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ArtigosO Princípio da Boa-Fé na Lei nº 14.181/2021

Com a chegada da Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021, ora denominada lei do superendividamento, houve alteração na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor – CDC), com o intuito reforçar o carácter de prevenção e tratamento sobre educação financeira ao cidadão comum.

Elaborada durante o estado de calamidade pública que atormentava milhares de cidadãos brasileiros, a chamada lei do superendividamento surgiu com o intuito de minorar os danos financeiros surgidos após o início da pandemia do Covid-19.

Aliado a tudo isso, acrescenta-se o fato que em meados do presente século XXI existe forte crescente contínua e generalizada do aumento dos preços de bens e serviços, pois vivenciamos um período marcado por uma economia caracterizada por uma inflação bastante acelerada e desenfreada, com aumento de impostos para cobrir despesas e repasse de custos aos consumidores.

Logo no seu início, existe definição criteriosa bastante incompleta quanto a sua aplicabilidade, porquanto na referida norma existe orientação que ela apenas se aplica aos consumidores de boa-fé, mas não exemplifica, ou melhor, nem aprofunda o conceito do termo utilizado.

Além do conceito propriamente dito do termo superendividamento, a nova lei em comento ratificou algumas noções e formas de prevenção já inseridas no CDC, como por exemplo, do dever de informação no fornecimento de crédito e na venda a prazo.

Atualmente pode existir conciliação a requerimento do consumidor pessoa natural superendividado, ou seja, poderá ser elaborado plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, ao teor do disposto no art. 104-A da lei do superendividamento, vejamos:

A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.

Dito isso, observemos o conceito utilizado no art. 54-A da Lei nº 14.181/2021, nestas palavras:

Este Capítulo dispõe sobre a prevenção do superendividamento da pessoa natural, sobre o crédito responsável e sobre a educação financeira do consumidor.

§1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.

§ 2º As dívidas referidas no § 1º deste artigo englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada.

§ 3º O disposto neste Capítulo não se aplica ao consumidor cujas dívidas tenham sido contraídas mediante fraude ou má-fé, sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento ou decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor.

 

Conforme se depreende, o termo boa-fé, ora utilizado no art. 54-A, § 1º, da Lei nº 14.181/2021, é bastante omisso quanto ao seu modo de interpretação.

A redação imposta é vazia, já que não expôs os requisitos necessários/exemplificativos para explicar a origem do consumidor de boa-fé frente a mesma lei.

Fato é que no direito civil brasileiro existem duas definições relativas ao princípio da boa-fé, sendo possível uma análise objetivamente e também subjetiva.

No que tange a boa-fé objetiva, “[…] em uma dada relação jurídica, presente o imperativo dessa espécie de boa-fé, as partes devem guardar entre si a lealdade e o respeito que se esperam do homem comum” (GAGLIANO; FILHO, 2021, p. 41).

Na boa-fé objetiva espera-se uma atitude ética e moral recíproca, isto por tal princípio ser analisado sob os aspectos de lealdade, confiança, assistência, confidencialidade e sigilo.

Quanto ao seu conceito, “[o] princípio da boa-fé entende mais com a interpretação do contrato do que com a estrutura. Por ele se significa que o literal da linguagem não deve prevalecer sobre a intenção manifestada na declaração de vontade, ou dela inferível” (GOMES, 2019, p. 35).

Já em relação à boa-fé subjetiva, distingue-se da objetiva pelo fato de que a primeira se refere a um estado subjetivo e racional do indivíduo, enquanto a última consagra o agir esperado costumeiramente conhecido pelos valores morais e éticos.

Na boa-fé subjetiva, o manifestante vontade acredita na legalidade da sua conduta segundo um estado de consciência ou aspecto psicológico (VENOSA, 2021, p. 39).

Seguindo o mesmo rumo, no negócio jurídico deverá existir agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, além de ter forma prescrita ou não defesa em lei, tudo em conforme com o previsto no art. 104 do Código Civil de 2002 (CC/02).

Quanto aos demais requisitos para a validade de um negócio jurídico, existe ainda a necessidade de livre declaração de vontade, como bem previsto no art. 107 do CC/02.

Dentro desse contexto, a boa-fé a ser analisada na Lei nº 14.181/2021 é objetiva, porquanto ela consiste em uma regra de comportamento com cunho ético e de exigibilidade jurídica.

O intuito do legislador quando da edição do art. 54-A, § 1º, da comentada lei até então, foi de atribuir eficácia da lei aos contratos celebrados sob os aspectos norteadores da boa-fé objetiva do direito civil brasileiro, tais como, o da transparência, da lealdade, respeito e livre manifestação da vontade.

Foi exatamente essa a intenção do legislador no momento que incluiu o termo boa-fé como requisito indispensável para aplicação, ou seja, de garantir segurança ao aplicador do direito tão logo quando for requerida a sua aplicação pelo consumidor.

Até mesmo porque “[o] Código Civil de 2002 deu relevância ao princípio da boa-fé, desde a manifestação da vontade das partes, como se extrai de seu art. 112: “Nas declarações de vontade e atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem” (RIZZARDO, 2022, p. 34).

Por tais razões, o conceito da boa-fé previsto na Lei nº 14.181/2021 é destinado à sua forma objetiva, atribuída eficácia da lei aos contratos celebrados sob os aspectos norteadores da transparência, da lealdade, respeito e cooperação.

Assim, conclui-se que a referida boa-fé inserida na chamada lei do superendividamento atribui ao operador do direito o dever de análise e cautela quanto aos comportamentos objetivamente perseguidos na concreta relação obrigacional.

Não se nega a importância do seu carácter objetivo, mas, no decorrer do tempo e se existir porventura uma judicialização excessiva de demandas, certamente pode-se afirmar que o texto de lei poderá ser alterado, de modo a restringir a sua forma de eficácia aos demais consumidores.

Portanto, para fins de entendimento do termo utilizado no art. 54-A, § 1º, da Lei nº 14.181/2021, deverá ser observada que a boa-fé objetiva serve de fator basilar de interpretação.

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BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 10 abr. 2022.

BRASIL. Lei n. 14.181, de 1º de julho de 2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14181.htm. Acesso em: 10 abr. 2022.

BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 10 abr. 2022.

GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo Mário Veiga P. Contratos. São Paulo: Editora Saraiva, 2021. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555593051/. Acesso em: 22 abr. 2022.

 GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2019. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530986735/. Acesso em: 20 abr. 2022.

 VENOSA, Sílvio de S. Direito Civil. Contratos. São Paulo: Grupo GEN, 2021. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597027129/. Acesso em: 20 abr. 2022.

 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2020. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530992637/. Acesso em: 21 abr. 2022.

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