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ArtigosO Direito do Vinho e a importância das Indicações Geográficas

01/08/2022by admin0

Por

Fernando Zanetti Stauber
Lorena Marques Magalhães

 

Presente na mitologia grega, na bíblia e na maioria dos eventos históricos, a prática da vitivinicultura vai muito além da produção de uma bebida clássica. É necessária a adoção de uma série de cuidados e técnicas para se alcançar e produzir um vinho de qualidade.

Atestar a origem e a procedência de um vinho é importante não apenas para assegurar a sua qualidade, mas também para auferir as suas características principais. É nesse aspecto, portanto, que as Indicações Geográficas são aplicadas.

Tratam-se de certificados conferidos pelo Estado para indicar que determinada região é conhecida pela fabricação e comercialização de um produto ou serviço diferenciado em relação aos demais, devido ao local onde é produzido.

Para se obter a certificação de uma indicação geográfica é necessário realizar o pedido de registro, que é conduzido por meio do Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI. Tal entidade compreende o que são as Indicações Geográficas (ou IG) da seguinte forma:

“O registro de Indicação Geográfica (IG) é conferido a produtos ou serviços que são característicos do seu local de origem, o que lhes atribui reputação, valor intrínseco e identidade própria, além de os distinguir em relação aos seus similares disponíveis no mercado. São produtos que apresentam uma qualidade única em função de recursos naturais como solo, vegetação, clima e saber fazer (know-how ou savoir-faire)”.

As Indicações Geográficas no Brasil são protegidas pela Lei nº 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial). Elas são divididas em duas espécies, sendo que a primeira é denominada de Indicação de Procedência (ou IP), a qual atesta que determinado vinho foi produzido em uma região que se tornou famosa por sua fabricação.

Exemplo disso é o Vale da Uva Goethe, uma Indicação de Procedência do Brasil, situada no sul de Santa Catarina. A sua história é marcada pela resistência para manutenção da produção do vinho, que é executada até hoje pelos produtores estabelecidos na região.

O segundo tipo de Indicação Geográfica é a Denominação de Origem (ou DO). Essa incide sobre produtos ou serviços dotados de características que os diferem dos demais, sendo os seus diferenciais vinculados à fauna, à flora, ao clima e até a fatores humanos.

Um clássico exemplo é o Vale dos Vinhedos, a primeira Denominação de Origem de vinhos do Brasil, obtida no ano de 2012. Famoso por seus vinhos tintos, brancos e espumantes, o Vale dos Vinhedos possui mais de 130 anos de história e está localizado no nordeste do Estado do Rio Grande do Sul, abrangendo áreas dos municípios de Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul.

Para que os vinhos dessa região possam apresentar tal classificação, devem eles obedecer determinadas regras de produção, previstas em um Caderno de Especificações Técnicas, especialmente quanto ao cultivo da uva e à elaboração da bebida.

Apenas para ilustrar a preocupação das Vinícolas locais com a qualidade dos vinhos produzidos no Vale dos Vinhedos, conforme abordado pela APROVALE, os espumantes de tal região devem ser elaborados com “(…) vinho base Chardonnay e/ou Pinot Noir, pelo menos em 60% de sua composição, podendo ser complementado por Riesling Itálico. Só podem ser elaborados pelo método tradicional, com surgimento das ‘borbulhas’ em processo natural, através da fermentação na própria garrafa”.

Como se observa, as Indicações Geográficas são importantes para se atestar as características dos vinhos e a sua qualidade, associadas ao local onde é produzido. A Lei da Propriedade Industrial também confere proteção à representação gráfica ou figurativa que simboliza a indicação geográfica. É proibido, assim, o registro de marca que contenha indicação geográfica.

Art. 179. A proteção estender-se-á à representação gráfica ou figurativa da indicação geográfica, bem como à representação geográfica de país, cidade, região ou localidade de seu território cujo nome seja indicação geográfica.

Art. 124. Não são registráveis como marca:

IX – Indicação geográfica, sua imitação suscetível de causar confusão ou sinal que possa falsamente induzir indicação geográfica;

Além da Lei nº 9.279/96, o Brasil possui uma regulamentação específica sobre os vinhos, que é a Lei nº 7.678/88. É signatário, ainda, do TRIPS e do Regulamento Vitivinícola do Mercosul. O primeiro é especificamente sobre o vinho; já o segundo resguarda um capítulo exclusivo para a proteção das indicações geográficas do vinho.

A Lei nº 7.678/88, mais conhecida como a Lei do Vinho, dispõe sobre a produção, circulação e comercialização do vinho e dos seus derivados. Além disso, resguarda o direito das indicações geográficas, vedando a fraude, conforme o disposto no seu art. 49:

Art. 49. É vedada a comercialização de vinhos e derivados nacionais e importados que contenham no rótulo designações geográficas ou indicações técnicas que não correspondam à verdadeira origem e significado das expressões utilizadas.

O Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (ou TRIPS), no Brasil nomeado como “acordo sobre os aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao comércio”, é um pacto firmado entre diversos países do mundo, que visa a promoção e proteção adequada dos direitos de propriedade intelectual, sem que as leis se tornem um obstáculo para o comércio internacional.

Nesse contexto, o acordo incluiu as indicações geográficas e conferiu maior proteção especificamente às indicações de vinhos e destilados. O intuito foi evitar a utilização indevida de indicações geográficas dos vinhos dentro dos países signatários, seja por fraude ou por utilização de marcas semelhantes à indicação geográfica já registrada.

ARTIGO 23

  1. Cada Membro proverá os meios legais para que as partes interessadas possam evitar a utilização de uma indicação geográfica que identifique vinhos em vinhos não originários do lugar indicado pela indicação geográfica em questão, ou que identifique destilados como destilados não originários do lugar indicado pela indicação geográfica em questão, mesmo quando a verdadeira origem dos bens esteja indicada ou a indicação geográfica utilizada em tradução ou acompanhada por expressões como “espécie”, “tipo”, “estilo”, “imitação” ou outras similares.

Como se observa, as Indicações Geográficas para os vinhos são alvo de preocupação mundial. A origem e as características de um vinho são importantes não somente para o consumidor compreender a origem, mas também para a economia dos países envolvidos.

No mesmo sentido, o Mercosul também regulamentou o tema em questão, ocasião em que apresentou o Regulamento Vitivinícola do Mercosul. O intuito foi o de padronizar algumas questões envolvendo vinhos no MERCOSUL. Dentre as cláusulas do acordo, está a necessidade do país que conferir a uma área o certificado de indicação geográfica, comunicar, no prazo de 20 (vinte) dias, a certificação aos demais Estados membros.

O objetivo, portanto, é de garantir a ampla e efetiva proteção entre os países. Igualmente, o referido acordo proíbe que qualquer membro compactue com a comercialização de vinhos que possuam em seus rótulos indicações geográficas de terceiros, que podem causar falsa associação em relação à origem do vinho.

Neste ponto, é importante sublinhar que a fabricação, utilização, exposição, venda ou oferecimento à venda de um produto com indicação geográfica que o comerciante não faça parte, são considerados crimes passíveis de pena de detenção de 1 a 3 meses ou multa.

Art. 192. Fabricar, importar, exportar, vender, expor ou oferecer à venda ou ter em estoque produto que apresente falsa indicação geográfica.

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.

Art. 193. Usar, em produto, recipiente, invólucro, cinta, rótulo, fatura, circular, cartaz ou em outro meio de divulgação ou propaganda, termos retificativos, tais como “tipo”, “espécie”, “gênero”, “sistema”, “semelhante”, “sucedâneo”, “idêntico”, ou equivalente, não ressalvando a verdadeira procedência do produto.

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.

  Art. 194. Usar marca, nome comercial, título de estabelecimento, insígnia, expressão ou sinal de propaganda ou qualquer outra forma que indique procedência que não a verdadeira, ou vender ou expor à venda produto com esses sinais.

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.

O caso do Vale dos Vinhedos é um exemplo muito marcante para o Brasil. De acordo com o SEBRAE, o clima do local é peculiar, diferente dos demais grupos climáticos encontrados na vitivinicultura mundial, razão pela qual as uvas colhidas na área delimitada pela indicação geográfica possuem características diferentes em sua composição química e nas características sensoriais, tornando os vinhos fabricados no local únicos e de grande valor aquisitivo.

Conclui-se, assim, que as indicações geográficas dos vinhos merecem uma atenção especial de todos os envolvidos na área da vitivinicultura, pois a qualidade e as características de cada vinho, seja ele de qualquer espécie, estão estritamente vinculadas ao local de produção da matéria prima, à uva, à forma de fabricação, às questões culturais e aos fatores humanos.

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BRASIL. Lei nº 9279/96, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm. Acesso em 26 de junho de 2022.

SEBRAE. Indicações geográficas brasileiras. Disponível em: https://www.sebrae.com.br/Sebrae/infograficos/livroanimacao/#/s. Acesso em: 26 de junho de 2022

MAPA. O que é Indicação Geográfica? Como obter o registro? Brasília, 21 de março de 2022, Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/sustentabilidade/indicacao-geografica/o-que-e-indicacao-geografica-ig. Acesso em: 26 de junho de 2022

VALE DOS VINHEDOS. Indicações geográficas. Disponível em: https://www.valedosvinhedos.com.br/ . Acesso em: 20 de julho de 2022

 

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