EnglishPortugueseSpanish

ArtigosO futuro do Brasil no Mercosul

O Mercosul – Mercado Comum do Sul foi constituído em 1991 por meio do Tratado de Assunção, e consolidado em 1994 pelo Tratado de Ouro Preto, na esteira dos resultados promissores relativos ao processo de consolidação da União Europeia como mercado comum, o que se deu mediante a assinatura do Tratado de Maastricht em 1993.

 

A despeito do Tratado de Assunção consignar um modelo integracionista nos moldes da União Europeia, estabelecendo diretrizes futuras para a livre circulação interna de bens, serviços e fatores produtivos, o estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC) no comércio com terceiros países e a adoção de uma política comercial comum, observa-se que esse desiderato nunca se efetivou e, na atualidade, está longe de ser concluído. O objetivo de se tornar um mercado comum até 31/12/1994 não é perseguido há bastante tempo, de modo que o Mercosul se revela mais propriamente como uma união aduaneira, uma vez que há atualmente a livre circulação de bens entre os países e o uso de uma tarifa externa comum (TEC). É sintomática a descrença no modelo de integração regional a partir do que se observa pela notícia recentemente divulgada pelos meios de comunicação acerca da China ter se tornado o maior parceiro comercial da Argentina, a despeito da existência de compromissos de desenvolvimento comercial entre os países integrantes do Mercosul.[1]

 

De outro lado, o modelo integracionista regional, que se revelou como uma resposta ao contexto histórico da guerra fria, na qual duas superpotências (EUA e URSS) definiam a geopolítica mundial, vem paulatinamente perdendo força e adesão, especialmente no âmbito da União Europeia, considerada a mais avançada estratégica integracionista desenvolvida até o momento atual. A crise das dívidas soberanas a partir da crise bancária e de confiança mundial instaurada em 2008, especialmente verificada na Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália, demonstrou as dificuldades inerentes à vinculação a uma moeda comum e parâmetros financeiros-orçamentários rigidamente definidos por um parlamento comum supranacional.

 

Tais circunstâncias retiraram dos países integrados instrumentos econômicos e financeiros anticíclicos e que possibilitam a adoção de medidas econômicas fundamentais à liquidez monetária, estabilização do mercado financeiro e manutenção dos fatores produtivos, tais como emprego e renda. De fato, desde a grave crise econômica global de 2008, proliferaram manifestações e intenções de diversos países no sentido de se retirar da União Europeia, sendo o exemplo mais acabado dessa perspectiva não-integracionista o Brexit[2], que se efetivou em 31 de janeiro de 2020 após complexo processo político-institucional.

 

Aliada a essas circunstâncias de caráter econômico, subjaz aos movimentos de dissolução das integrações regionais dois aspectos relevantes:

 

a) o primeiro diz respeito ao radicalismo político vigente na atualidade em todo o mundo, o que tem sido um claro impeditivo à busca do consenso e a realização de acordos supranacionais mais ampliados. Assim, a diferença ideológica entre governos, como ocorre atualmente entre Brasil e Argentina, esgarçam o diálogo e impedem o desenvolvimento institucional e comercial da integração regional. Ao invés da obtenção de avanços na unificação de políticas comerciais, verifica-se na atualidade o congelamento de relações diplomáticas que afetam o comércio multilateral.

 

Claro exemplo advindo do conflito ideológico no âmbito do Mercosul diz respeito à adesão da Venezuela como país aderente ao mercado comum, tendo em vista a afirmação de seu descumprimento às normas do bloco, especialmente a violação a direitos individuais e o regime democrático.[3]

 

Aliás, a recente decisão do governo argentino de abandonar as negociações para a ratificação do Acordo de Livre-Comércio com a União Europeia, assinado no ano passado, deixou o Mercosul em xeque, pois, sem a assinatura de um dos quatro sócios os demais são Brasil, Uruguai e Paraguai o tratado não terá validade[4]. O governo argentino também não aprova as negociações para a assinatura de novos tratados de livre-comércio com a Coreia do Sul, Índia, Líbano e Cingapura, que vinham sendo negociadas.

 

É interessante notar que a pauta ideológica tem afetado inclusive a percepção dos países em relação a acordos mais amplos, tal qual o realizado entre Mercosul e União Europeia, que foi bastante comemorado.[5] Tem sido recorrente a divulgação de notícias relativas a países de marcante influência no contexto europeu, tais como França[6] e Alemanha[7], a respeito da orientação política do governo brasileiro na área ambiental.

