilar da ordem tributária, qual seja, a legalidade estrita. Além disso, a Lei nº 9.868/1999 não cumpre os requisitos da especificidade e divisibilidade do serviço público presta ou a regularidade do poder de polícia, consoante determinação do Código Tributário Nacional.

Em decorrência da decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal, os contribuintes que recolheram a TSA nos últimos cinco anos poderão pleitear a restituição dos valores indevidamente recolhidos à Suframa, assegurada a devolução do montante devidamente atualizada de acordo com a Taxa Selic.

A ação de repetição de indébito, via adequada para a restituição do tributo, poderá, inclusive, envolver pedido de compensação com outros débitos tributários federais, evitando-se que o contribuinte tenha que aguardar a devolução do valor por requisição de pequeno valor – RPV (na hipótese de créditos cujo valor atualizado seja inferior a 60 salários mínimos) ou precatório.

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