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ArtigosA execução e a propriedade intelectual

A relação entre a execução de títulos judiciais ou extrajudiciais e a propriedade intelectual é um tema complexo e cada vez mais relevante no contexto jurídico contemporâneo. No cenário jurídico brasileiro, a execução se torna necessária quando o devedor não cumpre de maneira satisfatória uma obrigação certa, líquida e exigível, conforme preconiza o Código de Processo Civil.

A efetividade da satisfação do crédito, entretanto, enfrenta desafios crescentes devido às fraudes praticadas por devedores. Nesse contexto, o artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil, emerge como um alicerce fundamental ao conceder ao magistrado a prerrogativa de aplicar medidas coercitivas atípicas, visando assegurar o cumprimento das ordens judiciais.

Contudo, a aplicação de medidas coercitivas atípicas não é universalmente aceita, sendo necessário o esgotamento dos meios típicos. De acordo com Barro Neto (2017), tais medidas não devem substituir as já previstas em lei, demandando do exequente a demonstração da excepcionalidade do caso concreto, comprovando o esgotamento dos meios convencionais e a má-fé do executado.

No contexto da propriedade industrial, que engloba marcas, patentes, desenhos industriais e indicações geográficas, a proteção é regida pela Lei de Propriedade Industrial. Tradicionalmente, esses bens intangíveis não eram considerados garantia ou objeto de penhora. Contudo, em um mercado cada vez mais competitivo e inovador, a penhora de ativos da propriedade industrial pode se tornar uma ferramenta eficaz na execução de débitos.

Dessa forma, o embate entre a execução e a propriedade intelectual apresenta desdobramentos complexos, requerendo uma análise cuidadosa da legislação e jurisprudência para conciliar a proteção do credor com os princípios que regem a propriedade intelectual e a eficiência do processo judicial.

A execução de título judicial ou extrajudicial será instaurada quando o devedor não satisfaz a obrigação certa, liquida e exigível. Nesse aspecto, preconiza o Código de processo civil, que, o devedor responderá com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações.

No entanto, a satisfação do crédito tem sido cada vez mais complexo diante das diversas fraudes aplicadas pelos devedores. Com isso, o artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil, in verbis, é um importante alicerce para a aplicação de medidas coercitivas atípicas, o artigo concede ao magistrado a aplicação de medidas que entender adequadas ao cumprimento da obrigação.

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

Desse modo, a vagância contida no aludido artigo concede a atividade jurisdicional um aspecto mais criativo, visando alcançar a efetividade da tutela jurisdicional. (DIDIER JR, 2019). Ainda, a adoção de medidas coercitivas atípicas pode ser aplicada de forma eficaz em determinados casos e em outros não serem consideradas possíveis e eficazes.

O princípio da eficiência, previsto no artigo 37 da Constituição Federal e no artigo 8º do código de processo civil, determina que o processo seja conduzido de forma eficiente, priorizando o dever de observar o máximo de um fim com a minimização de recursos e por um meio atingir o fim máximo. (DIDIER JR. 2019).

Há ainda o entendimento pacificado da necessidade de esgotamento dos meios típicos, para então passar aos meios atípicos. Para Barro Neto (2017), o uso de medidas atípicas não serve para todas as execuções e não deve tomar lugar das medidas já previstas em lei, devendo o exequente demonstrar a excepcionalidade do caso concreto, como o esgotamento de todos os meios próprios e evidências de que o executado tem condições de arcar com sua obrigação, mas não o faz por má-fé.

O Código de Processo Civil – CPC, apresenta a ordem de preferência para a penhora de devedores, o artigo 835, abaixo, demonstra a prioridade em relação a penhora, estando “outros direitos” em última possibilidade. Por outro lado, a Lei de Propriedade Industrial, 9279/96, convenciona que as propriedades intelectuais são bens móveis, ao retornarmos ao CPC, a propriedade industrial estaria na ordem VI, da preferência no momento da penhora.

Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

I – Dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;

II – Títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado;

III – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;

IV – Veículos de via terrestre;

V – Bens imóveis;

VI – Bens móveis em geral;

(…)

XIII – outros direitos.

Art. 5º Consideram-se bens móveis, para os efeitos legais, os direitos de propriedade industrial.

Com a modernização, a inovação de bens e serviços garante destaque no mercado cada vez mais competitivo, desse modo, a propriedade industrial, considerada um bem móvel, é considerado um importante ativo, visto que seu registro pode conferir ao inventor diversos benefícios.

A Propriedade Industrial engloba marcas, patentes, desenhos industriais e indicações geográficas, que são protegidos pela lei 9279/96, Lei de Propriedade Industrial. Nesse tocante, todos possuem aplicação industrial, por se tratar de requisito para registro, e consequentemente valor comercial.

As marcas, quando registradas, são protegidas por 10 anos, podendo ser renovada por sucessivas vezes, marcas famosas podem ser um farto meio de arrecadação de ativos. A marca “ Mickey”, é um claro exemplo dessa realidade, estima-se que a marca fature apenas com seu licenciamento mais de US$ 5 bilhões anuais (ISTOÉ, 2018). Outro exemplo é o famoso medicamento “Vonau Flash” desenvolvido pela USP, a patente do medicamento foi licenciada a outra empresa, que somente em 2018 faturou mais de 135 milhões de reais, sendo uma porcentagem dirigida a inventora da patente. (USP, 2019).