 

b) o segundo relaciona-se às estratégias mundiais na arena global de transações comerciais. Tem-se na atualidade uma preferência global na estratégica de firmar acordos bilaterais e multilaterais entre países em detrimento de processos de integração econômica. São inúmeros os países que tem adotado essa estratégia mais individualista para a obtenção de acordos comerciais favoráveis, tendo em vista os entraves decorrentes da negociação conjunta exigida por tratados e protocolos que regem a ação dos países aderentes intrabloco comunitário, tal qual ocorre no âmbito do Mercosul. O Chile tem sido indicado como evidente exemplo de sucesso na realização de acordos bilaterais, o que lhe tem propiciado maior inserção no comércio global.[8]

 

Portanto, diante das circunstâncias atuais, o futuro do Brasil no Mercosul parece caminhar por duas perspectivas paralelas: a) a manutenção do bloco nas condições atuais, tendo em vista a enorme influência econômica brasileira sobre os demais países integrantes (Argentina, Paraguai e Uruguai), o que justifica a manutenção da união aduaneira para preservação do comércio exterior multilateral; b) em paralelo a realização de iniciativas de flexibilização das travas institucionais existentes no Mercosul, especialmente a exigência de negociação conjunta entre os países constituintes do bloco, o que tem dificultado enormemente o desenvolvimento das relações comerciais do Brasil no âmbito mundial e obtenção de maiores vantagens comerciais para seus produtos.

 

Aliás, a posição brasileira no contexto do Mercosul é a mais prejudicial dada a evidente potencialidade comercial do país, seja em relação a produtos industrializados, seja em relação a commodities agrícolas e minerais, o que gera inegável minoração da capacidade brasileira de participação no comércio exterior e mitigação da sua participação no comércio global mundial.

 

Com efeito, conforme dados da Organização Mundial do Comércio – OMC, o Brasil detém apenas a 27ª posição no ranking de países exportadores, uma inegável contradição com a sua condição econômica mundial. O rating brasileiro no comércio global gira em torno de 1,2% do total global, enquanto China detém uma participação de 13,2% e EUA com uma percentual de 8,7%.[9]

 

Portanto, é necessária a adoção de reformas institucionais no Mercosul, de modo a assegurar uma maior flexibilidade aos países integrantes e a mitigação dos efeitos deletérios decorrentes da ideologia política dos governos de ocasião, proporcionando condições mais favoráveis para a obtenção do consenso e a negociação de acordos entre o bloco e demais países ou mercados comuns regionais.

________________________

[1] Sobre essa notícia, dentre outros inúmeros portais de notícias, veja-se: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53862542.

[2] Para maiores detalhes, vide: https://www.consilium.europa.eu/pt/policies/eu-uk-after-referendum/.

[3] Vide: https://g1.globo.com/mundo/noticia/mercosul-suspende-venezuela-por-nao-cumprir-normas-do-bloco-dizem-agencias.ghtml

[4] Vide: https://veja.abril.com.br/mundo/congresso-da-argentina-tera-palavra-final-sobre-acordo-mercosul-ue/

[5] Sobre o acordo firmado entre o Mercosul e a União Européia, vide: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2019-06/mercosul-e-ue-fecham-maior-acordo-entre-blocos-do-mundo.

[6] Vide: https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/10/08/franca-nao-assinara-acordo-do-mercosul-nas-atuais-condicoes-diz-ministra-do-meio-ambiente.ghtml.

[7] Vide: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-49411975; https://brasil.elpais.com/brasil/2019/08/16/politica/1565909766_177145.html.

[8] Vide: https://exame.com/mundo/acordos-comerciais-tornam-o-chile-mais-competitivo-que-o-brasil-m0076281/

[9] Vide: https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/04/08/brasil-mantm-posio-no-comrcio-mundial.ghtml

Deixe um comentário

Your email address will not be published. Required fields are marked *

https://barretodolabella.com.br/wp-content/uploads/2021/01/logotipo.png

Filiais nas principais cidades do Brasil // Estamos onde nosso cliente está

Todos os direitos reservados

Leia nossa política de privacidade

Desenvolvido por Design C22