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ArtigosConflito de competência: juízo da recuperação deve julgar a execução em relação de consumo?

Em novembro de 2015, a Sociedade Comercial e Importadora Hermes S.A. ajuizou ação suscitando conflito positivo de competência em face do Juízo de Direito do Juizado Especial Cível da Comarca de Cabo Frio – RJ e do Juízo de Direito da 7ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro.

Na Ação, a autora requereu a suspensão da execução que tramitava no Juizado Especial e a declaração da competência do Juízo da recuperação judicial. Interposto Agravo Regimental, o Acórdão negou seu provimento para manter a decisão unipessoal que reconheceu a competência do Juizado Especial.

Diante disto, a empresa interpôs Recurso Especial, alegando a existência de violação ao artigo 49 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Na ocasião, a recorrente também citava ter havido dissídio jurisprudencial, ou seja, entendia que o Tribunal local deu à lei federal interpretação divergente da que lhe havia dado o Juizado Especial.

A recorrente salienta que o texto da Lei de Falências e Recuperação de Empresas determina que “estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, mesmo que se trate de dívida oriunda de relação de consumo. Entende que o juízo recuperacional é o competente para a prática de atos executivos que incidam sobre seu patrimônio.” (Resp. nº 1.630.702 – RJ – 2016/0261879-1).

 A controvérsia

Impõe-se, no caso, a necessidade de se definir se o juízo onde ocorre o processamento da recuperação judicial é o competente para o julgamento da ação indenizatória advinda de relação de consumo em fase de cumprimento de sentença.

O conflito de competência ocorre quando dois ou mais juízes se declaram competentes (conflito positivo) ou incompetentes (conflito negativo) para o julgamento de uma causa, ou ainda, quando houver discussão sobre a reunião ou separação de processos.

A Ministra Nancy Andrighi, em seu voto, analisou a aplicação das disposições do art. 49 da Lei 11.101/2005, que trata especialmente dos créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos e que estão sujeitos à recuperação judicial.

Segundo a relatora, o Superior Tribunal de Justiça, ao se deparar com ações que estão sendo processadas sob os ditames da Lei nº 11.101/2005, tem exigido, para efeito de caracterização do conflito de competências, apenas “a prática de atos que comprometam o patrimônio da recuperanda ou falida por juízo diverso daquele competente para o processamento da recuperação ou falência.”

Caso em concreto

No caso sob a nossa análise, deve-se identificar se a decisão do Juizado Especial Cível da Comarca do Rio de Janeiro praticou ato que pudesse afetar diretamente o patrimônio da recuperanda, interferindo, deste modo, na competência do Juízo da recuperação judicial.

Para a Ministra relatora, esta análise não deve, apenas, se basear na exigência exarada pelo Tribunal Superior (detectar a prática de atos que comprometam o patrimônio da empresa em recuperação por juízo diverso ao competente para o processamento da recuperação ou falência). A aplicação do direito deve, essencialmente, atender as finalidades da lei. Neste caso, as da Lei nº 11.101/2005.

Finalidades legais

Não se pode olvidar que a Lei de Recuperação de Empresas e Falências, tem como objetivos precípuos a preservação da empresa e dos interesses que a ela se agregam como célula da economia de mercado e cumpridora de sua função social. Além disso, a Lei nº 11.101/2005 tem por escopo garantir os direitos dos credores e a proteção do trabalhador. Para consagrar tudo isto, a própria norma apresenta um princípio oposto, mas complementar ao princípio da preservação da empresa: a retirada do mercado da empresa inviável.

Estas finalidades vêm corroborar com a tese defendida no voto da Ministra do Superior Tribunal de Justiça.

Ditames legais

O voto da Ministra Nancy ainda ressalta a necessidade de se atender as disposições dos artigos 6º e 49 da Lei nº 11.101/2005:

Art. 6º . A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

Sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça tem firmado o entendimento de que a sociedade em recuperação judicial não pode ver seu patrimônio ser atingido por decisões proferidas em Juízo diverso daquele onde se processa a recuperação judicial, sob pena de se infringir os ditames do princípio da preservação da empresa. Robusta é a jurisprudência deste tribunal relacionada à competência do juízo da recuperação para a restrição patrimonial da empresa recuperanda.

Vale ressaltar ainda, que em seu voto, a Ministra Nancy Andrigui consigna que:

“até mesmo em processos de execução fiscal – hipóteses nas quais a lei expressamente prevê a continuidade de tramitação, a despeito do deferimento judicial do pedido de soerguimento – o STJ tem posicionamento assentado no sentido de que, embora as ações não se suspendam, compete ao juízo universal dar seguimento a atos que envolvam a expropriação de bens do acervo patrimonial do devedor. Nesse sentido: AgInt no CC 140.021/MT, Segunda Seção, DJe 22/08/2016.”

 Para a relatora, vale dizer:

“uma vez deferido o pedido de recuperação judicial, fica obstada a prática de atos expropriatórios por juízo distinto daquele onde tem curso o processo recuperacional, independentemente da natureza da relação jurídica havida entre as partes.”

Diante do exposto, a aplicação deste entendimento a créditos que decorrem da relação de consumo, não fica prejudicada. A regra expressa no artigo 49 da Lei nº 11.101/2005 deve ser atendida, de modo que se processe no Juízo da recuperação a correspondente habilitação. Para a ministra

“sequer o fato de a penhora ter sido efetivada, eventualmente, em data anterior ao deferimento do pedido de recuperação judicial obstaria o exercício da força atrativa do juízo universal, de acordo com o que se depreende dos seguintes julgados: CC 100.922/SP (DJe 26/06/2009) e CC 111.614/DF (DJe 19/06/2013).”

Pondera ainda, que o Juízo da recuperação é o que está mais próximo da realidade da empresa em dificuldades e apto para determinar as medidas restritivas ao seu acervo patrimonial, necessárias ao seu reerguimento.

Acórdão

Os ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, deram provimento ao recurso especial, acompanhando o voto da Ministra Relatora Nancy Andrigui para determinar a suspensão da prática, pelo Juizado Especial Cível da Comarca de Cabo Frio – RJ, de atos executivos incidentes sobre o patrimônio da recorrente, enquanto perdurar seu processo de recuperação judicial e reconhecer a competência do juízo da 7º Vara Empresarial do Rio de Janeiro para processamento e julgamento da presente execução.

Conclusão

Percebe-se, portanto, que o Superior Tribunal de Justiça em nova oportunidade ratificou a compreensão sobre a relevância do estado recuperacional da empresa, assegurando a prevalência do princípio da preservação da empresa, ainda que diante de litígios envolvendo relações de consumo, na qual o consumidor é parte notoriamente hipossuficiente.

Nesse sentido, a vis atrativa do Juízo recuperacional aplica-se à fase executiva dos processos em curso nos Juizados Especiais, impedindo-se que haja a prática de atos constritivos em face do patrimônio da empresa em recuperação judicial, o que por consequência, maximiza o esforço de soerguimento dessa unidade produtiva relevante para o desenvolvimento econômico.

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