Embora, os casos acima sejam exemplo de como uma propriedade intelectual possa ser economicamente vantajosa. Em uma rápida análise há casos em que determinadas patentes representam um valor milionário para o seu proprietário, como é o caso de industriais farmacêuticas. Em outros segmentos a marca detém maior valor econômico que os produtos que os envolvem.

Tradicionalmente, diante da intangibilidade da propriedade industrial, não se vislumbrava a possibilidade de oferecer tais bens como garantia ou apreende-los como forma de satisfação de uma obrigação. Para Barbosa (2005), em uma economia concorrencial, o bem intangível é uma criação estética, que pode ser um investimento em imagem, ou uma solução técnica que consiste, em todos os casos, numa oportunidade de haver receita pela exploração de uma atividade empresarial.

Nesse interim, a penhora de ativos oriundos da propriedade industrial pode representar uma forma eficaz de garantir a execução do débito. Em um caso interessante, em 2023, o Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (MT), autorizou a penhora da marca comercial ECOPAV, atendendo ao pedido de um reclamante que buscava a efetivação do seu crédito desde 2017.

Para a magistrada do caso, o devedor responde com todos os bens, sejam eles presentes ou futuros, e que não há proibições da penhora de marcas comerciais “Anoto que a penhora e eventual arrematação da marca não inviabilizam as atividades da empresa, isso porque não há expropriação do bem em questão, mas, sim, utilização comercial de seus frutos”

No caso das patentes, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – TJMG, entendeu que é possível a penhora de patentes registradas no Instituto de Propriedade Intelectual que esteja registrada em nome do devedor. No caso em tela, o desembargador salientou que, no caso não estava sendo transferida a propriedade da Patente, mas sim os direitos advindos com o registro, podendo ser a concessão de licença para terceiros explorarem a invenção, mediante pagamento.

Em conclusão, a interseção entre a execução de títulos judiciais ou extrajudiciais e a propriedade intelectual revela um cenário jurídico dinâmico e desafiador, onde a busca pela efetividade da tutela jurisdicional se depara com as inovações e complexidades do mundo contemporâneo.

A adoção de medidas coercitivas atípicas, respaldada pelo artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil, demonstra a necessidade de uma abordagem criativa por parte do judiciário para assegurar o cumprimento de ordens judiciais em face das crescentes artimanhas utilizadas pelos devedores. Contudo, a ponderação sobre a excepcionalidade de tais medidas e o esgotamento dos meios típicos se impõem como critérios fundamentais.

No âmbito da propriedade industrial, a compreensão da sua importância como ativo valioso, permeando marcas, patentes, desenhos industriais e indicações geográficas, destaca a relevância da proteção legal conferida pela Lei de Propriedade Industrial. A recente autorização judicial para penhora de marcas comerciais e patentes evidencia uma adaptação do sistema jurídico às demandas de um mercado competitivo e inovador.

Assim, a conclusão aponta para a necessidade de um equilíbrio delicado entre a proteção do credor, a eficiência do processo judicial e o respeito aos princípios que norteiam a propriedade intelectual. A jurisprudência recente demonstra uma flexibilização em relação à penhora de ativos da propriedade industrial, reconhecendo sua relevância econômica e possibilitando formas inovadoras de garantir a execução de débitos.

Em última análise, a harmonização desses elementos requer uma constante adaptação do ordenamento jurídico para lidar com os desafios emergentes, proporcionando segurança jurídica aos credores e, ao mesmo tempo, promovendo o estímulo à inovação e ao desenvolvimento econômico.

 

 

REFERÊNCIAS

ARRUDAS, MARIANA. Sabia que um remédio para enjoo traz 90% dos royalties que a USP recebe?. Sabia que um remédio para enjoo traz 90% dos royalties que a USP recebe?, 20 ago. 2019. Disponível em: https://www.inovacao.usp.br/sabia-que-um-remedio-para-enjoo-traz-90-dos-royalties-que-a-usp-recebe/. Acesso em: 29 fev. 2024.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito processual civil: execução – 9ª Ed. – Salvador: Ed. Juspodivm, 2019, p. 104.

BARROS NETO, Geraldo Fonseca. Notas sobre a execução indireta da obrigação de pagar quantia. IN: Lucón, Paulo Henrique dos Santos; Oliveira, Pedro Miranda de. (Coordenadores). Panorama Atual do Novo CPC. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.

DAMIAZO, Juliane. O ARTIGO 139, INCISO IV DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E AS (POSSÍVEIS) DIRETRIZES PARA SUA APLICAÇÃO. Revista da PGE-MS, [s. l.], ed. 16, 1 mar. 2021. Disponível em: https://www.pge.ms.gov.br/esap/revistaspge/revista-16/. Acesso em: 27 fev. 2024.

MENDES, FELIPE. O império de Mickey. Istoé dinheiro, 15 nov. 2018. Disponível em: https://istoedinheiro.com.br/o-imperio-de-mickey/. Acesso em: 29 fev. 2024.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO TRABALHO DA 23ª REGIÃO (Brasil). TRT 23. JUSTIÇA DO TRABALHO AUTORIZA PENHORA DA MARCA ECOPAV PARA PAGAR EX-EMPREGADO. InJUSTIÇA DO TRABALHO AUTORIZA PENHORA DA MARCA ECOPAV PARA PAGAR EX-EMPREGADO. Mato grosso, 17 jul. 2023. Disponível em: https://portal.trt23.jus.br/portal/noticias/justica-do-trabalho-autoriza-penhora-da-marca-ecopav-para-pagar-ex-empregado. Acesso em: 29 fev. 2024.

 

 

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